Copa do Mundo no Brasil trouxe inovações legislativas com benefícios fiscais, de registros, comerciais e civis, tendo como beneficiária a FIFA, suas subsidiárias e parceiras comerciais
Por Alan Mansur*, em Ebeji
A Copa do Mundo no Brasil trouxe inovações legislativas com benefícios fiscais, de registros, comerciais e civis, tendo como beneficiária a FIFA, suas subsidiárias e parceiras comerciais.
Desde 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar os eventos da FIFA (Copa das Confederações – 2013 e Copa do Mundo – 2014) o Brasil começou a tomar providências para alterar as leis para favorecer a realização do evento no Brasil.
Em 2010, depois de debates no Congresso Nacional, foi editada a Lei 12.350/2010, que trouxe benefícios fiscais e tributários. Já em 2012, a Lei nº 12.663/2012, conhecida como “Lei Geral da Copa”, trouxe artigos para a proteção da marca, vantagens comerciais, civis e até tipos penais específicos para garantir as vantagens comerciais da FIFA.
Todos estes benefícios legais já foram aplicados na Copa das Confederações, em 2013, espécie de evento preparatório para a Copa do Mundo. Assim, são estes os principais benefícios legais que a FIFA terá nesta Copa do Mundo:
1) Benefícios ficais e tributários da Copa do Mundo de 2014: As isenções estimadas pela Receita Federal são de R$ 560 milhões a R$ 1 bilhão. Os benefícios estão previstos na Lei nº 12.350/2012, e consistem em isenções no pagamento de IR (imposto de renda), IOF (imposto sobre operações financeiras), IPI (imposto sobre produto industrializado), II (imposto de importação), PIS/Pasep importação, contribuições sociais, CIDE (contribuição de intervenção no domínio econômico).
Estas vantagens tributárias são para a FIFA, suas subsidiárias, associações de futebol estrangeiras membros da FIFA (como as associações e confederações de futebol argentinas, alemãs, francesas, japonesas, espanhola), emissora e prestadoras de serviços da FIFA.
A Lei 12.350/2012 tem sua constitucionalidade no STF questionada pela Procuradoria Geral da República através da ADIN 5030, assinada pelo Procurador-Geral Roberto Gurgel em agosto de 2013, que postulou inconstitucionalidade por violação ao princípio da igualdade, da discriminação em desfavor de nacionais sem critério constitucional legítimo. Porém, neste mês de agosto de 2014, o atual Procurador-Geral Rodrigo Janot entendeu que os artigos são constitucionais, dentro de uma possibilidade de escolha política, visto que “as garantias e condições aceitas pelo Brasil foram igualmente aceitas pelos demais países concorrentes e fizeram parte do conjunto de parâmetros avaliados politicamente pelo Executivo para inserir o país na disputa.” O STF, através de seu relator Min. Dias Toffoli, reservou-se para apreciar a questão de forma colegiada no Plenário do Supremo, o que ainda não ocorreu. Por enquanto, todas as isenções tributárias continuam valendo.
2) Pessoas físicas e jurídicas estrangeiras que receberem os lucros pagos pela FIFA não pagarão tributos: A própria Lei nº 12.350/2012 prevê que também estão isentos de pagamento de imposto de renda para os rendimentos pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos pela Fifa, pelas demais pessoas jurídicas ou por Subsidiária Fifa no Brasil, para pessoas físicas, não residentes no País, empregadas ou de outra forma contratadas para trabalhar de forma pessoal e direta na organização ou realização dos Eventos.
Estas isenções também são aplicáveis aos árbitros, jogadores de futebol e outros membros das delegações, exclusivamente no que concerne ao pagamento de prêmios relacionados aos eventos, efetuado pelas pessoas jurídicas.
Vale lembrar que estas isenções fiscais somente são garantidas às pessoas que ingressarem no país com visto temporário. Por este motivo, consta na ADI 5030 ajuizada pela PGR que “a intenção do legislador é privilegiar o contribuinte estrangeiro relacionado ou indicado pela organizadora e associadas, em detrimento do nacional em idêntica condição”. Todas os brasileiros, por exemplo, que receberão lucros derivados do evento terão que pagar corretamente todos os impostos e taxas para o fisco. Para os brasileiros e para os estrangeiros residentes no Brasil não há qualquer benefício tributário. Afinal, alguém tem que pagar por tudo isso.
3) Proteção Especial aos Direitos de Propriedade Industrial da FIFA: O fuleco (mascote), a brazuca (bola), os emblemas da FIFA e demais símbolos têm garantia especial de propriedade. A FIFA terá a garantia de reserva de propriedade, registrando no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) todas as marcas que pretenda, tendo validade até o dia 31/12/2014. A FIFA [contará com] uma grande vantagem adicional:o INPI não requererá à FIFA a comprovação da condição de alto renome de suas marcas ou da caracterização de suas marcas como notoriamente conhecidas. Assim, a FIFA registrou recentemente, e com grande divulgação nos meios de comunicação, os termos “pagode” e “Brasil 2014”. Assim, até o final do ano, os termos“pagode” e “Brasil 2014” estão devidamente registrados em favor da FIFA, que poderá acionar judicialmente qualquer marca ou empresa que utilize estes termos.
4) Áreas de Restrição Comercial e Vias de Acesso: A FIFA terá total exclusividade comercial nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso para divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua. Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão solicitados pela FIFA às autoridades brasileiras, até o limite de 2 km ao redor dos Locais de Competição. Ou seja, nestes casos haverá uma limitação a atividade comercial brasileira em benefícios de marcas, produtos e serviços oferecidos pela FIFA. Tal medida trouxe uma limitação comercial em próprio território, em benefício de entidade internacional.
