Eustáquio José, Em Um Brasil de Verdade
Nunca uma situação política – silenciosa e atípica – causou tanto alarde e tanta preocupação quanto a que vivemos agora. Enquanto muitos louvam os louros da Copa do Mundo, de uma Economia dita sólida e de uma realidade social extremamente diferente (com diminuição substancial, porém não suficiente e ordenada da ordem social) da que víamos nos anos anteriores aos 12 anos petistas, outros, em muito menor número, estão preocupados não só com a realidade aparente, mas com o que se esconde nas profundezas e começa a mexer a água na superfície. Saindo do campo figurado, eu tenho preocupação grande com o destino desse país que parece caminhar para dias de pesadelo e escuridão.
Eu fui surpreendido com a notícia que a Presidente Dilma Rousseff decretou Estado de Exceção no sul da Bahia, onde pululam questões violentas de posse da terra entre índios tupinambás e aglomeradores de terra (vide notícia estarrecedora e assaz preocupante aqui nesse link da Carta Capital). O que significa isso? Significa que nós poderemos estar diante de uma realidade política ameaçadora à suposta “democracia” que vivemos. Felipe Milanez, no artigo de seu blogue com link acima, chama atenção para a recente teoria sobre a “exceção” no Estado e como ela pode ferir de vez garantias e direitos fundamentais de cidadãos, além de ameaçar como um todo a relação entre governo e as suas obrigações elencadas na Constituição Federal (CF/1988). A começar pela enigmática frase do teórico “nazista” Carl Schmitt de que A regra não prova nada, a exceção prova tudo vemos o teor perigoso de uma exceção que escancara a face mais temível do poder de um Estado.
É como se vivêssemos o suprassumo de uma violência (a violência legítima do Estado). Na exceção qualquer ação estatal pode ultrapassar limites, passar por cima das leis e pode atingir os seus objetivos à revelia do que se pode querer de político, democrático, socialmente construído. Nesse sentido o Estado de Exceção, segundo o pensador italiano Giorgio Agamben, tende a se tornar “modelo” de governos contemporâneos. Há quem só os identifique dentro de regimes de direita, fascistas ou neo-fascista, por exemplo. Contudo, a sua incidência dentro dos limites da chamada “esquerda” também existem e já vimos esse filme várias vezes na história (Mao e Stalin são provas cabais do que digo). Não importa de qual lado venha, mas o que importa é que nós temos uma bomba de violência estourando bem perto de nós. Sob o pretexto de se falar numa defesa do território e resolução de conflitos, nós temos uma exceção posta e isso é preocupante.
Lendo o artigo do professor da UFMG Nilton Bignotto Soberania e Exceção no pensamento de Carl Schmitt vemos que a preocupação de Agamben com a relação feita por Schmitt entre a presença do “Estado de Exceção” dentro da ordem jurídica. Essa preocupação materializa-se na cartilha emitida ano passado com o título de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que tem por finalidade estabelecer as orientações para o planejamento e o emprego das forças armadas em operações de garantia da lei e da ordem. Tudo aquilo que o Estado não consegue suprir na realidade social – conflitos entre grileiros/pecuaristas e índios (que o Ministro da Defesa já garantiu que não irá fazer a demarcação da terra, estopim para se declarar o Estado de Exceção) ele tentará resolver pela via da força, pela via do jogo de exceção e eis aí o maior perigo dessa realidade.
A despeito de tudo isso o povo segue animado com a Copa do Mundo e prevendo um evento cheio de legados e cheio de problemas de realização e estrutura e se nega a enxergar a realidade que o cerca. Finge ser fiel aos fatos da Copa do Mundo e ignora imperiosamente a existência de um Estado de Exceção dentro de um Estado Democrático de Direito. A criminalização dos manifestantes e das minorias sociais são só a ponta do iceberg. Há muito mais que reside nas entranhas da água, mas que já se prefigura saindo e emergindo à realidade. É preciso estar atento para não termos mais grilhões enfeitados com rosas em nossas pernas e pescoços.