Por Cleber César Buzatto, Secretário Executivo do Cimi
Setores político-econômicos anti-indígenas continuam buscando, a todo o momento e a todo o custo, desconstruir os direitos historicamente conquistados pelos povos originários. Os indígenas, por sua vez, intensificaram a reação frente ao ataque sofrido e vêm construindo um processo de luta em defesa e pela efetivação de seus direitos e projetos de vida de maneira altiva, permanente e radical.
Em todas as regiões do Brasil e no chamado “centro do poder”, em Brasília, muitas têm sido as manifestações protagonizadas pelos povos. Por meio de retomadas, auto-demarcações, bloqueios de rodovias e ferrovias, ocupações de espaços públicos, inclusive do Plenário da Câmara Federal e do Palácio do Planalto, presença assídua em gabinetes de parlamentares, órgãos públicos, visitas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outras iniciativas, os indígenas chamam a atenção e denunciam, às autoridades e à sociedade em geral, o ataque que estão sofrendo por forças econômicas, especialmente vinculadas ao velho latifúndio brasileiro.
Todo este movimento elevou a questão indígena ao patamar de uma das pautas políticas centrais em debate no Brasil. O tema é tratado cotidianamente, de maneira intensa, apaixonada podemos dizer, em diferentes instâncias dos três poderes do Estado brasileiro.
A temática indígena ganhou repercussão e visibilidade nacional e internacional. Jornais, televisões, rádios, sítios eletrônicos, blogs e redes sociais têm dado cobertura aos conflitos e às situações diversas envolvendo os povos indígenas em âmbito nacional e regional.
Caso baseássemos nossas análises em “aparências”, poderíamos dizer que a situação política relativa aos direitos indígenas já passou por momento mais desfavorável daquele que se vive atualmente. No entanto, conhecendo o inimigo comum e o potencial político e financeiro que o mesmo detém, entendemos que os povos indígenas não podem cair no equívoco de imaginar que a disputa está ganha ou mesmo facilitada.
Ao contrário, tudo indica que os enfrentamentos apenas começaram. Nessas primeiras batalhas, ao longo destes dois últimos anos, temos o sentimento de que os povos ganharam terreno. Embora possam continuar insistindo com a tramitação da PEC 215/00 no congresso Nacional, os próprios ruralistas estão cientes de que dificilmente encontrarão terreno para sua aprovação e aplicabilidade. As chances do texto ser considerado ‘inconstitucional’ pelo STF são bem significativas.
Na nossa avaliação, no entanto, os povos não afastaram os riscos de reveses e retrocessos contra seus direitos. Neste contexto, ganha espaço e aumentam as possibilidades do ataque aos direitos indígenas, no próximo período, ser efetivado, de forma especial, por meio da regulamentação do parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição. Ao menos quatro Projetos de Lei Complementar (PLP) tramitam nessa direção, sendo o PLP 227/12 um deles.
Com alto potencial de imposição de limites ao direito de posse e usofruto exclusivo das terras por parte dos povos indígenas, esta iniciativa parlamentar articula interesses econômicos que vão muito além daqueles almejados estritamente pela bancada ruralista, envolvendo setores ligados à indústria da mineração, às empreiteiras, às empresas de energia, às Forças Armadas e o próprio governo, interessado em acelerar o seu modelo de “crescimento” econômico, consignado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A regulamentação da mineração em terras indígenas, por meio do PL 1610/96, ganha musculatura nessa mesma toada.
O resultado do julgamento dos Embargos de Declaração da Petição 3388, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou válidas as 19 condicionantes para o caso julgado, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas que descartou a existência de “efeito vinculante” das mesmas em relação às demais terras indígenas do país, oferece forte argumento político e jurídico para o movimento indígena exigir, do Poder Executivo, a revogação da Portaria 303/12, da Advocacia Geral da União (AGU).
Concomitante, as declarações e iniciativas açodadas do ministro Luiz Inácio Adams (da AGU), durante e logo após o referido julgamento, na perspectiva de validar a portaria, impõe ao movimento indígena a urgente tarefa de promover mobilizações e lutas contra a medida. Do contrário, corre-se grande e iminente risco do Poder Executivo estabelecer, de fato, o efeito vinculante negado, de direito, pelo Poder Judiciário em relação às ditas condicionantes.
Este embate, ao mesmo tempo, deve dar-se na perspectiva de afastar os riscos em torno da repetidamente anunciada mudança no rito de demarcação de terras indígenas, bem como, a fim de que o Poder Executivo retome as demarcações paralisadas em âmbito nacional.
O governo federal, por meio do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tem apostado todas as fichas nas denominadas “mesas de negociações”, onde busca aplacar os conflitos e ganhar tempo sem tomar as decisões que lhe são cobradas pelos povos indígenas. Como é evidente, esta é mais uma decisão politicamente equivocada do governo brasileiro, que não resolve os problemas e, ao empurrá-los “com a barriga”, fortalece as possibilidades de ocorrência e agravamento dos ataques e das violências contra os povos.
Na esteira disso tudo, o governo, especialmente por meio de agentes da Secretaria Especial da Presidência da República, continua atuando na perspectiva de dividir povos e lideranças indígenas a fim de facilitar a implementação das obras de infraestrutura e geração de energia de interesse do capital sobre terras indígenas. O caso das hidrelétricas de Belo Monte e do Complexo do Tapajós seguem sendo emblemáticos neste sentido.
O abandono na área da atenção à saúde indígena segue vitimando inúmeros indígenas país afora, especialmente crianças menores de cinco anos, cujo número de óbitos mostra-se assustador e revoltante.
O contexto político no Brasil continua extremamente adverso aos povos indígenas. As mobilizações dos povos seguem como um imperativo na defesa de suas vidas e pela efetivação de seus direitos constitucionalmente previstos.