Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Não sei se foi uma vitória, uma derrota ou, mais provável, a solução possível na atual conjuntura. Por isso mesmo, não sei se comemoro ou me entristeço. De qualquer forma, há em mim uma certeza de perda.
Em 2009, no terceiro dia do II Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental, fomos recebidos nas terras Anacé de forma inesquecível. Chegamos em três ônibus e, no início do território, eles nos esperavam à sombra de uma gigantesca e centenária mangueira, num dos lados da qual haviam depositado uma fileira de objetos simbólicos, como pode ser visto na foto acima. À sua volta fizemos uma gigantesca roda, e eles nos saudaram, falando de sua luta, emocionados, e dizendo que a nossa presença ali trazia para eles novas forças.
No caminho para o povoado de Chaves, onde passaríamos o final da manhã e a tarde, ouvimos novas histórias sobre as consequências da chegada do progresso em seu antigo território. No caminho, uma freira que participava do grupo já nos contara de uma capela de mais de 200 anos, onde ex-votos eram mantidos, que havia sido destruída, e as relíquias, queimadas. E isso apesar dos protestos dos indígenas e do próprio Ministério Público Federal. Dos dois lados da estrada, o que antes havia sido mata densa era agora terra arrasada.
Em determinado ponto, paramos para ver de perto uma grande área totalmente inóspita, onde antes existira uma lagoa que atravessava a estrada. Ela havia sido aterrada para dar lugar a uma fábrica de ração (Tortuga), antes que descobrissem que o solo cedia e nele era impossível erguer qualquer tipo de construção. Tudo isso em meio a tentativas de remoção baseadas na cooptação e na divisão dos indígenas. No vazio cheio de grande poças d’água onde antes ficava a lagoa permanecemos por mais tempo, enquanto eles descreviam como era antes o lugar e contavam como haviam tentado resistir. Sentada num tronquinho, senti a revolta impotente, as lágrimas de raiva se misturando com o vento.
Em Chaves, onde viviam 51 famílias, mas estavam também presentes grupos de Bolsas e Matões, o carinho e a alegria da nova recepção foram igualmente comoventes. Eles nos ofereceram suas casas, sua (deliciosa) comida, suas redes. Na igrejinha local, entupida de cadeiras e bancos de diferentes casas e transformada em local de reunião, demos continuidade ao seminário, gente dos mais diversos estados e culturas trocando informações com a comunidade: homens, mulheres, crianças, velhos… Antes, porém, eles nos falaram mais de sua luta e, as crianças à frente, cantaram. E voltariam a cantar conosco à noite, num toré em volta da fogueira, na despedida antes que voltássemos aos ônibus e ao caminho para Caucaia. Nunca esqueci esse dia duro, mas mágico.
De volta ao Rio de Janeiro, busquei continuar acompanhando a luta dos Anacé contra a Petrobrás, o governo e o Pecém. Uma notícia ou outra chegava, apesar da distância. E hoje vejo, na foto do Diário do Nordeste, duas das lideranças que nos acompanharam na viagem, sorrindo e recebendo o documento que oficializa a criação da “reserva indígena Taba dos Anacés e Bolso, com a aquisição de terreno e realocação da comunidade, que atualmente vive em área na qual será construída a Premium II”.
A notícia acrescenta que a “falta de definição sobre a comunidade indígena era um dos únicos impeditivos para a emissão da Licença de Instalação do empreendimento”. Agora, o documento “garante o início das obras, previstas para serem licitadas em abril”. Segundo o discurso da Presidente da República na solenidade de anteontem, 22 de novembro, “Nós construímos um acordo para a concessão da licença de instalação. Ao mesmo tempo que a gente consegue a licença, a gente garante os direitos do povo Anacé, que vai receber infraestrutura nova construída pelo Governo do Estado, em parceria com a Petrobras”, diz a matéria.
Espero que essa seja de fato uma boa notícia para os Anacé. No que me diz respeito, acho que vou desconfiar sempre dessa “infraestrutura nova construída pelo Governo do Estado, em parceria com a Petrobras”. E fico me perguntando se a mangueira centenária ainda existirá. No fundo sei que, se ela ainda lá estiver, não será por muito tempo.