Escravidão e Reprodução: A Mulher Preta e o Estupro

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Walter Passos – Bayah

É deveras incomodativo para os historiadores pretos que escrevem sobre a escravidão o assunto da reprodução, ao passo que enquanto estamos reconstruindo a nossa própria história nos deparamos com a indústria do estupro.

O homem preto foi utilizado como reprodutor, vitimando a mulher preta. Estupro forçado pelos senhores e senhoras brancos cristãos. Não somente escravizados foram usados para a reprodução, muitos senhores violentavam as escravizadas, entre eles, padres.

Os nossos ancestrais prisioneiros da mais violenta e genocida guerra da história mundial eram tratados como mercadorias em uma fabrica de bebês para aumentar a riqueza dos donos de escravizados.

A escravidão não havia a conceituação que temos hoje de estupro ou de violações, para o escravizador, os escravizados eram bens móveis sub-humanos, não possuíam direitos e eram considerados coisas, propriedades.

Há diversos relatos na historiografia de casamentos entre escravizados e também de separação de famílias, dependia dos interesses econômicos dos senhores. Possuir escravizados dóceis com laços familiares era interessante como chantagem emocional e controle para fugas e rebeliões. Encontrei comunidades oriundas de senzalas no estado da Bahia, formada exclusivamente por famílias há diversas gerações, quando fiz o primeiro mapeamento sistemático de quilombos baianos e publiquei o livro: Bahia: Terra de Quilombos em 1996.

Alguns fatores podem ser pontuados para a prática da reprodução, sendo bom ressaltar que uma mulher escravizada tinha o valor de dois homens escravizados, porque ela além de exercer os trabalhos nas plantações, minas, serviços de ganho nas cidades, o serviço doméstico, prostituição forçada por senhoras de boas famílias e freiras católicas, gerava mão de obra gratuita e lucro para o escravizador.

Muitos senhores alugavam os escravizados reprodutores e a quantia paga pelo locatário proporcionava um bom lucro:

– Escravizadas que após parirem tinha as suas tetas alugadas.

– Crianças comercializadas, os meninos sendo filhos de reprodutores representava uma boa linhagem.

– Futuros trabalhadores nas casas grandes e fazendas (crias da casa).

Alguns fatores contribuíram para a indústria da reprodução de escravizados:

º Receios de rebelião de escravizados recém-chegados da África;

º Impacto econômico causado por leis que restringiram ou eliminaram a importação de escravizados;

º A necessidade de mão de obra barata para acompanhar o crescimento da agricultura e

º Uma espécie de eugenia que escravizados bem dotados de saúde gerariam crianças saudáveis.

Características do Reprodutor:

O reprodutor, sempre um escravizado forte e de boa saúde era tratado diferentemente da escravaria. Não realizava trabalho pesado, era bem alimentado e dispunha de muitas horas para o descanso. Era o mais cobiçado e valioso.

Há na história afro-americana alguns depoimentos de ex-reprodutores que trazem relatos monstruosos e se consideravam “heróis” e não reconheceram o mal psicológico que fizeram a um numero incontável de mulheres e as crianças geradas do desamor.

Inclusive alguns pretos bobos gostam de afirmar que são descendentes de reprodutores (estupradores). A escravidão gerou pessoas que tiveram a dignidade vilipendiada. Necessário à autocrítica e repulsa aos atos senhoris dos brancos cristãos escravizadores.

Abaixo alguns trechos:

A Sinhá correu a senzala e apartou as escrava que tava no “vicio”, nas quadra da lua. Quando a quadra da lua tá certa, a “cria” é garantida. Era um rebanho de umas dez, no ponto pra tirar raça. Não era qualquer fazenda que tinha reprodutor nagô-mina, como eu. No rebanho tinha uma chamada Duca, do lombo bem feito, da anca lisa, de tetas que ia dar bom ubre, de umbigo bem curado, uns quarto que dava gosto. Andei no meio delas, negaceando, mas só via a Duca. Mas ela arrepiou, medrosa. Correu se esconder. Mas reprodutor é bicho paciencioso. Eu sabia que tinha um mês para repassar todas. De longe eu ouvia o choro dela, baixinho pra ninguém ouvir. Se a Sinhá ouvisse, o “bacalhau” comia no lombo. Fui chegando de mansinho, com fala macia, agradando. Eu era reprodutor que sabia tratar suas fêmea. O choro virou cochicho e, no fim da tarde, a Duca, negrinha de quinze pra dezesseis anos, já tava prenha. 

Fonte: aqui

“Os senhores de escravos da região de Biguaçu no século 19 pensavam que, se as escravas fossem engravidadas por escravos desobedientes, os filhos dessa união puxariam a índole do pai, isto é, tornar-se-iam desobedientes. Daí os senhores selecionarem os “machos” de suas escravas. Esses “garanhões” eram chamados de “baguás”.

