Yvy Katu: juiz concede reintegração; acampamento é atacado por pistoleiros

Foto: Aty Guasu
Foto: Aty Guasu

Por Ruy Sposati, de Campo Grande (MS), em Cimi

Em Yvy Katu, um grupo de homens armados invadiu e atirou contra a comunidade indígena Guarani Ñandeva acampada na fazenda São Jorge, na noite de sábado, 2 de novembro. A Justiça Federal de Naviraí concedeu, em 31 de outubro, reintegração de posse a Luiz Carlos Tormena, proprietário da fazenda Chaparral, também ocupada pelos Guarani. Ambas as fazendas – de um total de 14 propriedades – incidem sobre a Terra Indígena Yvy Katu, localizada entre os municípios de Japorã e Iguatemi (MS), declarada em 2005 mas com processo de demarcação parado.

Ainda, em 24 de outubro, em decisão favorável ao proprietário da fazenda São Jorge, a Justiça Federal determinou que a Polícia Federal realizasse patrulhamento na região, a fim de “proteger os funcionários (ou aqueles que estiverem na propriedade) e o patrimônio da parte autora, bem como o direito de ir e vir dentro da propriedade” e “(re)assegurar a ordem violada e inibir posteriores invasões”.

Segundo indígenas acampados na fazenda São Jorge, homens armados em caminhonetes foram até a área ocupada e cercaram o acampamento, no sábado. “Fazendeiro veio até aqui, bem pertinho das nossas barracas”, explica uma indígena. “Vimos a barraca da nossa companheira cheia de segurança armado. Comecei a ligar pro Aty Guasu, Funai”.

Os homens foram embora, mas retornaram na noite do mesmo dia. “Ficaram rodeando aqui, lumiando com a lanterna pra tudo quanto é lado, até embaixo da chuva. Deu quatro tiros por cima de nós”, relata a mulher. “Entremo tudo embaixo dessa barraca, outros se esconderam embaixo da árvore, embaixo da chuva, esperando o pistoleiro passar. A gente não dormiu, a gente amanheceu aqui, plantado, de pé”. Não houve feridos.

Pistoleiros estão espalhados pelas áreas da fazenda. “Ali onde tamo puxando água e tirando madeira pra fazer barraca, tem dois seguranças de roupa camuflada. Outro dia as crianças desceu pra tomar banho e voltou correndo pra nossa barraca, assustado”, conta. Desde domingo, 3, a Fundação Nacional do Índio (Funai) acompanha o caso dos ataques narrados pelos Guarani.

Lideranças Ñandeva relatam, também, o assédio de fazendeiros para “contratar” indígenas Guarani e  camponeses para trabalharem em grupos de segurança. “O fazendeiro fica querendo pagar dois mil reais pro patrício [indígena] ficar no meio da segurança, pra investigar quem é quem, dar informação. E também faz isso com os sem terra, que são vizinhos da gente. Eles dão dinheiro pra comprar até moto”, expõe.

No último final de semana, um grupo de fazendeiros permaneceu acampando próximo à ponte que dá acesso a Yvy Katu. Os ruralistas chegaram ao local na data prometida como limite à adoção de medidas próprias para caso o governo federal não apresentasse proposta concreta sobre o “litígio de terras” no estado. No local, circulavam panfletos e adesivos assinados por um grupo intitulado “Confisco Não!” que conclamavam “republicanos, liberais, (…), empresários, militares (…), maçons” a dar um “basta ao marxismo cultural”, sob o slogan de “Pelo direito à propriedade: O Brasil que produz reage!”.

Cartaz ruralista
Cartaz ruralista

Histórico

Em 14 de outubro, cerca de 30 famílias Guarani Ñandeva retomaram parte da Terra Indígena Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai. No mesmo local, pouco mais de uma semana antes, outras 30 famílias ocuparam outra área de 600 hectares, abandonada pelos proprietários há ao menos quatro anos, mas fora da posse dos indígenas. Com processo de demarcação praticamente finalizado – até os marcos físicos que limitam a área já foram fixados – eles aguardam há 10 anos que a presidência da República assine o decreto de homologação da terra.

Iniciada há 29 anos, a demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, na qual Porto Lindo está incorporada, foi interrompida diversas vezes por recursos judiciais. Em 2003, para pressionar o governo e o judiciário, os indígenas realizaram a primeira retomada de seu território tradicional, expulsando não-indígenas de 14 diferentes fazendas na área reivindicada.

Em junho de 2005, o Ministério da Justiça editou uma portaria declarando a terra como de posse permanente do grupo, com área de 9,4 mil hectares. A demarcação física já foi realizada, faltando apenas a homologação pela Presidência da República, ato final da demarcação. Os indígenas ocupam, atualmente, 10% do total da área demarcada, por força de decisão judicial.

Em março deste ano, a Justiça considerou nulos os títulos de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena Yvy Katu, atestando a validade do processo demarcatório da área.

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