Por João Angelo Fantini , em Com Ciência
Conceitos como “cordialidade brasileira” e “democracia racial” estão sendo postos à prova no momento em que há um reconhecimento inédito, por parte do Estado brasileiro, notadamente depois de 1992, da importância de políticas públicas que tentam reduzir a desigualdade social. Por outro lado, o reconhecimento e enfrentamento de uma divisão racial interna explicitou uma das facetas atribuídas à identidade brasileira, qual seja, a manutenção de uma ambiguidade (Ferreira, 2000), do estigma como impulso de reversão (Munanga, 2004) e do cinismo em relação à lei (Safatle, 2008), que se estende às relações raciais em sua economia de transformação entre a esfera pública e a esfera privada, onde, por exemplo, uma empregada doméstica é retratada afetivamente como “parte da família”, mas não senta com essa mesma família à mesa para jantar.
O caso brasileiro se torna mais relevante se atentamos para o cenário dos anos 2000-2010, com a chegada da “nova classe trabalhadora”, segundo Jessé de Souza (2010), às universidades e ao mercado mais amplo de consumo. Esse fenômeno parece ter dado ensejo a um novo tipo de intolerância em relação às diferenças étnicas e sociais, eventualmente ligado a uma nova gramática de opressão e violência (Guimarães, 2012). Entender a natureza da complexidade envolvida, quando se trata de questões relativas à intolerância, tem levado muitos pesquisadores a pensar que deveríamos ir além das circunstâncias econômicas, políticas e sociais que justificam as paixões das nações, grupos étnicos e religiosos, classes sociais e indivíduos. É preciso abarcar a especificidade de cada conflito, inclusive as fantasias que cada grupo provoca no outro com os quais tem contato e disputa espaços políticos, ampliando o debate acerca do tema para um patamar que ultrapasse os posicionamentos dualistas de avaliação das práticas em andamento e outras ações possíveis na redução dos problemas.
Uma das formas de implementação das denominadas “políticas de igualdade” no Brasil, nos últimos anos, tem sido por meio de políticas denominadas “ações afirmativas”, medidas positivas tomadas para aumentar a representação das minorias nas áreas do emprego e da educação (Vieira, 2005). Como essas ações envolvem seleção preferencial com base em raça, gênero ou etnia, a ação afirmativa pode, no entanto, gerar intensa polêmica. Isso deveria implicar, nos parece, que se ampliasse o conhecimento das populações envolvidas para além das pesquisas que se assemelham a levantamentos de opinião, favoráveis ou não a essas ações. Parece vital que tais ações sejam pensadas no escopo de estudos qualitativos que orientem de forma mais abrangente, incluindo a experiência de outros países, com as possíveis medidas educacionais ou preventivas que as transformem em uma política efetiva de oportunidades.
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