Elaíze Farias – Amazônia Real
O Tribunal Regional Eleitoral da 1ª. Região, em Brasília, bloqueou os bens das dez pessoas acusadas por crimes de exploração sexual contra meninas indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira do Amazonas com a Colômbia. Entre os acusados, três são comerciantes que estão presos em Manaus.
A decisão liminar atendeu pedido do Ministério Público Federal do Amazonas.O pedido do bloqueio dos bens faz parte de uma ação civil pública do MPF que pede dos dez acusados uma indenização de R$ 500 mil por dano moral coletivo aos povos indígenas de São Gabriel da Cachoeira A ação tramita na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob segredo de justiça.
A indenização, caso seja acatada pela Justiça Federal, será revertida para a adoção de políticas públicas destinadas à prevenção quanto à exploração sexual de meninas indígenas.
A ação do MPF foi ingressada no dia 12 de março na Justiça Federal, que não acatou o pedido liminar do MPF. Este então recorreu ao TRF1. Na ação, o procurador da República Julio José Araujo Junior diz que o bloqueio se justifica “pela possibilidade premente de que os réus se desfaçam de seus respectivos patrimônios antes do julgamento da ação, seja através de transferência de bens ou ocultação de valores, daí o perigo da demora”.
O procurador diz também que “o simples conhecimento do feito, em decorrência de eventual citação nos autos, dará aos requeridos tempo suficiente para dilapidar seus bens, esgotando, assim o objeto da demanda”. Ele argumenta que o bloqueio de bens e valores “revela-se medida adequada na espécie, pois tem como fim assegurar o objeto de eventual execução, ou seja, visa garantir a plena eficácia da determinação judicial definitiva”.
A ação civil pública relata a existência de um esquema de exploração sexual de adolescentes em São Gabriel da Cachoeira. Com base nos depoimentos colhidos no município e dos relatos apresentados pelas meninas ouvidas, o MPF identificou o perfil das vítimas: adolescentes indígenas, de preferência ainda sem terem tido relações sexuais anteriores, pobres e em situação de vulnerabilidade social.
Na ação, o MPF diz que a exploração de indígenas pertencentes aos povos tukano, wanano, dessano e baré causou reflexos negativos sobre toda a população indígena de São Gabriel da Cachoeira, provocando violação dos direitos fundamentais que podem ser presumidos em razão da vulnerabilidade social a que as comunidades estão expostas.
Os dez réus foram presos durante a Operação Cunhantã, da Polícia Federal do Amazonas, em 22 de maio de 2013. Entre eles estão oito homens: comerciantes, ex-vereador, servidores públicos, um professor e militares do Exército brasileiro. Dois acusados são mulheres.
Os homens são acusados de manter relações sexuais com meninas indígenas virgens, com idades entre 9 anos e 14 anos, em troca de dinheiro, presentes, alimentos e bombons. Segundo a investigação, os acusados são pessoas com poder econômico que se aproveitaram da situação de pobreza das meninas.
Dos dez acusados, três permanecem presos em cadeias de Manaus em regime fechado. Um quarto está em prisão domiciliar.
No último dia 03 de junho os ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitaram os embargos declaratórios ingressados pela defesa dos três homens presos, para que eles respondessem em liberdade. Os ministros Regina Helena Costa, Laurita Vaz e Marco Aurélio Bellizze votaram com o relator, Moura Ribeiro.
Os réus da Operação Cunhatã (que significa menina na língua tupi) foram denunciados pelos crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável, rufianismo (tirar proveito da prostituição alheia) e coação no curso do processo.
A reportagem não conseguiu contato com o advogado dos acusados que continuam presos, Mário Aufiero.
Por outro lado, o STJ decidiu no dia 22 de abriu transferir da Justiça Federal para uma Comarca da Justiça do Amazonas a competência para processar e julgar os dez réus. Assim, o caso volta para ser analisado e julgado pela justiça de São Gabriel da Cachoeira.
A Procuradoria Geral da República, em Brasília, ingressou com o recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF) para manter na Justiça Federal do Amazonas a competência de julgar os dez réus da Operação Cunhantã acusados de explorar sexualmente meninas indígena do município de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira do Estado com a Colômbia.
Em entrevista à agência Amazônia Real, o subprocurador-geral da República Oswaldo José Barbosa Silva disse que o STJ entende que a Justiça Federal só julga quando o crime é contra a coletividade indígena, afetando seus costumes e hábitos. Mas o entendimento da Procuradora da República é diferente.
“Nós recorremos porque entendemos que a competência é Federal no sentido de que o crime afetou a estrutura da cultura e a coletividade da etnia. Qual é a diferença das posições do STJ e da PGR? A questão indígena é nacional e não estadual, tanto que o órgão responsável pela política indigenista é a Funai, um órgão federal. A população não indígena, que detém as estruturas do poder na região, tem um certo preconceito com os índios em geral. A Justiça Federal é mais competente porque não está envolvida nas questões regionais ou estaduais”, afirmou Oswaldo José.
A reportagem procurou os advogados dos acusados para comentar a decisão da Justiça. O advogado Felipe Jucá, que defende dois acusados, um professor e um servidor público, respondeu a solicitação de entrevista. Ele disse que vai recorrer da decisão pedindo o desbloqueio dos bens. “Meus clientes são pessoas simples e não ostentam grande patrimônio. Inclusive, um deles está com a conta-salário bloqueada com pouco mais de um mil reais, que é sua renda mensal como professor de área indígena”, disse.
Felipe Jucá classificou a decisão do TRF da 1a. Região de “absurda”. “Se o judiciário bloquear, que seja sob o fundamento de dilapidação do patrimônio, o que não é o caso, porque nem todos os dez requeridos da ação civil pública possuem bens ou contas vultuosas. A decisão deve ser individualizada, motivada e fundamentada. Meus clientes estão prejudicados por causa dos réus que possuem várias casas, terrenos, carros importados, lojas etc”, afirmou o advogado.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.