Por Catarine Piccioni, em Olhar Jurídico
O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso instaurou inquérito civil público para realizar o acompanhamento dos pleitos das diversas comunidades indígenas relacionados à portaria 303, principalmente no que tange à suposta violação do direito à consulta em relação às medidas legislativas e administrativas que afetem os índios. A Advocacia-Geral da União (AGU) editou a portaria 303 em 2012 estabelecendo que advogados e promotores de Justiça devem observar o cumprimento das mesmas condições impostas à terra indígena Raposa Serra do Sol em qualquer processo demarcatório.
No entendimento da AGU, as 19 condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para manter a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua seriam extensivas aos demais processos de demarcação de terras indígenas, inclusive aos já finalizados.
Essas condicionantes proíbem a ampliação das reservas já homologadas e estabelecem que o “relevante interesse público da União” no uso de riquezas minerais se sobrepõe ao direito das comunidades indígenas ao usufruto da terra. Uma das condicionantes fixa que o usufruto indígena da terra não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, nem a pesquisa, lavra e garimpagem de riquezas minerais.
A procuradora da República Marcia Zollinger instaurou o inquérito no início deste mês. Conforme a portaria referente à abertura do procedimento, a portaria 303 representa um “retrocesso na política indigenista nacional” e viola “normas constitucionais de proteção aos direitos dos povos indígenas” e “normas do direito internacional, especialmente o direito à consulta prévia, livre e informada em relação às medidas legislativas e administrativas que afetem os índios”.
Ainda de acordo com a procuradora, “as condicionantes não podem ser estendidas indiscriminadamente à demarcação de todas as terras indígenas ainda não realizadas ou em vistas de demarcação, uma vez que não têm efeito vinculante”.
A procuradora citou ainda a “revolta de diversas comunidades indígenas”, que gerou, por exemplo, bloqueios em rodovias. “A portaria mantém também a permanente situação de conflituosidade”, concluiu Zollinger. A portaria 303 foi suspensa em 2012 após protestos de índios e de organizações indigenistas. No último dia 23, o Supremo decidiu manter a validade das 19 condicionantes estabelecidas em 2009 no processo sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol; na mesma decisão, a Corte entendeu que elas não podem ser automaticamente aplicadas a outros casos.