Justiça Federal determina reparação a povos indígenas Tenharim e Jiahui por danos causados pela construção da rodovia Transamazônica

Tenharim - crianças - Cley
Foto: Gabriel Ivan

A Justiça Federal concedeu decisão liminar em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) determinando que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) adotem medidas para reparar os danos permanentes causados aos povos indígenas Tenharim e Jiahui em decorrência da construção da rodovia Transamazônica (BR-230) em seus territórios.

A decisão determina que locais sagrados e espaços imprescindíveis ao sentimento de pertencimento dos povos indígenas em questão sejam preservados e que a presença e a participação dos indígenas nas escolas ou faculdades seja assegurada, se necessário com a adoção de medidas de segurança, evitando prejuízo ao ano letivo. Os locais a serem protegidos devem ser indicados pelos próprios indígenas e as medidas para preservação devem ser efetivadas em 180 dias.

A União e a Funai devem ainda promover a instalação de polo-base de saúde indígena nas terras dos povos Tenharim e Jiahui, com lotação de equipe multidisciplinar e estocamento de medicamentos adequados, na forma disciplinada pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). O prazo para a instalação de polo-base determinado pela liminar é de um ano.

Danos permanentes – Na ação civil pública, o MPF aponta que a construção da estrada causou danos ambientais, danos socioculturais e dano moral coletivo, gerando prejuízo permanente aos povos indígenas que habitam a região.

A falta de preocupação quanto à sustentabilidade gerou prejuízos quanto ao uso do solo para atividades agrícolas, poluição atmosférica, acúmulo de lixo, redução da fauna – implicando novas readaptações nas atividades de caça –, desmatamento e alteração dos cursos d’água.

No âmbito sociocultural, o período da construção da rodovia gerou um impacto de grandes dimensões, quando houve forte contato interétnico, causando mortes em decorrência de doenças levadas pelos operários. Além disso, o MPF aponta que a ‘pacificação’ promovida pela Funai e o recrutamento para o trabalho nas obras causou forte desestruturação no grupo indígena, que, acuado por conta das atividades de tratores e aviões no local, deixou de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios sagrados.

Os Tenharim não abandonaram a região, tendo se deslocado do rio Marmelos para as margens da rodovia justamente para estarem próximos de seus territórios sagrados. Ainda assim, a promoção do desmatamento e elaboração do traçado da rodovia sobre locais sagrados para os indígenas representou nova violação de seus direitos. Já o povo Jiahui sofreu grande diminuição, chegando a contar, às vésperas da demarcação da terra indígena, com apenas 17 pessoas.

A terra indígena Tenharim Marmelos teve o seu processo de demarcação concluído em 1996 e a Terra Indígena Jiahui teve a demarcação homologada em 2004. Em termos populacionais, os Tenharim abrangem, atualmente, 962 indígenas (737 na TI Tenharim Marmelos, 137 na TI Tenharim do Igarapé Preto e 88 na TI Sepoti). Os Jiahui totalizam 98 indígenas.

Dano moral coletivo – Ainda na ação, o MPF sustenta que os fatos ocorridos por ocasião da construção da estrada representaram ofensa aos direitos fundamentais dos povos Tenharim e Jiahui, ensejando a reparação por dano moral coletivo, em razão da omissão da União e da Funai.

Por isso, o MPF pede, ao final do processo, a condenação da União e da Funai ao pagamento de indenização no valor de R$ 10 milhões cada, totalizando R$ 20 milhões, em conta específica em favor dos povos Tenharim e Jiahui, a serem aplicados em políticas públicas em favor deles, sob a coordenação da Funai, a partir de definição pelas próprias comunidades.

O pedido inclui ainda a reforma de escolas nas aldeias Coiari, Taboca e Mafuí, a construção de novas escolas com professores contratados e desenvolvimento de processos próprios de aprendizagem, a criação de um centro de memória e a publicação de material didático sobre os impactos da construção da rodovia sobre os povos Tenharim e Jiahui, ressaltando as características desses povos e os direitos sobre suas terras, com ampla distribuição, principalmente nos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí.

A ação continua tramitando sob o nº 0000243-88.2014.4.01.3200, tendo sido redistribuída para a 1ª Vara Federal no Amazonas.

Apuração iniciada no ano passado – Em abril de 2013, após reunião com lideranças das etnias Tenharim e Jiahui, o MPF instaurou inquérito civil público para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro por possíveis violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas durante a construção da Transamazônica, no período da ditadura militar.

Durante a segunda edição do projeto MPF na Comunidade, em junho do ano passado, representantes do MPF estiveram na terra indígena Tenharim Marmelos, quando constataram ‘in loco’ os prejuízos e danos sofridos pelos povos Tenharim e Jiahui em decorrência da existência da rodovia em seus territórios e colheram relatos dos índios sobre o caso. Na ocasião, foi elaborado um laudo antropológico com o fim de subsidiar as ações a serem tomadas pela instituição.

Conflitos na região – Desde o último dia 25 de dezembro do ano passado, a cidade de Humaitá vive dias de instabilidade por conta de protestos violentos que já resultaram na depredação de prédios e bens públicos de órgãos e autarquias federais relacionados a políticas públicas voltadas aos povos indígenas, além de ameaças a um grupo de indígenas que estava na cidade para tratamento de saúde. Os manifestos estariam relacionados ao suposto desaparecimento de três pessoas na área da terra indígena Tenharim Marmelos, cortada pela rodovia Transamazônica (BR-230).

