Em 22 de maio de 2014 eu, Rebeca Campos Ferreira, Perita em Antropologia do Ministério Público Federal, estive na Penitenciária de Médio Porte Pandinha, em Porto Velho – RO, com os indígenas Gilson Tenharim, professor da aldeia Campinho-hu, de 19 anos; Gilvan Tenharim, irmão do anterior e, como ele, também professor da aldeia Campinho-hu, de 24 anos; Valdinar Tenharim, agente indígena de saneamento da aldeia Campinho-hu, de 30 anos; Domiceno Tenharim, professor e cacique da aldeia Taboca, de 33 anos; e Simeão Tenharim, agente indígena de saúde da aldeia Marmelos, de 36 anos. Na ocasião ouvi a narrativa que segue transcrita, “um apelo” como chamaram os indígenas, para ser repassada aos parentes, às autoridades e à sociedade brasileira. A narrativa a seguir foi realizada por todos eles, simultaneamente.
“Queremos registrar o que a gente passa aqui.
Tem alimentação sim, mas não é da nossa cultura e a gente não está acostumado com isso, e está fazendo mal pra gente, dá dor na barriga, dá diarreia. A gente não tem gosto de comer, estamos acostumados com outras coisas de comer, o que a gente comia sempre, de caça, de pesca, é diferente. Estamos há três dias sem comer. Se comer vamos passar mal. É melhor não comer. A gente queria pelo menos ter nossa alimentação da cultura. A gente não consegue dormir assim. Não podemos ter rede. Nosso corpo não é acostumado com isso aqui. E não tem quase sol, nem chuva, nem o céu.
Isso atinge toda nossa cultura. A cultura que a gente está acostumado e nossos parentes que estão lá. Nossos filhos, nossas mulheres, nossos pais, e os mais velhos. E nós perdemos nosso pai, que era cacique. E nem pudemos fazer os rituais dele. Nem as outras cerimônias que tem que fazer nessa época. O povo da aldeia está sem cacique agora. Isso preocupa demais a gente.
Isso é fora da nossa cultura. E a nossa cultura aqui a gente não liberdade de fazer. A gente não pode ter cocar nem fazer nossos rituais. Nem dançar, pintar, nossa cultura, nossas coisas. Isso vem pro nosso corpo também. Nosso corpo e nosso espírito sofre, e do nosso povo lá, a gente se preocupa muito.
E depois de tudo que já fizeram com nossos parentes desde 500 anos quando os brancos chegaram. E tudo que eles passaram. E com a estrada também. Mas naquele tempo não tinha lei. E hoje tem lei pra nós índios. Somos tratados de forma esquisita. É tudo contra índio. Mas a gente não é empecilho para o Governo, a gente é aliado para um mundo melhor pra todo mundo. A gente não é contra branco. Somos aliados, queremos um mundo melhor para todo mundo.
A gente está sentindo muito aqui. Estamos longe da terra, dos parentes, a gente perdeu nosso cacique, sofremos tudo aquilo, do povo branco, da polícia, estamos aqui presos, sem saber das coisas, com medo. Nós não somos seres humanos aqui. Mas nós somos brasileiros também. A gente enfraquece, a gente está magoado. Toda nossa família enfraquece. Nossa terra enfraquece.
Nossa esperança é Deus agora, são vocês do Ministério Público Federal, dos nossos parentes lá fora, de quem puder ajudar a gente.
A gente não fez isso que falaram na televisão. A gente não é aquilo que eles falaram. Por que fazem isso com nós indígenas? A gente está em risco, aqui, e nossas famílias lá na nossa terra. A gente não tem proteção. O governo não cumpre nossos direitos, nem lá fora nem aqui dentro da cadeia. Estamos em risco. A gente desgostou da vida.
E na aldeia, não podemos fazer os rituais da morte do nosso cacique, a gente não pode fazer os rituais do novo cacique, nosso povo está sem rumo, sem direção. Nem nossa festa vai ter esse ano, ela acontece desde sempre do nosso povo. São os espíritos nossos, somos nós todos que sofremos. Nem a cerimônia do nosso falecido pai e cacique aconteceu, isso é ruim para o espírito. Pode vir coisa ruim, coisa pior do que isso. A gente não tem liberdade. A gente está sem vida. E a gente é inocente. Não somos o que eles disseram. Queremos registrar essa mensagem para a sociedade.
Estamos sem ritual, sem nossa cultura, sem cocar, sem nossa família e a terra onde a gente nasceu, sem liberdade. A gente vive de cabeça baixa aqui. Estamos sendo injustiçados. É assim que é justiça dos brancos?
