Investimentos de 52 mil trabalhadores foram perdidos
Criada em julho de 2007, a OGX, petrolífera de Eike Batista, nunca produziu uma gota sequer de petróleo, apesar do alarde de que seus campos, arrematados em leilão, teriam reservas de dar inveja aos árabes. A Lei 11.101, que estabelece as normas para recuperação judicial de empresas em dificuldades, determina que, para ter direito a esse benefício legal, a empresa tem que estar “exercendo suas atividades” há pelos menos dois anos.
Embora tenha seis anos de existência, há dúvidas sobre o direito da OGX à recuperação judicial, pelo fato de nunca ter produzido petróleo. Que critérios podem caracterizar a atividade da empresa? E o que essa atividade poderia ter como objetivo? Seria justamente ter como alvo a recuperação judicial? A Justiça terá que levar em consideração ainda que aproximadamente 52 mil trabalhadores, cujos fundos de pensão investiram na OGX, tiveram perda total dessas aplicações.
A empresa usou dinheiro do povo e a recuperação deveria ter como objetivo ressarcir as perdas do povo e não dar um prêmio a quem causou tantos prejuízos a investidores que, em vários casos, tinham como única poupança justamente esses investimentos feitos na OGX. Investimentos que não serão recuperados. A recuperação da petrolífera deveria ser feita pelo BNDES que enterrou mais de R$ 10 bilhões de recursos públicos nas empresas de Eike; recursos que poderiam ter sido usados em prol da população, para o desenvolvimento do país.
A generosidade de Eike – com dinheiro do povo – fez com que ele distribuísse dinheiro pelo Rio para vários projetos, o que colaborou para uma falsa imagem de patrocinador de obras sociais e até mesmo de infraestrutura, como a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, para a qual ele “doou” R$ 8 milhões. A benevolência de Eike com o dinheiro do povo resultou ainda numa “doação” de R$ 30 milhões para o Hospital Pró-criança Cardíaco, em Botafogo, no Rio, além de R$ 13 milhões com iniciativas esportivas, como um time de vôlei, visando as Olimpíadas de 2016.
Em seus sonhos delirantes, transformou o Hotel Glória, um ícone do Rio de Janeiro, num prédio fantasma, semidestruído. Um prédio que recebeu ilustres visitantes, chefes de estado, personalidades internacionais de destaque em vários setores, teve sua história implodida, ficando embaixo de escombros, da mesma forma como ele implodiu suas empresas.
Eike, que chegou a ter uma coleção de aviões particulares, se gabava de emprestar sua frota aérea para autoridades sem o menor pudor do que esse ato representava. Em sua coluna nos jornais Folha de S. Paulo e Globo, o jornalista Elio Gaspari reproduziu uma das frases do empresário sobre esses favores: “Tive satisfação em ter colocado meu avião à disposição do governador. (…) Sou livre para selecionar minhas amizades, contribuir para campanhas políticas [e] trazer a Olimpíada para o Rio”.
A OGX, uma empresa que teve apenas cerca de 300 empregados em seus quadros, se comparada com a Petrobras e outras do setor, com mais de cem mil contratados em todo o mundo, pode ser considerada uma gota no oceano. No entanto, apesar do diminuto tamanho que agora fica evidente, conseguiu fazer uma dívida de R$ 8 bilhões que gera ainda mais dúvidas. Onde foram parar esses recursos? As doações de Eike, “o generoso”, somaram alguns milhões, mas bem longe dos dez dígitos dos bilhões.
A empresa usou recursos públicos, vindos do povo, para distribuição de bônus a seus diretores, contemplados com verdadeiros prêmios de loteria, embolsando fortunas num período curto de tempo. De acordo com informações apresentadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), executivos da OGX e da OSX – construtora naval também de Eike Batista – teriam embolsado cerca de R$ 300 milhões referentes a salários, pagamentos por participação em comitês e remuneração atrelada a ações. Alguns desses diretores, inflados pelo dinheiro e, consequentemente, com súbita fama, tiveram a brilhante e acintosa ideia de ir para o Flamengo recuperar o Clube.
Antes da bancarrota, no entanto, a petrolífera teve seus momentos de glória, com seu valor de mercado nas alturas, refletindo nessa época os delírios de seu dono, que possuía carros espetaculares estacionados em sua sala de jantar. Que presenteava os filhos com também carros espetaculares e que para satisfazer seus caprichos, comprou um restaurante num dos lugares mais valorizados do Rio de Janeiro, em que pobre não serve nem para ser garçom, que dirá passar na porta.
Enquanto as falcatruas se sucedem, as autoridades parecem mais preocupadas em atacar outras frentes, reprimir outro tipo de ação, ação que se revolta exatamente contra os maus governantes que priorizam seus interesses. A Polícia Federal concentra suas forças na investigação contra os black blocs, seus paus e pedras. E os maus empresários circulam livremente.
Na próxima semana, será proferida a decisão sobre o pedido de recuperação judicial da OGX que tramita na 4ª Vara Empresarial do Rio. Caberá ao juiz Gilberto Clovis Matos decidir se a empresa tem direito ou não ao que determina a Lei. A aceitação do pedido pela Justiça, no entanto, não vai significar o início imediato do processo de recuperação. A empresa terá que apresentar em 60 dias um plano de reestruturação, com prazos estipulados para pagamento das dívidas, que deverá ser aceito pelos credores. Caso esse plano seja rejeitado, a empresa poderá ter sua falência decretada.