Rogério Daflon e Camila Nobrega
Do Canal Ibase
Após forte pressão de movimentos sociais, em apoio a pequenos agricultores do município de Cachoeiras de Macacu, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) suspendeu temporariamente o processo de requerimento de Licença ambiental Prévia para instalação da Barragem de Guapiaçu. Em um ofício que foi entregue a representantes dos agricultores, o órgão afirma que “foi arquivado temporariamente e sua análise foi suspensa até que sejam apresentados novos estudos e atendidas exigências complementares”. O documento só foi obtido após uma manifestação que reuniu cerca de 200 pequenos produtores de Cachoeiras de Macacu, na porta do Inea, no Centro do Rio, na última terça-feira (27/5). A barragem pode atingir uma cadeia produtiva de quinze mil trabalhadores, que gera anualmente 100 milhões de reais e produz 40 por cento dos hortigranjeiros comercializados nas Centrais de Abastecimento do Rio (CEASA -RJ).
Durante o protesto, uma comissão foi recebida pelo subsecretário da Secretaria Estadual do Ambiente, Antônio da Hora. Integrantes do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) apresentaram documentos constando uma série de irregularidades no processo de licenciamento ambiental relativo à barragem do rio Guapiaçu. Entre as irregularidades, está o duplo papel exercido pela própria Secretaria de Meio Ambiente: ao mesmo tempo é proponente e avaliadora do licenciamento ambiental.
Segundo a geógrafa Daiane Paludo, da Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB), que esteve presente na reunião no Inea, trata-se de uma primeira vitória da mobilização popular que exige a permanência dos agricultores no território. No entanto, ela ressaltou que, devido à postura da SEA no território, levando mais insegurança à população do que informação, a vitória deve ser comemorada com cautela.
– Vamos festejar essa suspensão, mas também fortalecer a luta, porque a batalha ainda é longa.
A agricultora Maria Cleonilde de Souza soube dos planos de construção de uma barragem que inundaria a área onde hoje fica o sítio da família, quando técnicos apareceram na propriedade para medir a casa e a área. Mas ninguém explicou de que se tratava.
– Eu vivo em Cachoeiras há 45 anos, criei meus filhos e meus netos. Nós não temos estudo, o que sabemos é cuidar da terra, e bem. Planto milho, aipim, batata, ali tudo dá. Sei que temos que compartilhar a água, mas não é possível removerem a gente assim, sem nem chance para argumentar, para entender. A terra ali é boa demais. Vale alagar e expulsar todo mundo? – disse Maria, embaixo de um cartaz que dizia “Se Cachoeiras não planta, o Rio não janta.”
Barragem depende da remoção de mais de três mil agricultores
Levando-se em conta as bacias hidrográficas, a disputada riqueza hídrica da região se localiza na parte leste da Baía de Guanabara e na baixada de Cachoeiras. Dali, no encontro dos rios Macacu com Guapiaçu, a estação de tratamento Imunana-Laranjal leva água às cidades de São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e à Ilha de Paquetá. Prevendo um déficit de abastecimento, o governo do estado quer fazer mais essa barragem, a fim de suprir a demanda crescente por água, devido ao previsível aumento populacional com a instalação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
Dois decretos-lei do governo do Estado desapropriando uma área de mais de 21 quilômetros quadrados põe sob risco a permanência de mais de três mil trabalhadores rurais. Embora o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da barragem ainda esteja sendo feito, a SEA, de acordo com os atingidos, já contratou empresas para fazer cadastramento das famílias. Por isso, os moradores do município e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) exigiu a paralisação deste processo. No final de abril (28/4), houve uma audiência pública com a presença de parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Cerca de 400 pessoas da região disseram não à barragem.
A SEA já havia recebido alguns atingidos no dia seguinte. À mesa, estavam Antonio da Hora, funcionários da empresa Coihdro, que está elaborando o Eia-Rima, e um representante da Carioca Engenharia, construtora, que, segundo informaram os atingidos presentes, já foi contratada para tocar a obra da barragem.
– A desapropriação por decreto em 2013 e a contratação da construtora Carioca demonstram que o processo de licenciamento ambiental está sendo atropelado e que o governo aplica contra os atingidos o discurso do fato consumado. A barragem ainda está em fase de estudo, e justamente o Eia-Rima (Estudo Prévio de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental) pode pedir mudanças no projeto – afirmou Leonardo Bawer, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Potência agrícola
O ganha-pão de muitas famílias está em jogo. De acordo com a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), um levantamento parcial demonstra que a região é uma potência agropecuária. Os dados da EMATER-RIO referentes ao ano de 2013 informam que a área impactada pelo eixo Guapiaçu Jusante é responsável pela produção diária de toneladas de frutas, legumes e folhosas que chegam ao CEASA Irajá (Centro de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro) na capital do Rio de Janeiro. Ao todo, são aproximadamente 1.650 toneladas de alimentos da região mensalmente a abastecer a Região Metropolitana. Só de leite, por exemplo, são 108.000 litros de leite por mês; e de carne de rã, três mil quilos. E a pesca artesanal gera oito mil quilos por ano. Ainda segundo dados da Emater, toda essa atividade movimentou R$ 21.679.700,00 no ano passado. No entanto, as indenizações propostas aos agricultores que seriam removidos da área não passam da metade disso.
