Carla Akotirene*, Jornal A Tarde, em População Negra e Saúde
Novembro negro, mês de saudar toda vida militante na luta antirracista contra a exclusão social imposta à população negra. Revisitar junto ao Estado e aos governos a plataforma reivindicatória para a implantação de ações afirmativas, reparação e combate a todas as formas de violências contra as mulheres.
À consciência negra, imprescindível lembrarmo-nos do prognóstico de execução penal e morte de mulheres e jovens negros, mesmo antes do toque de recolher. Tal controle populacional está expresso na mortandade da juventude negra, vítima das estratégias rentáveis ilícitas, mas, especialmente alvejada, pela abordagem racial da polícia e demais grupos de extermínio.
Nas penitenciárias femininas se destina uma modalidade de morte lenta igualmente preocupante: jovens majoritariamente negras, semialfabetizadas, da periferia, presas no tráfico, em virtude do machismo institucional – grande motivador do insucesso feminino na negociata com policiais, para garantia da impunidade, tal qual beneficia comumente os traficantes homens.
Esquecidas, gerações de mulheres tentam apagar da memória – do corpo riscar tatuagens – os nomes dos filhos, maridos e netos que as deixaram para trás. Mulheres negras que, como outras daqui, conhecem a hipertensão, o diabetes, a AIDS, a obesidade e o adoecimento das melhores de suas emoções.
Esse adoecimento das mulheres negras é oriundo de sonhos adiados, reprimidos, promessas não cumpridas; suas afetividades corrompidas pelo racismo são endurecidas no tratamento prisional (Adisa, 2000).
No cenário da opressão racial de gênero há mulheres livres, amordaçadas em laços afetivo-sexuais não mais ansiados por elas, com prisioneiros dispostos a sentenciar com morte a efetivação anunciada da ruptura de vínculos. Segundo IPEA (Instituto de Pesquisa Aplicada), das mulheres assassinadas no Brasil 31% têm entre 20 e 29 anos e 61% são negras. A taxa de mulheres negras mortas chega a 87% só no nordeste.
De qualquer modo estão colocadas a luta contra o femicídio e pelo cumprimento da Lei Maria da Penha, que é de 2006 – diferente do empenho político para o cumprimento da Lei de Execução Penal de 1984 – e a nitidez do problema de as/os defensoras/es da primeira desconhecerem o exercício das violências patriarcais no âmbito carcerário. A despeito do aumento de detenções serem por conta de maridos e namorados coagirem as “suas” mulheres a levar entorpecentes na vagina e ânus, durante a visita íntima, para segurança das masculinidades hegemônicas ameaçadas, dentre outras relações de poder inerentes ao mundo prisional.
Por certo, a salutar proposta política de abolição da prisão, artefato racista, descredencia a punição cabível para os homens que matam, violentam e praticam toda a sorte de violência contra as mulheres. De modo exemplar, a Lei Maria da Penha consolida a forma de punir através do aprisionamento, porque pagamento de cesta básica não devolve a vida de uma mulher.
A “Lei Maria da Penha” é resultante da reivindicação do movimento feminista, autorizando o Estado a intervir no espaço privado como meio de reprimir as violências domésticas contra a mulher, sobremaneira determinar como medida protetiva de urgência que o agressor mantenha “afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida”.
Não raro, a Lei de Execução Penal infringe esta recomendação. Não registra a queixa da Maria da Penha, desconhece a cela enquanto um lar, ambiente de convivência, muitas vezes de anos de sofrimento para as vítimas “femininas”, ou melhor, “layds”, promovido pelas agressoras “piolhos” ou “viados”.
Os servidores públicos, agentes de segurança, desatentos aos programas de combate ao racismo institucional e ao Plano de enfrentamento da violência contra a mulher, precisam meter a colher. Deixar de tratar como indisciplina e perturbação da ordem institucional, a briga de marido e mulher.
Para mais consciência negra, mais vida para as mulheres, precisamos aumentar os esforços políticos, diminuir as flores, e retirar as mulheres dos braços do agressor, neste caso o Estado.
*Carla Akotirene é assistente social, mestra em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo pela Universidade Federal da Bahia. Atua na saúde pública municipal.