Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Na semana passada comemoramos decisão do Desembargador Valter de Oliveira, deferindo pedido de liminar impetrado pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União em Rondônia em favor de Simeão, Gilson, Gilvan, Valdinar e Domiceno, os cinco Tenharim do Sul do Amazonas, presos em Porto Velho. No seu Despacho, o Desembargador Relator contrariava decisão do Juiz de Direito da Vara de Execuções e Contravenções Penais da capital de Rondônia, determinando a remoção dos acusados para Manaus.
O motivo do pedido e da decisão era ao mesmo tempo objetivo e humano: a Terra Indígena onde os cinco vivem está a não muitas horas de Porto Velho, o que faz com que possam ser visitados com relativa facilidade por familiares e parentes. Isso não aconteceria, entretanto, caso eles fossem enviados para a capital do Amazonas, extremamente distante e acessível por avião, o que inviabilizaria contatos e determinaria um quase total isolamento para eles. E para os indígenas, criados e culturalmente ligados a vidas num coletivo, isso leva a estado de total desolação, como foi muito bem descrito no laudo antropológico do MPF, mencionado no Relatório do Desembargador.
Há também um outro motivo, não mencionado na solicitação ou na decisão, que diz respeito à própria segurança dos cinco indígenas. A partir do dia 25 de dezembro, quando imóveis, barcos e veículos federais foram queimados em Humaitá, uma verdadeira campanha de ódio se estabeleceu nessa cidade e nas vizinhas Apuí e Manicoré, a ponto de levar o Ministério Público Federal no Amazonas a solicitar à Justiça garantias para todos os povos indígenas da região e sanções contra publicações claramente racistas que estavam veiculadas de diferentes formas.
Nos meses subsequentes poderia parecer a alguns que essa situação havia acalmado, limitando-se a questão a uma batalha jurídica entre a Defensoria Pública da União no Amazonas e instâncias do judiciário, em Manaus e em Brasília, na busca por Habeas Corpus que garantisse tratamento diferenciado aos cinco indígenas, incluindo a manutenção do caso na esfera federal, como deveria ser seu direito. Paralelamente, os prisioneiros eram transferidos da perigosa prisão de Médio Porte de Pandinha (ver considerações a respeito, acatadas no Despacho) para um Centro de Reabilitação que lhes garantiria condições mais dignas. Mas em meados de abril voltariam à primeira, atendendo a decisões de juízes da Vara acima citada e sempre aguardando a remoção para o Amazonas, continuamente lembrada a cada documento enviado.
Em Manaus, a decisão do juiz federal Umberto Paulini, da 2ª Vara Criminal do Amazonas, abrindo mão da competência federal para analisar a denúncia e julgar os indígenas e entregando-os à justiça estadual, foi recebida, no dia 15 de maio, de forma que deixou mais que clara a inconveniência da medida. Paradigmática (e segundo alguns até questionável do ponto de vista legal) foi a reação de um advogado local, em entrevista à agência Amazônia Real. Cito:
“O advogado das famílias dos três homens mortos, Carlos Evaldo Terrinha, disse à agência Amazônia Real que a decisão do juiz Umberto Paulini foi ‘um prêmio na loteria’. ‘Todo o inquérito foi realizado em Humaitá, então o julgamento vai ser lá. Assim as famílias vão pressionar todo o corpo de jurados e o juiz. Quero que realmente seja lá e que os índios peguem cem anos de prisão’, disse Terrinha”.
A decisão (na íntegra, abaixo) do Desembargador Valter de Oliveira foi recebida com satisfação e alívio, no dia 3 de junho. Ela era e é de vários modos positiva, inclusive na forma como reconhece os direitos dos indígenas e os equívocos que em relação a eles vêm sendo cometidos.
Mas na última sexta-feira, dia 6, após a publicação no Diário da Justiça Estadual, o/a responsável pela Vara de Execuções e Contravenções Penais de Porto Velho mostrou que em nada havia ficado sensibilizado com o despacho do Relator. Enviou um Pedido de Reconsideração, deixando claro seu desejo de, contra todos os argumentos jurídicos e científicos (para não mencionar os humanos), ‘despachar’ para o Amazonas Simeão, Gilson, Gilvan, Valdinar e Domiceno Tenharin.
A luta não está encerrada, entretanto.
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Leia, por favor: Rebeca Campos Ferreira, do MPF RO: Narrativa dos indígenas Tenharim aos parentes, autoridades e sociedade brasileira.
E, abaixo, íntegra do Despacho do Relator, Desembargador Valter de Oliveira: