Decisão de Tribunal suspendeu efeitos da lei que criava o feriado na cidade; Associação Comercial do Paraná afirma que a data causaria redução dos lucros
Por Júlia Rabahie, da RBA
O Tribunal de Justiça do Paraná decidiu na segunda-feira (4) acatar o pedido da Associação Comercial do Paraná (ACP) e do Sindicato da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR) de suspender o efeito da lei municipal que instituía o feriado do Dia da Consciência Negra, no dia 20 de novembro, em Curitiba. Agora, movimentos negros, vereadores e o Ministério Público estadual estudam a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para reverter a decisão.
Ontem à noite foi criado o Comitê em Defesa do dia 20 de Novembro, formado por diferentes entidades de promoção da igualdade racial de Curitiba. “Queremos remeter o caso ao Supremo e esperar a decisão dele. Queremos fazer valer nosso direito de legislar”, afirmou o presidente da Câmara dos Vereadores de Curitiba, Paulo Salamuni (PV). Como a decisão tomada pelo TJ foi colegiada – foram 17 votos a cinco em favor da ação impetrada pela ACP – a possibilidade de recorrer junto ao tribunal fica vencida.
Na ação direta de inconstitucionalidade que motivou a decisão, a associação e o sindicato alegam que a criação de mais um feriado traria prejuízos aos comerciantes e, por extensão, à economia local e estadual. Segundo a Associação Comercial do Paraná, cada dia de paralisação das atividades econômicas acarreta perdas de R$ 160 milhões. O Tribunal entendeu que a lei curitibana fere a Constituição estadual ao afrontar o princípio federativo, que estabelece, entre outras coisas, a autonomia dos entes da Federação (União, estados, municípios e Distrito Federal). O órgão também acatou o argumento de que o feriado prejudicaria o comércio curitibano.
Em nota, a ACP afirmou que não se coloca em posição contrária à comemoração cívica e histórica da data, “mas não abre mão da atitude democrática em defesa dos interesses da sociedade”. Segundo o presidente da ACP, José Eduardo de Moraes Sarmento, a “evocação da consciência negra e da enorme contribuição do povo afrodescendente ao desenvolvimento econômico e social, que deveria ser tema obrigatório nos currículos escolares, não necessita de um feriado para ser lembrada”.
Histórico
A Lei Municipal 14.224 é de autoria da Câmara e foi aprovada na casa em novembro passado, mas só no início do ano foi promulgada. O projeto foi aprovado quase por unanimidade em primeira votação, com participação do movimento negro. Na segunda, a Associação Comercial do Paraná compareceu à Câmara Municipal e se manifestou contra a aprovação do projeto, pedindo que os vereadores revertessem a decisão. “Eles se manifestaram, assim com o movimento negro se manifestou e participou das discussões na primeira votação, e para a minha surpresa, os vereadores mantiveram sua decisão em favor do feriado”, contou o vereador Salamuni.
A lei foi promulgada pela própria Câmara já que o prefeito da gestão anterior não sancionou nem sancionou a lei. Nesses casos, há um prazo estabelecido para que o projeto retorne ao Legislativo, que tem o poder de sancioná-la.
“Três dias depois que eu assumi a presidência da casa a Associação Comercial veio me procurar pedindo reunião. Depois de horas de conversa sobre a cidade de Curitiba, eles tocaram no assunto da lei, que estava já em cima da minha mesa para ser promulgada. Avisei que iria fazê-lo, porque ideologicamente eu acredito na lei e mesmo que não acreditasse, eu como presidente do parlamento não tenho como não acatar a decisão da maioria do colegiado que presido”, disse Salamuni.
Após duas tentativas de recorrer judicialmente contra a data que celebra a Consciência Negra, foi com argumentos relativos à economia local de Curitiba que a Associação Comercial do Paraná conseguiu êxito junto à Justiça. Para os movimentos negros e a Câmara Municipal dos Vereadores, não só o direito à legislação foi ferido, mas inúmeros fatores históricos foram desconsiderados com a decisão do TJ.
“O prejuízo cultural histórico é muito maior que o econômico, tem um viés muito grande de conservadorismo nesse processo todo”, disse o representante do Conselho de Política Étnica e Racial de Curitiba, Saul Durval. Para o presidente da Câmara, a questão do lucro do setor comerciante ficou em segundo plano. Ele afirmou que Curitiba, cidade conservadora, tem uma dívida histórica com a população negra, já que a discriminação vivida por ela no passado tinha caráter institucional. Além disso, ele disse que a decisão do tribunal pode contribuir para a noção de que a cidade tem elites que colocam “o capital acima de qualquer resgate histórico, acima do povo”.
“Há uma dívida histórica muito grande, havia leis na cidade que diziam que negros não podiam votar, não podiam se reunir livremente, o que não aconteceu com outras etnias. Este foi um voto consciente dos vereadores. A argumentação é muito restrita, muito pequena, de que teriam um dia a menos de lucro sem entrar no mérito histórico da discussão”, disse Salamuni.
Inconstitucional
Não é a primeira tentativa no país de se acabar com o feriado que celebra a consciência em relação às desigualdades historicamente vividas pela população negra. A Confederação Nacional do Comércio ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade quando o estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei 4007/2002, que instituiu no Rio de Janeiro o feriado em 20 de novembro. O argumento foi o mesmo – de que o rendimento dos comerciantes cairia a níveis baixíssimos.
Porém, até hoje não há matéria julgada do STF, ou seja, não se chegou a nenhuma conclusão sobre a constitucionalidade da lei. “É de se estranhar a decisão do colegiado do Tribunal do Paraná de suspender liminarmente a lei, haja vista que não tem decisão do Supremo em cima desta lei e também por sua constitucionalidade. Diante disso foi com surpresa que recebemos a decisão”, disse Salamuni.
O Comitê em Defesa do 20 de Novembro espera ter decidido que passo tomar ainda hoje (08). “O mais provável é uma ação de reclamação, junto ao STF, em que a Câmara dos Vereadores de Curitiba entraria como autora, os movimentos negros, como amicus curiae – amigos da corte – e o Ministério Público, como fiscal da lei”, explicou.