Perdemos o pai, o cacique e a vida. Estamos presos. Estamos sendo injustiçados, a gente não fez isso. Perdemos tudo aqui. É justiça isso? Tudo que falaram da gente é mentira, a televisão, os brancos, mentiram e fizeram isso com a gente. Tudo que a gente sofreu, nós e nosso povo, desde que tudo isso começou, e quando a gente veio preso. Não deixaram a gente voltar para casa, a gente não sabia o que estava acontecendo. Mas sabemos que eles fizeram coisa errada com a gente, enganaram, levaram para fora da terra e prenderam, enganaram a gente e os irmãos. Não sabemos direito nada ainda, eles não passam informação, não falam nada. Nem FUNAI, nem os que defendem a gente. Quem defende a gente? Como que é que funciona isso? A gente não entende isso, porque não fizemos, e não entendemos o que vai acontecer com a gente daqui pra frente. O que vai acontecer com a gente? A gente sofreu muito naquele época e está sofrendo muito agora. O povo nosso também. Hoje a aldeia está abandonada.
Nosso apelo é que as pessoas tenham mais amor com o povo indígena. Que trate a gente de forma civilizada. A gente pede para a FUNAI vir aqui, falar com a gente, defender a gente, a gente quer saber quem abraçou nosso caso, quem está pela gente.
A FUNAI não está fazendo nada, só o Domingues da FUNAI de Humaitá que vem ver a gente, e os que sabem dessas leis lá de Brasília da FUNAI não. A gente quer eles aqui pra falar com a gente. A gente não sabe o que está acontecendo, estamos sentindo que ninguém está pela gente das autoridades, só vocês [MPF] e nossos irmãos, nosso povo. A gente precisa ter alguém que defenda a gente. E queremos a FUNAI para informar e proteger.
A gente pede ao Dr. Julio [Araújo/ MPF-AM] e ao Dr. Ricardo [Tavares], pro CIMI que pode ajudar a gente também com advogado. Alguém tem que defender a gente e dizer pra gente o que está acontecendo. A gente agradece muito o Ministério Público Federal, de Manaus e daqui de Porto Velho, Dra. Rebeca [Campos Ferreira/ MPF-RO], o Dr. Filipe [Albernaz/ MPF-RO], por vocês terem vindo aqui ontem e hoje, por vocês lutarem pela gente, por estar aqui ouvindo a gente. É como se fosse nossos irmãos aqui, pra gente isso é muito bom. Foi bom ter visto nossos parentes ontem com vocês, agradecemos por ter trazidos eles, por eles poderem entrar com vocês. A gente está sentindo muita falta da nossa família e da nossa terra. Quando eles vem é bom, quando vocês vem é bom. É bom saber que alguém se preocupa com a gente.
Não queremos ir pra Manaus. Não. Lá a gente vai ficar pior. Lá nossa família não tem como ir ver a gente. Estamos preocupados, com medo. Com muito medo.
E queremos um advogado. Queremos que alguém lute pela gente lá fora. Pelos nossos direitos. É um vazio pra gente aqui. Não sabemos o que fazer e o que acontece. A gente manda um recado para os parentes também ajudarem a gente. Eles já ajudam muito nesse tempo todo. Pra eles virem ver a gente quando é dia de vir. Isso é bom. A gente pede para os parentes ficarem perto da gente, e que eles estejam perto também dos advogados, da FUNAI, do Ministério Público, e de quem vai ajudar a gente.
Pedimos pra ser informados do que acontece. Pedimos pra não ir pra Manaus. E pra ajudarem a gente e protegerem e lutarem pela gente. E para o advogado que acompanhou tudo, o Dr. Ricardo [Tavares], pedimos pra ele vir aqui falar com a gente. Ele viu como foi que fizeram com a gente. Não foi certo o que a polícia fez. Prenderam a gente irregular, levaram para fora da terra indígena, não explicaram nada, não trataram a gente como ser humano. Mentiram, enganaram, diziam coisas pra gente. Pressionaram. E para o Dr. Julio [Araujo/ MPF-AM] nos ajudar e ajudar nosso povo. E para o Ministério Público daqui de Rondônia, Dr. Filipe, Dra. Rebeca, e de Manaus, continuem com a gente, é o que a gente pede. E o CIMI se puder ajudar. Não deixem a gente desprotegidos.
A gente não quer ir pra Manaus. Nossa vontade mesmo, a gente acredita em Deus, é voltar pra nossa terra e fazer as cerimônias que tem que fazer pelo nosso povo.
Pedimos para as lideranças nossas para auxiliar também, em tudo, para as lideranças nossas estarem com a FUNAI, com advogado, com juiz, com o Ministério Público. A gente pede pra saber como está nossa situação, quem está pela gente, e que a FUNAI esteja pela gente também, e que o Ministério Público não deixe a gente.
O procurador da FUNAI veio uma vez, mas parece que a FUNAI não está dando atenção nem prioridade. Queremos defesa, queremos quem lute pela gente. Estamos sem nada, sem família, sem terra, sem cultura, sem liberdade e sem saber como é nossa situação.
Ainda bem que nossos parentes e vocês [MPF] estão com a gente. A gente agradece os parentes nossos, nossas lideranças, o Domingues da FUNAI, Dr. Rebeca (MPF-RO), Dr. Filipe (MPF-RO), Dr. Julio (MPF-AM), Dr. Ricardo. Por favor, leva essas nossas palavras pra eles.
