Os ativistas reclamam do uso pelo Governo paulista de prisões e inquéritos civis como forma de reduzir a onda de manifestações nas ruas
Pedro Marcondes de Moura – El País
Cerca de 400 servidores e estudantes da Universidade de São Paulo (USP) fecharam ruas de acesso à instituição na manhã desta quinta-feira. Protestavam pela libertação de Fábio Harano, estudante e funcionário da USP, e por considerarem que a polícia plantou provas para detê-lo em uma estratégia para intimidar os movimentos que saem as ruas desde junho do ano passado.
Fábio Harano, de 26 anos, foi preso, junto a outro ativista, após um protesto segunda-feira na avenida Paulista. Segundo o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, ele faz parte dos primeiros adeptos da tática black bloc detidos em flagrante por associação criminosa. Além de incitar à violência durante o ato, Fábio portaria, segundo os policiais, material explosivo. Na quarta-feira, ele foi transferido para o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Tremembé, localizado no interior de São Paulo e conhecido por abrigar envolvidos em crimes notórios.
A versão oficial, no entanto, é desmentida por pessoas que acompanharam a prisão. Ao contrário do que foi registrado como prova no boletim de ocorrência, não havia, segundo dizem, nenhum artefato explosivo com o manifestante. O padre Júlio Lancelloti, um ativista dos direitos humanos que viu o jovem ser revistado, afirma que “os policiais viraram e reviram os pertences dele e não acharam nada.” “A única coisa suspeita foi que dois policiais que estavam acompanhando ele falavam o tempo todo ao telefone como se estivessem recebendo recados de superiores”, comenta.
Nilma Aparecida, colega de trabalho de Fábio no Centro de Saúde Escola – ligado à USP -, afirma que “só havia água e vinagre, para conter os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo, na mochila dele”, que ela chegou a carregar antes de ele ir à manifestação. “O Fábio vai para os protestos mesmo, é um militante, um sindicalista”, diz Nilma, em referência ao posto ocupado por ele no Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp). “Mas é pacífico. É calmo até demais”, assegura.
Durante a manifestação desta quinta-feira, os manifestantes foram da USP até o Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo de São Paulo, protestar contra a prisão que consideram política. Uma comissão foi recebida por integrantes do Governo. “O pessoal do Governo insistia que a questão do Fábio tem de ser resolvida com a lei, mas sabemos que quem é responsável por isto é o Palácio dos Bandeirantes”, diz Magno Carvalho, diretor do Sindicato Dos Trabalhadores da USP (Sintusp). “A prisão foi armada, escolheram ele a dedo. Forjaram um flagrante para criminalizar de uma vez só o nosso sindicato, que está em luta, e os outros movimentos que ele apoia”, acusa.
O Governo do Estado de São Paulo também é acusado de perseguição por outros movimentos sociais, como o Movimento Passe Livre (MPL). Formado por jovens na casa dos 20 anos, o MPL ganhou importância no Brasil por ter sido responsável pela articulação no ano passado de manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus em algumas capitais do país. A ação contagiou o país que aderiu aos protestos de junho.
Após um grupo de mascarados depredar lojas de luxo em São Paulo, em um protesto organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL), na quinta-feira 19, cerca de 20 integrantes do movimento foram intimados a depor. A data escolhida pelas autoridades foi justamente a mesmo do jogo da seleção brasileira, quando tradicionalmente ocorrem protestos. Chama a atenção o fato de o inquérito usado para convocá-los ter sido instaurado em outubro do ano passado.
Os ativistas, no entanto, não compareceram. “Este inquérito é um procedimento político que vem do comando da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo”, acusa Lucas Monteiro, do MPL, em referência ao fato de o secretário ser nomeado pelo governador. “Isto é ilegal, faz parte de uma estratégia de criminalização usada contra os movimentos sociais. Somos acusados (os integrantes do MPL) sem nos falarem de qual crime”, complementa Monteiro. O movimento nega ter ligação com os mascarados adeptos da tática tática black bloc e ressalta o seu caráter pacífico. “O secretário e o governador ficam tentando criar esta relação para criminalizar o movimento”, acusa.
De acordo com Lucas Monteiro, os integrantes do MPL que fazem parte do inquérito não irão prestar depoimento as autoridades policiais mesmo com as ameaças de serem levados à força por policiais. Os ativistas, diz, devem começar a se organizar em rede para resistir. Em outra frente, o Movimento Passe Livre tenta encerrar o procedimento na Justiça por meio de um com um habeas corpus. A ação, que foi ingressada em 9 de junho por advogados simpáticos à causa, ainda não foi julgada.
Para Pedro Arruda, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o inquérito contra os integrantes do MPL é preocupante. Trata-se, em sua opinião, de uma nítida maneira de limitar direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. “O Estado está usando uma frente policial e outra judicial para reprimir os protestos”, diz. “Em uma, usa gás, bala de borracha e a tropa de choque. Na outra, convoca os organizadores de forma preventiva e intimidadora”, comenta.
Arruda também lembra que, enquanto mostra rigor em relacionar os ativistas do MPL com os da estratégia black bloc, o Estado de São Paulo ignora as violências praticadas pelos seus policiais. “Até agora não se viu um sequer (integrante da PM) punido pelas agressões cometidas durante os protestos” aponta. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não se manifestou até a publicação da reportagem.