A publicação registra as ameaças sofridas por Bruno Toledo e outros dois defensores de direitos humanos do Estado
Por Lívia Francez, no Século Diário
A Justiça Global lançou um novo relatório denunciando a criminalização dos defensores de direitos humanos no País. O Estado tem destaque no livro Na Linha de Frente: Criminalização dos Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2006-2012), com o relato dos casos de ameaças, tentativa de criminalização e atentados praticados contra atores de evidência na defesa de direitos humanos, como Izabel Borges, Padre Xavier Paolillo e Bruno Alves de Souza Toledo.
O livro traz casos de situações de violência, perseguição e criminalização enfrentadas por indivíduos e coletividades. Durante todo processo de finalização do relatório, a Justiça Global presenciou a intensificação dos conflitos.
O relatório engloba diferentes cenários em que os defensores de direitos humanos foram agredidos de alguma forma, como as ameaças sofridas pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) após presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, em 2008, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ); e a criminalização sofrida por militantes sociais nos estados do Espírito Santo e Bahia.
No caso do Estado, o livro demonstra de forma detalhada a perseguição, estratégias de deslegitimação e criminalização de pessoas e organizações que trabalham pelos direitos dos presos e enfrentam as violações de direitos humanos, como aconteceu com Izabel Borges, em 2006, quando era coordenadora da pastoral carcerária, e foi acusada pela polícia de chefiar uma organização criminosa que agia no sistema prisional do Estado.
Com base em escutas telefônicas ilegais, descontextualizadas e em informações que não se sustentavam, Izabel, que era coordenadora da Pastoral Carcerária em 2006, foi acusada pela polícia de chefiar uma organização criminosa que agia no sistema prisional do Estado.
O inquérito foi assinado pela delegada Fabiana Maioral – hoje secretária de Prevenção e Combate à Violência de Vila Velha – mas as frágeis provas colhidas durante a investigação não se sustentaram e a Promotoria de Justiça de Vila Velha arquivou os procedimentos contra Izabel, em 2012.
O suspeita infundada lançada contra Izabel serviu para o governo fechar o acesso ao sistema prisional dos defensores de direitos por três anos. Sem a “fiscalização das entidades, as violações dentro dos presídios se intensificaram a partir de 2006. Na época o governador era Paulo Hartung (PMDB) – que governou o Estado entre 2003 e 2010 – e o secretário de Estado da Justiça Ângelo Roncalli, que permaneceu no governo o até 2012, já com o governador Renato Casagrande (PSB), quando pediu exoneração depois do desgaste provocado pela Operação Pixote, que desvelou um esquema de corrupção envolvendo o Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado (Iases) e a Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social (Acadis).
ONU
A militância do Padre Xavier Paolillo e de Bruno Alves de Souza tem destaque no livro. Eles são reconhecidos defensores de direitos humanos no Estado e, em parceria com Izabel Borges, têm monitorado há anos o sistema prisional e de cumprimento de medidas socioeducativas e denunciado as graves violações de direitos humanos que ali ocorrem.
Logo que assumiu a presidência do Conselho de Direitos Humanos, no início de 2009, Bruno Toledo mobilizou as organizações de direitos humanos locais que romperam com a proibição de ingresso com base nas próprias prerrogativas do Conselho Estadual e iniciaram uma série de visitas de fiscalização às unidades de privação de liberdade. As várias denúncias e a farta documentação que produziram levaram o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) a realizar uma inspeção no Estado, produzindo um relatório contundente a respeito da situação caótica do sistema prisional e sócio educativo do Estado.
Com base nesse documento, o CNPCP protocolou na Procuradoria Geral da República um pedido de intervenção federal no Estado em virtude das graves violações constatadas no Estado.
Em 16 de março de 2010, em Genebra, na Suíça, foi realizado o evento paralelo “Direitos Humanos no Brasil: Violações no Sistema Prisional – o caso do Espírito Santo” no marco da 13ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que teve objetivo de dar visibilidade internacional à grave situação dos presídios do Estado e discutir soluções para pôr fim às violações.
Bruno Alves de Souza, então presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), representou a sociedade civil do Estado no evento.
Durante a exposição, Toledo expôs, a partir de dados e fotos, graves e sistemáticas violações de direitos humanos no sistema prisional capixaba para um público de mais de 100 representantes de delegações diplomáticas, da própria ONU e de ONGs de diversos países reunidos em Genebra.
A imprensa nacional deu grande visibilidade às denúncias apresentadas em Genebra, o que tornou Bruno ainda mais vulnerável.
Logo ao retornar de Genebra, Bruno se encontrou com o então ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Durante o encontro, o ministro ressaltou a necessidade de proteção policial para garantir a vida de Bruno.
Ameaças
Padre Xavier e Bruno Alves de Souza foram oficiados em 2009 pelo então responsável pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), delegado Marcelo Nolasco, sobre uma carta anônima assinada por “Um cidadão/servidor público preocupado” alertando sobre o risco de morte dos dois e de outros defensores de direitos humanos e operadores do direito.
Ao saber da carta anônima, Padre Xavier e Bruno acionaram o Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. O Programa acompanhou Padre Xavier à Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vitória, onde foi ouvido pelo delegado Fabrício Dutra.
O livro relata que Padre Xavier solicitou ao delegado informações sobre as investigações que sofreu no ano de 2003, período em que esteve sob escolta policial por quase um ano. Também mencionou que abriu mão da escolta por nunca ter tido um retorno das autoridades do Estado sobre as investigações das ameaças.
Ele também indicou que as ameaças poderiam estar partindo de autoridades mencionadas na carta anônima que poderiam estar incomodadas com as denúncias feitas por ele; por parte de traficantes, pois realizava um trabalho de recuperação com jovens e envolvidos com a criminalidade; por parte de policiais militares envolvidos com tráfico de drogas e criminalidade denunciados por ele.
O relatório salienta que, os fatos relatados por Padre Xavier não foram reduzidos a termo pelo delegado que, mesmo assim, prometeu dar continuidade às investigações. Tempos depois, o delegado arquivou o inquérito sob a alegação que Padre Xavier não se fizera presente na oitiva e que Bruno Alves de Souza não havia indicado a autoria da ameaça.
Diante do arquivamento da investigação pela Delegacia de Homicídios, a coordenadora do Programa Estadual do Programa de Defensores, Marta Falqueto, acionou o secretário de Segurança Pública e o vice-governador do Estado, que determinaram a reabertura do inquérito, tendo encarregado o Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nurocc) de conduzir as investigações. Padre Xavier e Bruno foram ouvidos pelo Nurocc no dia 8 de janeiro de 2010.