Carta pública de denúncia da certificação FSC da Fibria Aracruz Celulose S.A.

Ao : FSC
Ao: IMAFLORA
Aos: consumidores de produtos de papel com o selo FSC

Somos organizações, movimentos sociais e ativistas dos estados do Espírito Santo e da Bahia, onde a empresa Fibria Celulose S.A. está em busca de certificação pelo FSC, e também somos do Brasil e do mundo, reforçando nossa solidariedade com as lutas sociais e ambientais das populações afetadas pelo projeto das empresas de celulose. Neste momento, em especial, a Fibria, ex-Aracruz Celulose.

O motivo desta carta é reagir a um comunicado do IMAFLORA, enviado por email e recebido por diversas entidades e pessoas, afirmando que ele, uma empresa brasileira de certificação, está conduzindo a certificação FSC do “manejo florestal” da empresa Fibria Celulose S.A. O IMAFLORA inclusive anunciou que está organizando uma consulta e três reuniões públicas no mês de agosto deste ano, no Espírito Santo e no Extremo Sul da Bahia, sobre o tema.

A Fibria Celulose S.A. é uma empresa criada em 2009 a partir de uma fusão, financiada com dinheiro público brasileiro do BNDES (1) , entre a Votorantim Celulose e Papel e a Aracruz Celulose S.A. Hoje, a Fibria é a maior exportadora de celulose de eucalipto do mundo, com mais de 1 milhão de hectares de terras no seu poder.

A área que a Fibria pretende certificar, segundo o IMAFLORA, é a “unidade Aracruz“ que teria 355 mil hectares. No entanto, o IMAFLORA não explica a localização e a composição dessa área. Por exemplo, quantos hectares são de eucalipto? Onde se localiza a área? Quais as comunidades impactadas? Onde há litígio de terras com comunidades tradicionais? Onde estão os conflitos trabalhistas e sócio-ambientais? Para a sociedade civil deste vasto entorno territorial, não há a mínima transparência nem informações básicas para que possamos ter uma participação justa e democrática no processo de certificação.

Além disso, não acreditamos no FSC porque ele continua negando os problemas estruturais dos quais sofre desde que foi criado. O FSC continua certificando áreas de monocultivos industriais de árvores, sujeitas a um manejo intensivo com fertilizantes e agrotóxicos químicos, inclusive o roundup, cujo princípio ativo é o Glifosato (2) e formicida a base de sulfuramida (3) , cujos perigos são cada vez mais evidentes, segundo diversos estudos científicos.

O FSC também continua negando a complexidade de certificar áreas em larga escala como essa da Fibria. Isso num país com um dos maiores índices de desigualdade social do mundo, inclusive em termos de ocupação de terras: 3,5% dos proprietários de terras controlam 56% das terras, enquanto 40% dos proprietários ocupam menos de 1%. As empresas de eucalipto, principalmente a Fibria, são exemplos desse modelo concentrador de terras. E mais, o ramo de eucalipto-celulose integra o setor do agronegócio que procura acabar com a reforma agrária e reduzir os direitos territoriais dos indígenas, quilombolas e de outros povos tradicionais, bem como desconstruir o código florestal.

Portanto, nunca podemos aceitar que uma empresa que integra esse modelo ganhe um selo nos mercados consumidores, afirmando que o produto resultou de um “manejo” socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente viável. Continuar certificando e, portanto, legitimando este modelo restringe e adia a promoção de formas muito mais viáveis, democráticas e humanas de produção agrícola, baseadas na soberania alimentar e na agroecologia, beneficiando comunidades rurais.  A certificação de empresas como a Fibria e outras também adia a possibilidade de introduzir uma produção alternativa de papel, de forma descentralizada e utilizando diferentes fibras como matéria prima, produzindo quantidades de papel para a sociedade viver bem, sem a necessidade de monocultivos em larga escala em função do consumo excessivo e ilimitado de papéis descartáveis, algo que as empresas de celulose têm estimulado sempre, e que o FSC vem reforçando.

Além disso, a área da Fibria a ser certificada parece ser inteiramente a área da ex-Aracruz Celulose, marcada por quatro décadas de violações sociais, econômicas, ambientais e culturais, com a conivência do Estado e contra populações camponesas, indígenas e quilombolas. Foi a ex-Aracruz, hoje Fibria, que, com seus tratores, derrubou casas, inclusive de reza, de duas aldeias indígenas Tupiniquins e Guaranis, em 2006; foi essa a empresa que montou e realizou uma campanha racista, discriminatória, contra os indígenas no mesmo ano, cujas consequências serão sentidas por muitos anos pelas comunidades; foi também a responsável, articulada com um aparato policial gigante, pela perseguição e ataque à comunidade quilombola de São Domingos em 2009, quando quase 40 quilombolas foram presos, sendo acusados, em seu próprio território, de “roubar madeira”; trata-se também de empresa com um histórico de negligência em relação aos seus ex-trabalhadores. Essas e outras atrocidades cometidas pela hoje Fibria têm sido fartamente documentadas por testemunhos locais, livros, vídeos, teses e dissertações, fotos, em diversos gêneros discursivos, acadêmicos, interdisciplinares, técnicos, jornalísticos, artísticos (4) . O IMAFLORA não pode subestimar esse corpo textual e empírico, que envolve a péssima fama da empresa junto à sociedade local, regional e internacional. É mais um péssimo exemplo para estampar um selo que se propõe “verde” e “sustentável”.

