Por Sabrina Duran – Repórter Brasil
Em um contexto de avanço do capital imobiliário sobre as cidades e de “democracia direta do capital”, a afirmação, por parte de gestores públicos, de que um imóvel ou terreno é um “vazio urbano”, abandonado ou subutilizado (e que por isso pode ser desapropriado) é, em essência, uma afirmação ideológica. Tão ideológica que sequer faz falta apurar in loco se os imóveis e terrenos em questão estão mesmo vazios ou parcialmente abandonados, sem cumprir sua função social. A palavra passa a criar a realidade, e não o contrário.
Referindo-se à avenida Faria Lima, alvo, no início dos anos 1990, do interesse das empreiteiras e construtoras e de seus parceiros do poder público, o urbanista João Sette Whitaker mostra como o termo “deterioração” foi usado para desclassificar a “natureza popular do Largo da Batata”, histórico comércio de rua naquela região e que foi – está sendo – destruído ao longo da Operação Urbana Faria Lima, ainda não concluída mesmo depois de quase duas décadas de obras pesadas. “[o termo] ‘força uma interpretação negativa daquele espaço, que é considerado ‘deteriorado’ para quem tem outros interesses na área (…) A ideia de ‘requalificar’ e ‘revitalizar’ essa área começou a ser cada vez mais ouvida, apesar da incrível e rica vitalidade que a área já tinha”.
Também forçando interpretações negativas sobre a cidade, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) tentou, por meio de decreto assinado em junho de 2013, desapropriar mais de 900 imóveis e terrenos em bairros do centro da capital paulista para a construção de 20 mil moradias populares – projeto conhecido como PPP de Habitação do Centro. Endossado pelos estudos do Instituto Urbem, empresa responsável pelo projeto urbanístico das 20 mil moradias, o governo alegou que os imóveis e terrenos contidos no decreto eram “vazios urbanos” – o que se provou falso em 86% dos endereços apresentados.
Reportagem do dia 3 de fevereiro desse ano da Rede Brasil Atual (RBA) dá conta de que o governador volta a usar a mesma estratégia de desqualificação ideológica para leiloar dezenas de imóveis nas regiões do Brooklin e Campo Belo, também na capital. A apuração da RBA mostra que a maioria das casas consideradas “vagas e ociosas” pelo governo estão ocupadas por famílias há anos.
Assista acima ao curta-documentário “Vazios Urbanos”, produzido pelo Arquitetura da Gentrificação para mostrar a estratégia do governo Alckmin de expulsar milhares de moradores da região central da cidade e o esforço de resistência dessas pessoas para permanecerem onde sempre estiveram.