Seguiram em silêncio pela Estrada das Paineiras, para o local que ela escolhera. Era Paula Nestorov, bailarina. Lá no alto, com a vista do Rio aos pés, ele parou o carro. Era Edilson Martins, jornalista.
Do banco de trás, Paula tirou a gaiola. Dentro, seu companheiro de anos, um melro negro. Caminharam em direção às árvores mais próximas, ela se despediu da ave e abriu a portinhola.
O pássaro saiu, deu dois passos. Voltou para perto do casal. Afastou-se de novo, deu mais três passos. E depois outros. E depois ensaiou voar. E então voou curto, baixo, desajeitado. Voou além. Mais. Até que se foi da vista dos dois, para sempre. Para o seu destino.
E eles, algo mais libertos, voltaram para casa. Para a morada onde, dias antes, hospedaram o amigo Pedro.
Bispo emérito de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, o ilustre visitante fora, em 1971, a primeira personalidade pública a denunciar a existência de trabalho escravo no Brasil, em plena ditadura militar.Veterano defensor dos direitos humanos, especialmente o direito dos indígenas, com ele Edilson escrevera o intenso “Nós, do Araguaia”, em 79. A narrativa retratava a chegada do catalão Pedro ao Brasil e seu envolvimento nos conflitos de terra na região do Rio Araguaia, obra prefaciada por Frei Betto e Leonardo Boff.
Em sua atuação político-religiosa, Pedro sofreu sete processos de expulsão do Brasil e inúmeras ameaças de morte, a mais recente em 2013, aos 84 anos.
Mas, durante aquela visita à casa dos amigos, em certo momento ele questionou Paula sobre o animal encarcerado. A moça compreendeu a aflição do homem, mas ponderou:
– Acontece que ele nasceu em cativeiro. Como poderia sobreviver solto, na natureza?
E então se apresentou Dom Pedro Casaldáliga:
– Paula, uma vida inteira de prisão não vale um dia de liberdade.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.