A obra de transposição do rio São Francisco, que a União promete entregar até 2015, deve permitir que a água do rio atravesse centenas de quilômetros, levando-a a reservatórios no sertão nordestino.
Maurício Moraes, BBC Brasil
Segundo o governo, o objetivo maior da transposição é a perenidade do abastecimento mesmo durante a seca. Os canais em construção pela União devem ter 13 grandes “portais”, que serão os pontos por onde a água será transferida para 23 açudes já existentes, além de 27 novas represas.
O grande desafio, no entanto, é o que vem a seguir – a distribuição da água recebida pelos estados beneficiados, que terão a tarefa de fazer essa água chegar às torneiras dos cidadãos.
A definição e a regulamentação das regras e detalhes dessa redistribuição ainda estão em debate no Comitê Gestor da transposição, que se pauta pelo Relatório de Impacto Ambiental da Obra, o Rima.
Para o pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, ai pode morar o problema.
“O governo federal vai chegar para os governadores do nordeste e vai colocar a seguinte questão: a nossa parte foi feita. A água do São Francisco abasteceu as principais represas do nordeste e a partir dai cabe a cada um dos senhores resolver os problemas das populações. Será que isso vai ser possível?”, questiona.
O governo nega que haja desarticulação.
“Todo esse processo vai estar sendo feito em conjunto com o Comitê Gestor, que tem participação de vários orgãos e mecanismos de controle”, diz Elianeiva Odísio, Coordenadora Geral de Programas Ambientais do Ministério da Integração Nacional.
O conselho é integrado pelo Ministério da Integração, os estados, os comitês de bacia hidrográfica do São Francisco e das bacias receptoras, e a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Franscisco e do Parnaíba), operadora oficial do sistema de gestão da transposição.
Se na “ponta” da obra a distribuição da água cabe aos estados, ao longo do canal cabe ao governo federal abastecer comunidades que vivem em um raio de 5 km da transposição, por meio de “miniportais”.
E o caso de Francisco “Panda” Santos. Os canais rasgam uma parte de sua propriedade de 20 hectares em Jati (CE). E ele já faz planos para o depois da transposição.
“Eu vou instalar logo (a água), para fazer plantio. Vou instalar de imediato. Porque aqui os terrenos são apropriados para plantar tomate, para plantar cebola para plantar pimentão, essa coisas que dão dinheiro”, diz.
Mas não será assim tão simples. O governo federal diz que vai garantir água apenas para o consumo humano e animal.
“A água para irrigação seria a fonte hídrica que elas hoje dispõem e que teriam de guardar para que nos anos com seca tivessem uma reserva”, explica Elianeiva Odísio, do Ministério da Integração.
“E elas terão a segurança de que a partir de agora terão sempre aquela água”, diz.
Pelos planos do governo, a água do São Franscisco vai chegar à torneira de Panda, mas a água para o plantio ele terá de retirar de um açude próximo. Para isso, ele terá de pedir a outorga para uso na Agência Nacional de Águas.
Indústria da seca
Apesar do governo insistir que haverá isonomia na distribuição da água, críticos do projeto dizem que a água pode beneficiar a uns mais que outros, lembrando o velho fantasma da indústria da seca que historicamente assombrou o semiárido.
“O agricultor familiar não esta em pé de igualdade com o grande proprietário para disputar o uso dessa água”, diz Gustavo Ramos, pesquisador da Universidade Federal do Cariri, em Crato (CE), fazendo referência à dificuldade dos pequenos agricultores em vencer a burocracia.
“A grande obra de combate a seca traz um benefício para dois setores muito bem localizados: o setor da construção civil e o do agronegócio”, argumenta.
Ele cita como exemplo as fazendas de produção de frutas para exportação, que hoje contribuem com parte importante do PIB de estados como o Rio Grande do Norte.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.