Parlamentares se reúnem em mansão em Brasília para tratar de temas como Código Florestal e trabalho escravo
Por Evandro Éboli, em O Globo
BRASÍLIA — É numa mansão de dois andares financiada por empresas privadas do agronegócio, no nobre bairro do Lago Sul de Brasília, que funciona o bunker da forte bancada ruralista do Congresso Nacional. Os deputados se reúnem ali num almoço toda terça-feira e traçam suas estratégias de ação no Câmara: que projetos aprovar, quais rejeitar e como pressionar o governo. Os senadores desse grupo também se reúnem na casa.
No dia 2 deste mês, um convite indicava o cardápio do encontro. “Três apetitosos pratos: como entrada, a audiência com a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente), para falar do Código Florestal”; “logo depois, será servido o indigesto prato da PEC do Trabalho Escravo”, tema que causa ojeriza aos ruralistas. Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência e interlocutor dos movimentos sociais, parece ser sempre o “prato do dia”. Na última terça, foram oferecidos cinco pratos, “que vão despertar a percepção gustativa dos comensais”, informava boletim da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
No encontro da última terça, acompanhado pelo GLOBO, 30 deputados ruralistas traçaram uma estratégia que era verdadeira chantagem ao governo. Eles decidiram que colocariam na pauta da Comissão de Agricultura da Câmara do dia seguinte, na quarta, a convocação de três ministros — Gilberto Carvalho, José Eduardo Cardozo (Justiça) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil) —, o que foi feito. Os três ministros estiveram recentemente em audiência pública nesse colegiado. Nessa comissão, os ruralistas são ampla maioria. Para retirar as convocações, exigiam a votação da urgência de um projeto, do líder ruralista Homero Pereira (PSD-MT), que dificulta a demarcação de terras indígenas, outro empecilho para o agrobusiness.
Deputado da base liderou estratégia contra governo
O último encontro na mansão dos ruralistas tinha um líder: o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Fernando Giacobo (PR-PR). Ele é da base do governo:
— Quero me colocar à disposição para ir lá cobrar, como fiz com a Gleisi. Disse que, se não pautasse nesta semana (terras indígenas), ia apresentar novamente a convocação dela… Se não, pautamos todos os requerimentos de convocação de tudo que é ministro. Acabou a conversa — disse, aplaudido por alguns. — Para ficar mais interessante, o Giovanni (Queiroz, do PDT-PA) faz o requerimento da Gleisi de novo. Vou pautar a convocação.
— Vamos cansar esses caras — disse Giovanni Queiroz.
O projeto das terras indígenas, de interesse dos ruralistas, seria apreciado no plenário, mas a votação dos royalties para a Educação e a obstrução do PSOL e do PV, contra o projeto de Homero Pereira, impediram sua inclusão na ordem do dia.
No encontro, o coordenador da bancada, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), mirou nos adversários no Congresso e citou o líder do PSOL, Ivan Valente (SP). Heinze se referia a críticas do deputado aos ruralistas, numa audiência na comissão.
— O Ivan Valente foi bem claro: “Agora vocês vão ver as ruas”. Ele foi claro nas ameaças, nessa questão indígena. Mas entre ameaçar e fazer vai uma distância — disse Heinze.
Procurado pelo GLOBO, Valente se surpreendeu:
— Eu, ameaça?! O que coloquei é que a pauta deles não é a mesma dos que estão nas ruas.
Ainda no almoço, os ruralistas demonstraram preocupação com as mobilizações populares.
— Não temos o poder de mobilização que os jovens têm — reconheceu Heinze.
— Se eles são fortes, nós somos mais fortes ainda — disse Domingos Sávio (PSDB-MG).
Paulo César Quartiero (DEM-RR) defendeu praticamente a deposição da presidente Dilma Rousseff:
— Não precisamos de plebiscito já, mas de eleição para presidente já. Olha o que ocorreu no Paraguai. O bispo (ex-presidente Lugo) saiu, a paz voltou no campo. É o que precisa aqui — disse Quartiero, que, durante a demarcação da área Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi preso pela Polícia Federal.
No encontro, estava o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, próximo ao grupo. Durante a reunião, nada falou. Na saída, disse que a bancada dá suporte extraordinário à pasta e que foi lá tratar do Plano Safra.
— Mas não tinha clima. Volto semana que vem — disse Geller.
A mansão é financiada pelo Instituto Pensar Agro, de entidades privadas de setores como soja, algodão e cana-de-açúcar.
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Compartilhada por Gleice Oliveira.