Quilombolas, indígenas e camponeses retomam um símbolo da “Boa Sorte”

Indígenas, quilombolas, estudantes e camponeses fincam uma placa no topo do morro São Sebastião. Fotos: Arcelei Lopes Bambil
Indígenas, quilombolas, estudantes e camponeses fincam uma placa
no topo do morro São Sebastião. Fotos: Arcelei Lopes Bambil

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Num ato simbólico os povos da terra deram o primeiro passo para a recuperação e retomada geográfica e política do símbolo cultural da comunidade negra sul-mato-grossense de Furnas da Boa Sorte: o morro São Sebastião. Foi durante o Encontro Quilombola realizado em 14 e 15 de junho pelo Tribunal Popular da Terra na referida comunidade, situada dentro do município de Corguinho.  O tema que reuniu indígenas, camponeses e quilombolas foi “unidade, dignidade e resistência dos povos da terra”.

O morro São Sebastião foi ocupado, ilegalmente, pelo Projeto Portal, um grupo ligado a uma excêntrica organização de tipo imobiliário/religiosa que acredita em supostos extraterrestres que desceram do céu para morar nos buracos montanhosos da região. Com esse perfil vai se apoderando de terras e enganando incautos de vários cantos do Brasil e do exterior como se tivessem encontrado entre essas rochas e basaltos sua “terra do nunca”. E uma das áreas que usurparam pela força foi o morro São Sebastião, monumento cultural da comunidade Furnas da Boa Sorte.

No topo do morro, sem autorização da comunidade e o silencio dos órgãos do governo do estado e das autoridades municipais de Corguinho o arranjo extravagante dos E.Ts conseguiram levantar antenas e colocar placas solares, além de amontoar as baterias ácidas que foram descartadas após do uso. Ainda a permanente incursão não autorizada, pela comunidade, nas terras dos remanescentes negros, para fins alheios aos interesses comunitários e que causam agressão cultural, territorial e ambiental em forma descarada, autoritária e permanente.

Assim vão deixando crescer a poluição tóxica entre o verde, as nuvens e o céu, que formam juntas as paisagens e a carta de apresentações inequívocas nas Furnas da Boa Sorte.    Outra cúspide rochosa, situada em sentido oposto e oblíquo ao São Sebastião, é ocupada como conjunto habitacional pelo Projeto Portal; e, o morro São Sebastião é usado como base de operações de seu sistema de comunicação e enganação. Beneficio nenhum recebe a comunidade a troca. Muito pelo contrário. O aliciamento de alguns membros da comunidade para prestar serviço na “cidade” que vive ao ritmo dos ditados dos “extraterrestres” causa confusão e divisão entre os moradores das Furnas da Boa Sorte. Muitos problemas na área da educação, saúde, transporte, estrada, e de gestão para a produção de subsistência e renda enfrentam as famílias. Suas possibilidades de superar obstáculos com autonomia e autogestão da terra que lhes pertence vêm-se diminuídas pelos interesses dominantes da seta/empresa, de latifundiários e fazendeiros que atravessam a vida e os pequenos projetos e sonhos da população quilombola. Aliás, o morro além de apossada, pelo Projeto Portal, vêm sendo contaminada com as baterias velhas amontoadas no topo e outros tipos de entulhos.

A cima do cerro, então, recebe, também, o lixo tóxico de seus vizinhos delirantes. Além desse entrave, os fazendeiros ainda ocupam metade do território quilombola por conta de litígios judiciais em aberto e pendências de titulação das terras. Novas áreas a serem demarcadas a favor da comunidade estão igualmente em debate. Diante dessa realidade o território dos remanescentes de escravos negros da Boa Sorte, ao invés de ser garantida como a lei e os direitos ancestrais as exigem, vai diminuindo a raiz da pressão exercida sobre eles pelos grupos econômicos de inspirações truculentas.

Baterias tóxicas
Baterias tóxicas

Escalação solidária

Do encontro do Tribunal Popular da Terra, participaram 300 pessoas entre quilombolas, indígenas, camponeses, estudantes, integrantes de movimentos sociais e organizações populares. Um grupo de representantes de cada um desses setores partiu na madrugada do dia 15 em direção ao topo do morro para constatar as denuncias e simbolizar que o São Sebastião é território legítimo da comunidade negra. E também como forma de reação a uma situação que incomoda à maioria das famílias e que já não mais tolerarão o uso abusivo de seu patrimônio.

Após retorno dos que participaram dessa ação solidária e militante foram feitos emotivos depoimentos, acompanhadas de mais testemunhas de denuncias por parte dos habitantes da comunidade, cuja presença nessas regiões já leva 145 anos.

Os quilombolas, indígenas, camponeses e todos os membros das organizações presentes no encontro do Tribunal Popular da Terra, exigiram o fim da ocupação do morro. Além, a reintegração das terras ocupadas pelos fazendeiros, da necessidade de novas demarcações exigidas pela comunidade e do respeito à cultura do povo negro de Boa Sorte e de todas as comunidades negra e quilombola do estado de Mato Grosso do Sul.depoimentos, acompanhadas de mais testemunhas de denuncias por parte dos habitantes da comunidade, cuja presença nessas regiões já leva 145 anos.

Os encontros de formação política, social e organizacional do TPT, primeiro nas Furnas do Dionísio, e agora nas Furnas da Boa Sorte, se constituem como marco importante de fortalecimento da solidariedade dos movimentos sociais com o povo quilombola no estado e do avanço do processo de unidade dos povos do campo em luta por dignidade, autonomia, terra, território e liberdade.

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