Museu Goeldi e INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia investigam soluções sustentáveis e estabelecem cooperação institucional para valorizar patrimônio cultural da etnia indígena
Luena Barros / Agência Museu Goeldi
Na Terra Indígena Alto Turiaçu, situada no norte do Maranhão, as mulheres Ka’apor transformaram o principal processo de obtenção de renda do seu povo. No lugar da arte plumária, elas iniciaram a produção artesanal com miçangas, sementes, fibras e ossos como uma alternativa econômica sustentável que não requer a morte de animais silvestres nem a extração de madeira. Esta nova dinâmica cultural é objeto de estudo coordenado pela antropóloga Claudia López, no âmbito do Laboratório de Práticas Sustentáveis em Terras Indígenas do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia.
Na pesquisa “A arte indígena Ka’apor: uma prática cultural e ambientalmente sustentável”, a bolsista Marluce Araújo fez um levantamento etnográfico dos recursos naturais e das técnicas de elaboração da cultura material, sobretudo, de artesãs das comunidades Xiepihu-rena e Paracui-rena.
Marluce identificou a confecção de pulseiras (Ipoapí’hã), colares (Jurupirupi’hã), anéis, tornozeleiras e brincos (nhami’putira), além de redes (kiha), tipóias, toalhas, cintos (Kurubi’hã), blusas, braceletes e bolsas em algodão. As plantas usadas na confecção são o tucumã (Astrocaryum vulgare), inajá (Attalea maripa), bariri (Canna sp.), algodão (Gossypium hirsutum) e curauá (Ananas erectifolius).
Nova dinâmica cultural
De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), há aproximadamente mil indígenas da etnia Ka’apor na TI Alto Turiaçu. Até 1998, a sua principal fonte de renda era a produção plumária, um trabalho principalmente masculino. Com a Lei 9.605/98, houve a proibição da venda de artefatos com materiais oriundos da fauna silvestre, neste caso, as penas de pássaros. A arte plumária passou a ser confeccionada apenas para uso em cerimônias indígenas.
Perante as difíceis condições, algumas aldeias encontraram na venda ilegal de madeira uma fonte de geração de renda. Para evitar a destruição da floresta, as mulheres Ka’apor iniciaram a produção de bijuterias e tecidos para a comercialização, opondo-se às atividades que ameaçam a integridade do meio de sobrevivência deste povo.
Cooperação em defesa do patrimônio Ka’apor
Os Ka’apor da TI Alto Turiaçu também participam do projeto “Compartilhando Coleções e Conectando Histórias”, uma parceria entre o Museu Goeldi e o Museu Nacional de Etnologia da Holanda, no reconhecimento e estudo das coleções etnográficas nas duas instituições. Eles descreveram as matérias-primas, modos de fabricação, usos e significados de cada objeto. Os depoimentos foram registrados e editados no vídeo “A nossa plumária antiga”, de Bepunu Kayapó.
O objetivo da cooperação é reconectar as coleções e divulgar o patrimônio Ka’apor no Brasil e no mundo. Junto aos indígenas, as instituições planejam uma exposição baseada no tema da festa Ka’apor, que engloba todos os aspectos da vida da comunidade.
Nos dias 1 e 2 de outubro, 25 especialistas do Brasil, Colômbia, México, Holanda, Áustria, Alemanha, Suíça e França reuniram-se durante o workshop Tropical Lowlands Indigenous Heritage in European Collections no Instituto Holandês de Estudos Avançados (NIAS) para trocar experiências e discutir possibilidades de novas parcerias em projetos de colaboração com povos indígenas.
Na ocasião, professores, pesquisadores e estudantes manifestaram apoio à luta indígena Ka’apor e solicitaram soluções efetivas e urgentes para as situações de invasão ilegal de território indígena, exploração ilegal de recursos florestais, violência física e cultural que hoje enfrentam os Ka’apor.
Agressões aos Ka’apor
Em setembro de 2013, o povo indígena Ka’apor da TI Alto Turiaçu apresentou um manifesto exigindo a intervenção de autoridades competentes para impedir a extração ilegal de madeiras em seu território, além de solicitar saúde e educação de qualidade, que são de direito que todo ser humano.
No documento, há denúncias de ameaças de morte, agressões e assassinatos comandados por madeireiros em resposta à decisão das lideranças indígenas em não permitir a atividade em seu território. No dia 24 de agosto deste ano, a aldeia Gurupiuna, em Maranhãozinho, teria sido invadida: casas foram incendiadas, idosos amarrados, criações roubadas e o senhor Gonito Ka’apor foi atacado diretamente. Nos últimos anos, quatro indígenas foram assassinados devido ao conflito com os madeireiros.
As ameaças mais recentes ocorreram em outubro. No dia 20, um grupo de Ka’apor da Aldeia Ximborenda foram surpreendidos próximo ao Rio Gurupiúna com ameaças, tiros e agressões por parte de madeireiros e indígenas Tembé que foram aliciados ao garimpo. Impedidos de atravessarem o rio, montaram um acampamento no local para realizar um monitoramento permanente dos limites territoriais junto a outros grupos das regiões de Turiaçu e do Gurupi.
Em 26 de outubro, cerca de 20 Ka’apor de duas aldeias da região do Paruá e Maracaçumé foram novamente atacados com tiros e perseguidos na estrada próxima à Vila do Barro Branco, no município de Centro do Guilherme. No mesmo dia, outro grupo Ka’apor, que ia ao encontro de indígenas da TI Awá em busca de apoio para alimentação, foram impedidos de atravessar as estradas que levam à sede do município de Zé Doca. Madeireiros das regiões de Vila da Conquista e Vitória proibiram a passagem de indígenas pelas estradas.
Os fatos foram comunicados à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e à Polícia Federal, que ainda não se pronunciaram ou tomaram procedimentos sobre o caso.