A Lei observa, porém, que não haverá prejuízo às atividades dos estabelecimentos antigos, que já estiverem em regular em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos. Ou seja, o estabelecimento não poderá aproveitar a proximidade ao Estádio para fazer qualquer alusão a Copa ou a sua localização estratégica, por exemplo.
5) Garantia expressa de responsabilidade civil em benefício à FIFA: Terão que indenizar civilmente a FIFA aqueles que realizarem atividades de publicidade, inclusive oferta de provas de comida ou bebida, distribuição de produtos de marca, panfletos ou outros materiais promocionais ou ainda atividades similares de cunho publicitário nos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso e em lugares que sejam claramente visíveis, publicidade ostensiva em veículos automotores, estacionados ou circulando pelos Locais Oficiais de Competição, publicidade aérea ou náutica. Neste caso, a FIFA se utiliza de norma civil própria, em detrimento do Còdigo Civil, que é norma geral para todos os brasileiros, tendo o Código Civil aplicação apenas subsidiária.
6) O Brasil está responsável por qualquer incidente de segurança relacionado à Copa, pagando eventuais indenizações à FIFA: A Lei nº 12.633/2012 prevê que caberá à União assumir os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos.
O Procurador-Geral da República chegou a ajuizar ADIN 4976 contra a norma, indicando que, neste ponto, a lei violou previsão constitucional (artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal) sobre a responsabilidade da Administração Pública:
“Contrariamente ao dispositivo constitucional, o artigo 23 da Lei Geral da Copa adota a Teoria do Risco Integral, pois impõe à União a assunção da responsabilidade por danos que não foram causados por seus agentes. O dispositivo impugnado prevê a dispensa da comprovação da falha administrativa, de forma a responsabilizar o ente público inclusive pelos prejuízos decorrentes de atos de terceiros e de fatos da natureza”.
No caso, o relator, Min. Ricardo Lewandowski, entendeu que o artigo 23 da Lei Geral da Copa não ofende o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que, a seu ver, não esgotaria a matéria relacionada à responsabilidade civil da Administração Pública. Indica, assim, que o artigo 21, inciso XXIII, alínea “d”, da Constituição prevê a responsabilização da União por danos nucleares, independentemente da existência de culpa. Lewandowski destacou que, para alguns doutrinadores, seria aplicável no caso de danos nucleares a teoria do risco integral, na qual se exclui a demonstração do nexo causal entre o dano e a ação do Estado. Tal voto foi seguido pela maioria dos Ministros do STF.
Assim, a União é a garantidora dos lucros da FIFA em caso de manifestações, casos fortuitos ou atos violentos que causem prejuízo a um ou mais eventos da Copa do Mundo. Neste caso, a União teria que pagar como valor da indenização todos os danos sofridos pela FIFA, suas subsidiárias e parceiras, incluindo os lucros cessantes.
7) Crimes específicos para quem atentar contra bens e direitos da FIFA: Os artigos 30 a 33 da Lei Geral da Copa trazem tipos penais específicos direcionados àqueles que atentem contra bens e direitos comerciais da FIFA. Dentre as punições criminais, estão a de reproduzir, imitar, falsificar ou modificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA; divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA; expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária. Para tais atos se aplica a pena de 3 meses a 1 ano de detenção ou multa. Para a conduta de expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária, a pena de 1 mês a 3 meses de detenção ou multa.
Em todas estas hipóteses, somente se procede mediante representação da FIFA. Ademais, trata-se de crimes temporários, que só podem ocorrer até o dia 31/12/2014, data limite que a FIFA gozará dos benefícios comerciais e civis no país referentes a estas marcas e utilização do espaço etc.
8) FIFA não pagará qualquer custa processual: De acordo com o art. 53 da Lei Geral da Copa, a FIFA, suas subsidiárias, seus representantes legais, consultores e empregados são isentos do adiantamento de custas, emolumentos, caução, honorários periciais e quaisquer outras despesas devidas aos órgãos da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, em qualquer instância, e aos tribunais superiores, assim como não serão condenados em custas e despesas processuais, salvo comprovada má-fé. O presente artigo também já foi declarado constitucional pelo STF, que entendeu que no caso, “a isenção prevista pela Lei Geral da Copa não se destina a beneficiário individual, mas trata-se de uma política de Estado soberano para garantir a realização de eventos de interesse de toda a sociedade”.
9) Flexibilização das regras de serviço voluntário no Brasil: Pela Lei nº 9.608/98, só é possível o serviço voluntário no Brasil para entidade pública de qualquer natureza, ou para instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social. Como a FIFA não se enquadra na condição de entidade pública e poderia haver uma discussão acerca de que não teria “fins lucrativos” e que se trata de entidade recreativa, a Lei Geral da Copa evitou qualquer discussão civil ou trabalhista e permitiu expressamente o serviço voluntário.
A Lei prevê que o serviço voluntário que vier a ser prestado por pessoa física para auxiliar a FIFA na organização e realização dos Eventos constituirá atividade não remunerada e não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim para a FIFA.
10) Serviços de segurança, saúde e imigração gratuitos à FIFA: A União disponibilizará para a realização dos eventos, sem qualquer custo para a FIFA, os serviços de sua competência relacionados, entre outros, à segurança; saúde e serviços médicos; vigilância sanitária; alfândega e imigração.
Neste sentido, o art. 55 da Lei Geral da Copa trouxe garantias adicionais que facilitarão a organização dos eventos e, certamente, reduzirão bastante os custos para a realização da Copa do Mundo.
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*Alan Rogério Mansur Silva é Procurador da República no Pará.