Quem eram os “baguás”? Eram os “negros de classe”, como eram chamados na época os escravos obedientes e serviçais. Cada senhor tinha seu(s) escravo(s) preferido(s). Estes escoltavam os senhores em suas andanças. Muitas vezes eram tão fiéis ao patrão que denunciavam os companheiros que tramassem alguma coisa contra o senhor. Por isso, os “negros de classe” gozavam de regalias. Não faziam o trabalho duro da roça como os outros escravos. Muitas vezes, em retribuição, o senhor dava a permissão ao “negro de classe” virar “baguá”. Mas para ser “baguá” não bastava ser obediente. Era preciso também ser forte e robusto. Se o escravo fosse fiel e robusto, a promoção para “baguá” era rápida.

Segundo Jaime Coutinho, o ritual do “engravidamento” começava com o senhor mandando as escravas irem para o “mato”. Logo depois chamava o “baguá”. Dava o nome das escravas e ordenava: “Vá capinar com elas”. Entendido o recado, o “baguá” partia para a “missão”, embrenhando-se na mata atrás das escravas indicadas pelo senhor.

Não se sabe se as escravas resistiam ou cumpriam a “ordem” sem protestar. O fato é que, meses depois, os escravinhos nasciam. Conforme Coutinho, muitos dos filhos dos “baguás” eram vendidos para capitães de navios vindos da Argentina e Paraguai que paravam em São Miguel para abastecer-se de água, vinda de um aqueduto que avançava vários metros após a praia. As crianças eram trocadas por carne.

Fonte: aqui

Guaraciaba afirmou que deixou mais de 300 filhos: 100 para D. Pedro II e 200 para o Barão de Mauá, fora os que teve com as mulheres da fazenda de seu pai em Campos, ainda adolescente. “Ficou nessa vida de reprodutor deitando com duas, três, quatro mulheres por dia nas senzalas em que o Barão e o Imperador mandavam até os 38 anos, quando a Princesa Izabel aboliu a escravidão…

Fonte: aqui

João Guaraciaba – A História de um ex-escravo reprodutor de Magé

Para a mulher preta o estupro e a separação dos seus filhos se tornaram os maiores pesadelos da escravidão. Atos machistas de homens escravizados que perderam a respeitabilidade por suas irmãs de infortúnio. O estuprador sempre é estuprador.

Na minha concepção, a violação da mulher preta pelo homem branco ou pelo reprodutor preto foi uma violação que deve ser censurada, condenada e relembrada pela história.

Muitos dos ledores e ledoras desse artigo que não podem responder nesse exato momento, sem perguntar ou pesquisar os nomes dos tataravôs maternos e paternos, se questionam: será que eu sou descendente de um reprodutor?

Comments (6)

  1. Muito triste a nossa história, por isso encontramos negros desprovidos de afeto,queiram ou não, isso passa de gerações em gerações.Tudo para o negro se torna mais difícil,direitos não são obedecidos e qdo são e tudo tão lentamente. Injustiça, desonra fazem dos negros, sem dignidade quer tenham ou não. É preto? É porque é preto. É difícil ser preto. É cansativo ser preto. Para o branco tudo é mais fácil.

  2. Lamentável, doloroso, desumano,, e o que era! Muito triste,,sou descendente de afro tenho orgulho por isso,, mas acho terrível o que acontecia!!

  3. sou decendente de escravos meus avos contava muitoas istorias do tempo das cenzalas as moças eram obrigadas a faser sexo logo nas primeiras mestruaçao pra gerar filhos de preferencia homem e tinha o reprodutor que pegava as moças virgens e ja ingravidava elas as que recusace a se entregar pra ele eram chicoteadas e o reprodutor pegava na marra

  4. Hábitos e costumes fazem parte da Sociedade de geração em geração. Exemplo, temos o habito milenar de sexo conjugal. A mulher engravida e sofre terrivelmente por 9 meses. E se isso não bastasse , o parto é uma dor indescritível. No entanto essa tragédia feminina (gravidez) é normal. Amanhã poderá dar-se o caso que a ciência se evolua de tal modo que o bebê de proveta criado em laboratório, poderá não mais ir para um ventre materno mas continuar seu desenvolvimento embrionário em Laboratório específicos, Isto não é impossível à Ciência. E então a geração de tal evolução terá nojo e revolta destas gerações sexo-procriação. É o caso da escravidão, era normal. Um dia mudou.

  5. Um “passado” cruel! Estupros, jogo de interesses…Mas achei bastante contraditórias suas colocações “pretos bobos gostam de afirmar que são descendentes de reprodutores” e “uma violação que deve ser … e relembrada pela história”. Cresci com meu pai dizendo que eu sou tataraneta de escravo reprodutor. Falo sempre que eu posso! Faço a história ser relembrada quando afirmo tal fato, sem deixar passar o lado obscuro disso. Ora, sou uma testemunha descendente. Isso é ruim?

  6. História tristes. Feridas abertas que precisam ser tratadas, pois acredito que, ainda hoje, o modo como o brasileiro trata as mulheres negras advém das mazelas deste passado doloroso e envolto de vergonha.

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