Ainda em dezembro, o MPF/AM expediu recomendação para cessar incitação à violência e discurso de preconceito contra indígenas, indicando a retirada de conteúdos de portais, blogs e redes sociais na internet que continham informações com caráter discriminatório, preconceituoso ou que incitassem a violência, o ódio e o racismo contra os povos indígenas da região.

MPF/AM também entrou com uma ação judicial para garantir a segurança dos indígenas da região diante da ameaça de invasões à terra indígena Tenharim Marmelos por não indígenas. O pedido foi atendido pela Justiça Federal, por meio de decisão liminar.

Em janeiro deste ano, diante da situação de calamidade que os índios enfrentavam em razão dos conflitos, o MPF/AM recomendou aos órgãos públicos e autoridades locais e nacionais que adotassem medidas para garantir assistência material, com envio de alimentos e medicamentos e a garantia de assistência médica.

Outra recomendação foi enviada pelo MPF às secretarias de educação e instituições de ensino superior para garantir o acesso à educação aos índios dos municípios de Humaitá e Manicoré, no sul do Amazonas. O objetivo da medida foi o de assegurar o funcionamento das escolas indígenas nas aldeias e a frequência às aulas dos índios matriculados em escolas regulares dos municípios, em cursos técnicos e em cursos de nível superior.

Na última semana, o MPF processou o administrador da página Portal Apuí no Facebook, Ivani Valentim da Silva, pela veiculação de notícias com conteúdo discriminatório e incitação ao ódio contra os povos indígenas da etnia Tenharim. A ação pediu que a Justiça determinasse a retirada de todas as publicações e comentários da página que citassem o povo tenharim, no prazo de 48 horas, e obrigasse o administrador a se abster de publicar novas mensagens relacionadas aos indígenas da etnia.

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Amazonas
(92) 2129-4743 / 4661
[email protected]
twitter.com/MPF_AM

Comments (2)

  1. Olá, Gabriel,

    Ao contrário do que você tem “observado”, não costumamos fazer “o uso de imagens sem creditá-la(s)”, exceto quando estamos reproduzindo matéria de outro espaço onde o crédito não foi dado. Veja hoje, por exemplo, as duas matérias já postadas, antes que eu visse este teu comentário, do Outras Palavras. Na do Zizek, não há crédito porque ele não foi explicitado, ao contrário do que acontece com a da Nova Palestina, na qual, em lugar de escrever só uma vez o nome do autor das fotos, como está no original, fiz questão de repeti-lo a cada uma. O motivo? Exatamente saber que elas ficarão gravadas na galeria do blog e, se a autoria não estiver explicitada em cada foto, essa informação se perderá.

    O que aconteceu com esta foto em particular foi que ela chegou numa matéria enviada pelo Cley e, lamentavelmente (neste sentido a respeito do qual estamos falando), ele só citou a autoria, elogiosamente, na última linha do texto, como acabo de verificar agora, após algum tempo de pesquisa. Você mesmo pode confirmar isso em http://racismoambiental.net.br/2014/01/a-resistencia-tenharim-por-cley-medeiros/. E isso fez com que, equivocadamente, a autoria da foto ficasse atribuída a ele na galeria do blog.

    Depois disso, usei-a eu mesma novamente, dando-o como seu autor e inclusive avisando que, como era uma notícia importante, eu havia usado a foto dele, ao que ele me corrigiu, dizendo que a foto era sua. A correção foi imediata (http://racismoambiental.net.br/2014/02/ricardo-albuquerque-advogado-dos-tenharim-os-policiais-nao-foram-investigar-eles-foram-la-para-tentar-comprovar-uma-conviccao-ja-formada/), mas, infelizmente, não ficou gravada na galeria. Ontem a foto acabou sendo usada novamente, sem qualquer nome, uma vez que o dele havia sido retirado mas o seu não permanecera gravado. E isso não foi percebido no momento da postagem.

    Acabo de acrescentar seu nome na foto da postagem inicial, onde ele só era mencionado na frase final. E farei o mesmo em seguida nesta matéria. Mantenho-a não só para que as pessoas vejam a foto devidamente assinada como, igualmente, para que esta troca de mensagens tenha sentido.

    Meus parabéns pela sua foto, que é belíssima, como eu disse ao Cley. De qualquer forma, vou preferir não voltar a usá-la. Erros acontecem, e não tenho qualquer prurido em corrigi-los. Mas prefiro evitar sequer a hipótese de que eles se repitam com pessoas que consideram que usamos fotos ou outros materiais “de forma indevida”, já a partir de hoje.

    Tania Pacheco.

    Em tempo: Aliás, se você se der ao trabalho de dar uma busca por “Gabriel Ivan” no blog, verá diversas outras fotos suas postadas, todas devidamente creditadas. Fique tranquilo: também já estão marcadas para não serem mais usadas.

  2. Olá Tania, tudo bom? Sou o autor da foto desta postagem. Não vejo problema algum você utilizá-la para a matéria, porém tenho observado que você tem feito o uso de imagens sem creditá-la. Poderias ao menos dar os créditos da obra? Caso não seja possível, solicito encarecidamente que não as use mais de forma indevida. Por gentileza. Obrigado.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.