A gente está sentindo muito aqui, nosso corpo, nossa cultura, e nosso povo, a gente está preocupado com o que vai ser dos rituais que não vão ser feitos. Mas a gente acredita em Deus, que vai ser feito justiça pra gente. Apelo nosso é pra parar com preconceito e discriminação, para ter mais amor com os indígenas, e não acontecer mais o que aconteceu com a gente com ninguém. Não fizemos aquilo e não somos aquilo que passou na televisão.
Queremos ter nossos direitos, queremos saber como está nosso caso, queremos ser defendidos e protegidos. Não queremos ir pra Manuas. Queremos voltar pra nossa terra com nossa família, fazer os rituais pro nosso povo que não pode mais ficar sem. Somos inocentes. Estamos sofrendo muito aqui com isso, e nosso povo lá fora. Acreditamos em Deus e nos nossos parentes, nossas lideranças, nas autoridades que vão ajudar a acabar com essa injustiça que nosso povo sofreu.
Viemos pra cá de madrugada, ninguém disse pra onde a gente ia. A gente tem medo. Queremos sair daqui. Não queremos ir pra Manaus. Queremos provar que não somos aquilo e não fizemos aquilo. Queremos saber o que acontece, a gente não entende.
Tiraram a gente da terra, prenderam a gente, não deixaram a gente se despedir. A gente não sabia o que acontecia. Não podemos ficar aqui, nem sem saber de nada, e nosso povo não pode ficar sem ritual, sem cerimônia. É o massacre dos espíritos nossos. E tem que fazer cerimônia funeral do cacique. Sem as festas desestrutura tudo, o povo inteiro, se a gente não fizer, vai ser agora em julho, ficamos todos desprotegidos, o povo todo fica desprotegido espiritualmente, e vem coisas ruins, não pode interromper porque isso é desde o começo do nosso povo, e nunca ficou sem fazer. Fica tudo desnorteado, nossa cultura e nosso povo. Sem direção, a gente aqui e nosso povo inteiro lá. A comunidade inteira perde.
E a angústia nossa aumentou com essa história da gente ir pra Manaus. E fica ainda mais longe, a gente sabe que lá não tem como ver os parentes. Não podemos ficar sem ver nossos parentes. A gente não come mais, é muita preocupação, não tem como acostumar nosso corpo e nosso espírito. A gente aqui não pode cantar, não pode pintar, não pode dançar, não é vida pra gente isso aqui. Não conseguimos dormir aqui. Não pode ter rede, não acostumamos deitar aqui. A gente nunca passou por isso, nem de ficar sem ritual, nem nosso povo. Nem de ficar fora da aldeia. Nem de ficar preso, É preconceito com indígena. A justiça ouviu o povo branco e os poderosos, por isso que prendeu a gente e deixa a gente aqui? A justiça tem que seguir a lei. E a gente é ser humano.
Nosso apelo é esse. Para a sociedade ver que não somos aquilo que passou, somos inocentes, estamos sofrendo muito aqui. A gente só quer voltar para nossa terra e nossa família. Queremos que as autoridades escutem a gente, entendam isso. E a gente agradece todos nossos parentes que nunca saíram do nosso lado e todo mundo que está lutando pela gente. Mas não deixem a gente desprotegidos, nem ir pra Manaus, nem aqui como a gente está”.
Como indio descendente, neto e filho de indios fico indignado!
O que fazem com o nosso povo. Primeiro querem catequizar, e em segundo momento inclui-los no mundo dos brancos, e em terceiro chama-los de índios postiços porque passam a usar as roupas tipo cara-pálidas. Na verdade tudo isso tem como objetivo final o extermínio de nossa raça/etnia, e a seguir a expropriação para a implantação do agronegocio predatório em todos os territórios históricos de nosso povo. É definitivamente um verdadeiro crime de lesa humanidade. Crianças indígenas mascam chicletes (habitos e cultura do branco), comem guloseimas e porcarias industrializadas. Adultos passam a utilizarem celulares, câmeras fotográficas e filmadoras digitais. Usam calças jeans e roupas de marcas ou coloridas. Projeto maior dos exploradores, para mais a frente nos chamarem de indios postiços. Cambada de FDP. Em algumas comunidades existem até mesmo internet, como se isso fosse a cultura indígena. Barragens, usinas, estradas e fazendas são construidas naquilo que nos pertencem desde que o Brasil foi invadido e nosso povo escravizado. A cobrança advinda desta catequização e inclusão no modo branco de viver é feita com a garantia de impunidade na expropriação do berço histórico, e a matança de nossas culturas e lideranças. Este é o governo de Dilma Rousseff e tarefa histórica dos padres pedófilos e terroristas da Teologia da mentira que, com sua falas mansas e mãos estendidas enganam até o capeta. Falam em resgate de cidadania para os brancos, enquanto tem objetivos claros e históricos de eternização de seus dogmas perversos. Ajuda? Ajuda uma pinóia! Querem exterminar o nosso povo como fizeram com outros povos em territórios além mar… ONGs picaretas e do capeta! Igrejas/empresas, representantes da exploração…