Os dois decretos leis de 2013 relativos à desapropriação da área, sob a justificativa do “interesse público”, já estipulam um valor de indenizações para os moradores do lugar: R$ 5.000,00 por hectare, equivalente a R$ 0,50 por metro quadrado, como informa a AGB. Para Moisés Borges, também da coordenação do MAB, há outro fator na forma de encaminhamento do empreendimento. O órgão proponente dele é a SEA, a quem o Inea é vinculado. Os trabalhadores rurais reclamam também que, até agora, não houve qualquer audiência pública proposta pelo órgão ambiental e nem mesmo qualquer outro mecanismo de diálogo.
– Isso é uma violação do direito à informação. Dezesseis violações de direitos humanos são recorrentes no processo de instalação de barragens, como direito à participação, direito ao trabalho e direito à moradia adequada – disse Moisés Borges, coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acrescentando que que os atingidos fizeram quatro solicitações de audiências ao órgão e sequer obteve resposta.
Para Geildo Moura, um dos moradores de Cachoeiras de Macacu que está com sua propriedade ameaçada, já há coação para que as pessoas saiam das casas.
– Já existe forte pressão e a barragem sequer foi aprovada. Já há empresas fazendo cadastramento das famílias, medindo o tamanho das casas. Muita gente está deprimida.
Para os atingidos, o Inea precisa se manifestar para dizer, por exemplo, se está levando em conta as alternativas à barragem do Rio Guapiaçu. A prefeitura de Cachoeiras de Macacu tem três propostas de menos impacto para resolver o abastecimento da região influenciada pelo Comperj. A Associação de Geógrafos do Brasil listou outras oito possibilidades.
O Ministério Público Federal (MPF) já apontou que a SEA não tem estimulado a participação popular no processo, como aponta relatório da AGB. Segundo o documento, desde fevereiro de 2013, “o Ministério Público sustenta a ilegalidade do processo, pois o Artigo 225 da Constituição Federal assegura a participação popular na gestão dos recursos hídricos, ao passo que a SEA definiu a “melhor alternativa” exclusivamente a partir de seus próprios estudos técnicos”.
Em texto do MPF, lê-se que o projeto da SEA foi elaborado “sem que o projeto tenha sido debatido pela sociedade com a participação dos usuários, das comunidades atingidas, do Comitê da Baía de Guanabara ou do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que poderiam não somente contribuir para a tomada de decisão final, mas também para iniciar o debate acerca dos impactos socioeconômicas e ambientais do empreendimento, questão que inegavelmente deve fazer parte do EIA/RIMA, inclusive de maneira a definir as formas mais justas de compensação”.
– O Ministério Público Federal já está acompanhando o processo de licenciamento da barragem – disse a procuradora Gabriela Figueiredo, que esteve presente à audiência pública promovida pela Alerj.
A assessoria de imprensa da SEA afirmou que a audiência pública será realizada após a análise do EIA/RIMA pelo pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA), conforme a Lei 1.356 de 3/10/1988. Sobre o encontro com os atingidos na semana passada na SEA, disse que A Fundação Bio Rio é a responsável pela contratação das empresas que irão elaborar os projetos e executar as obras, mas não pôs em questão a forma como isso está sendo feito. Sobre o fato de a SEA ser o proponente da obra, a entidade disse que o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) é o órgão responsável pela análise e emissão de licenças ambientais de todas as obras, incluindo do próprio poder público. Quanto às indenizações, a secretaria informou que os valores serão estudados caso a caso pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). E, quanto às pressões sobre os atingidos, a SEA disse que todas as ações serão dialogadas e negociadas com a população caso a construção do empreendimento venha a se confirmar. Em relação às oito alternativas viáveis ao projeto, a resposta foi a seguinte: “a Secretaria e o Inea não receberam quaisquer projetos dessa associação. Por fim, a SEA disse que encaminhou ao MPF o ofício SEA/SSPIE nº 145/2013 em 31 de outubro de 2013, juntamente com todos os documentos que comprovam a participação da sociedade civil, através de seus representantes legais, o Conleste e o Comitê de Bacia da Baía de Guanabara além de estudos pertinentes (produção científica) ao Projeto Macacu que fundamentaram o projeto da barragem Guapiaçu”.