Poluentes gerados pela fabricação, transporte e descarte do produto contribuem para o aquecimento global
Maria Clara Serra, O Globo
O consumo anual de água mineral em garrafa no Brasil cresce em média cinco litros por pessoa desde 2010, atingindo 55 litros per capita em 2013. O país já é o quarto maior consumidor mundial do produto, atrás apenas de Estados Unidos, China e México. Mas enquanto as cifras do mercado se multiplicam — de acordo com a Associação Internacional de Água Engarrafada (IBWA, na sigla em inglês), só nos EUA, as empresas do setor faturaram US$ 11,8 bilhões em 2012 — a poluição gerada pelo processo de fabricação, transporte e descarte das garrafas causa grande impacto ambiental.
Postado em 2010 pela militante americana Annie Leonard, o vídeo “A História da Água Engarrafada” circula até hoje na web e foi um dos grandes inspiradores de movimentos como o Água na Jarra, iniciativa criada em São Paulo no mesmo ano para incentivar o consumo de água da torneira. De acordo com Annie, esse crescimento é devido ao que ela chama de “demanda fabricada”.
Há anos, ONGs internacionais alertam sobre um futuro em que a água potável seria rara e valeria “mais do que ouro”. Para garantir seu filão no mercado, as grandes empresas de alimentos e bebidas agiram rápido: questionaram a qualidade da água de torneira e investiram em publicidade para garantir que seu produto era a opção mais saudável. Segundo a IBWA, o setor de água engarrafada é o segundo maior anunciante dos EUA.
O futuro chegou. Hoje, 1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável, de acordo com a Whole World Water. A falta do recurso, reconhecido como direito universal, está relacionado à morte de uma criança a cada 15 segundos no mundo, segundo a Unicef.
No Rio, uma garrafa de uso individual já chega a custar R$ 4. Além de doer no bolso e representar riscos para a saúde — na semana passada o “Journal of Epidemiology and Community Health” publicou artigo alertando para os perigos provocados pelo contato com substâncias químicas presentes no PET, como os ftalatos e o Bisfenol A (BPA) —, o aumento do consumo contribui para o aquecimento global e ainda gera um dos maiores problemas para os oceanos, o chamado microplástico. Ele altera a composição do ecossistema marinho, mata animais e ainda aumenta o risco de contaminação humana.
— Para cada garrafa de água mineral produzida, são geradas 100 gramas de emissões de CO2 — afirma Wagner Victer, diretor presidente da Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). — Além disso, a água da torneira é muito mais regulamentada e fiscalizada do que as de garrafa, e custam 500 vezes menos.
A ONG Água na Jarra tenta mudar esse cenário. Conscientiza a população de seu papel na diminuição da poluição gerada pelas garrafas e ainda ajuda restaurantes e estabelecimentos comerciais a incentivar o consumo de água da torneira entre seus clientes.
— O impacto gerado pela água engarrafada é tão grande que é difícil mensurar. Após o consumo ele fica mais latente, já que o plástico é um resíduo de difícil tratamento — afirma Letycia Janot, fundadora da ONG e pós-graduada em Gestão Ambiental. — No pior dos cenários, quando as garrafas vão parar no meio da rua, o que acontece com alta frequência, acabam nos oceanos, que já possuem ilhas de plástico.
Somente no Brasil, a produção de garrafas cresceu 14,5% em 2013. Apesar de o país ter uma das maiores taxas de reciclagem de PET — em 2012 foram recicladas 331 mil toneladas, 59% das embalagens descartadas, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet) — o impacto no meio ambiente ainda é grande. Procurada pelo O GLOBO, a Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam) preferiu não se manifestar.
Por pressão popular do movimento Rio $urreal, fiscais do Procon-RJ começaram a multar na semana passada os restaurantes que não disponibilizam jarras de água gratuitamente para seus clientes. A lei vale no estado do Rio há 19 anos, mas somente agora está sendo cobrada.
De acordo com estudo realizado em 2011 pela Associação de Defesa dos Direitos do Consumidor, Proteste, a qualidade da água fornecida no Rio é boa antes ou depois de passar pela torneira. A utilização dos filtros é recomendável para evitar contaminações geradas nas cisternas ou caixas d’água, mas se a limpeza das mesmas for feita a cada seis meses, o consumo direto de água de torneira faz bem para o bolso, a saúde e o meio ambiente.
Garrafinhas poluentes
Fabricação. Os impactos gerados pela embalagem de politereftalato de etileno, ou PET, se iniciam com a extração do petróleo, a fabricação da pré-forma e a produção da garrafa. De acordo com Annie Leonard, no vídeo “A História da Água Engarrafada”, a cada ano, para suprir a demanda dos EUA, a indústria utiliza petróleo e energia suficientes para abastecer um milhão de carros, já que o produto tem que ser resistente o suficiente para ser transportado ao redor do planeta.
Ciclo de vida. Para a análise do ciclo de vida das garrafas são considerados o consumo de recursos naturais e outras matérias-primas, como água (na produção), geração de efluentes líquidos (que acabam poluindo rios, mares e lençóis freáticos), emissões atmosféricas (de transporte e fabricação) e geração de resíduos sólidos. Segundo a 5Gyres, os “plásticos foram feitos para durar para sempre e desenhados para jogar fora”.
Descarte. No caso do descarte correto da garrafa, os impactos após o consumo são causados pela atividade de coleta e transporte do lixo, principalmente as emissões atmosféricas (CO2). Quando chegam aos aterros sanitários, que não possuem capacidade suficiente para comportar a crescente geração de lixo, as garrafas demoram milhares de anos para serem absorvidas. Quando são descartadas diretamente na natureza, acabam parando em mares e rios, o que agrava o problema das enchentes.
Reciclagem. Mesmo quando a garrafa é reciclada, ela gera impactos ambientais. De acordo com a tese de mestrado de Renata Bachmann Guimarães (Brasília 2007), utilizada como base pela ONG Água na Jarra, se considerarmos taxas de reciclagem por volta de 50% do consumo, uma garrafa PET gera aproximadamente oito vezes o seu próprio peso em resíduos, levando em conta as emissões atmosféricas, efluentes líquidos e resíduos sólidos.
Oceanos. No mar, a ação da luz solar e das ondas quebra o plástico em partículas cada vez menores, chamadas microplástico, que nunca desaparecem completamente, segundo a 5Gyres. O microplástico age como esponja, absorvendo pesticidas, metais pesados e poluentes orgânicos persistentes (POPs), que causam disfunções hormonais, neurológicas e reprodutivas. Já existem ilhas de plástico no oceano nas quais o microplástico é tão abundante que se tornou parte do ecossistema. Plânctons e pequenos crustáceos se alimentam deles, se intoxicam, também intoxicando pequenos peixes que os consomem. O processo se repete até chegar a peixes maiores e, logo, ao homem.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.