A Fibria continua violando os direitos territoriais das comunidades quilombolas no Norte do Espírito Santo apesar dos diversos estudos de identificação de seus territórios já publicados nos últimos 7 a 8 anos. O próprio Estado (5) (e, extraoficialmente, a empresa!) já reconhece a ocupação de terras devolutas (6) pela Fibria. Ainda assim, as ações jurídicas da empresa são o principal obstáculo para o bom e ágil trâmite dos processos de regularização fundiária dos territórios quilombolas. Ela fomenta inclusive uma campanha racista, veiculada por seus aliados, proprietários rurais que se articularam num grupo chamado Movimento Paz no Campo (MPC), um tipo de UDR (7) regional, que é contrária à demarcação dos territórios quilombolas. Enquanto isso, os diversos rios e córregos desaparecidos e submersos em meio ao eucaliptal lançam as comunidades em grave crise hídrica, afetando diretamente a segurança alimentar, conforme reconhecido pelo Conselho de Segurança Alimentar e a Comissão de Direito Humano à Alimentação Adequada.

O FSC nega que o Estado seja “refém” da Fibria, incentivado por fartos financiamentos, por parte da empresa, das campanhas eleitorais de governantes federais e também estaduais, como no Espírito Santo e na Bahia. Isso explica que os órgãos estaduais do Meio Ambiente e até mesmo o Ministério Público Estadual façam as vontades da empresa (mesmo que haja sempre alguns funcionários comprometidos com a justiça social e ambiental). No Espírito Santo, por exemplo, a ex-Aracruz, hoje Fibria, infringiu, ao longo da sua história recente, a legislação ambiental de várias formas, desviando rios e manipulando o processo de licenciamento ambiental para garantir o consumo exorbitante de água do complexo fabril de produção de celulose. E na Bahia, por exemplo, instalou-se a prática de se fazer acordos, os chamados Termos de Ajustamento de Conduta – TACs (8), como o que foi proposto pelo Ministério Público Estadual (9) em Teixeira de Freitas, em parceria com a Fibria e também com a empresa Suzano, em 2011. Esse acordo libera as empresas das multas aplicadas pelos órgãos estaduais de fiscalização ambiental ao longo dos anos em função dos danos ambientais que causaram. Também libera as empresas de processos abertos em função de denúncias de degradação ambiental, apresentadas por organizações não governamentais e movimentos sociais. Esse TAC certamente faz parte da estratégia que ajudará a Fibria a garantir seu “selo verde” do FSC. Enquanto isso, comunidades tradicionais, que ao longo do tempo não puderam mais produzir em suas propriedades ilhadas pelos eucaliptais, continuam sem apoio dos governos estadual e federal e sem água para produzir, uma vez que os riachos, lagos e lagoas naturais secaram.

Ressaltamos que não temos nenhuma ilusão de atender à convocação do IMAFLORA e participar das “reuniões públicas” por ele convocadas, pois não acreditamos que a nossa participação possa influir no resultado do processo. A experiência na Bahia com a empresa Veracel Celulose S/A, cujos eucaliptais, quase 100 mil hectares, foram certificados pelo FSC em 2008, foi bastante emblemática. Essa empresa, cuja proprietária é a própria Fibria (50%) e a multinacional sueco-finlandesa Stora Enso (50%), conseguiu a certificação, apesar dos muitos problemas no processo e os diversos impactos causados pela empresa (10) .

Apesar de o próprio FSC admitir problemas numa avaliação posterior, a Veracel continua até hoje com o selo FSC. E ainda, os defensores do FSC nos centros de consumo de papel, sem conhecimento da realidade, tentaram vender ao mundo uma visão de que a Veracel “resolveu” todos seus problemas e que o FSC “funciona”. O único resultado concreto foi que, segundo o FSC, a SGS, a empresa certificadora da Veracel, decidiu não mais realizar certificações de manejo florestal ou de plantações no Brasil e, por isso, o IMAFLORA foi contratado também pela Veracel para garantir o selo da empresa! Vale lembrar que, neste momento, a mesma Veracel está buscando a duplicação das plantações, em um processo de licenciamento contestado judicialmente por estar cheio de irregularidades (veja carta de denúncia www.wrm.org.uy/paises/Brasil/ampliacao_da_Veracel.html e também capítulos sobre o setor de celulose de novo livro do jornalista Lúcio Vaz, chamado Sangessugas do Brasil – http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/1065017-geracao-editorial-anuncia-novo-livro-com-escandalos-de-corrupcao.shtml).

Além disso, o próprio IMAFLORA também se envolveu com outro processo de certificação da Veracel, desta vez, para ampliar ainda mais suas áreas certificadas. Anunciou que realizará um processo de certificação de um grupo de fomentados da Veracel (11) . Segundo o IMAFLORA, são 21.000 hectares e a certificadora pretende realizar a visita a campo na Bahia em setembro de 2012, apesar de irregularidades e ilegalidades como a falta de licenciamento ambiental e Reserva Legal em áreas de fomentados (12) .

Isso nos leva a uma única conclusão: a certificação continua avançando porque parece ser um bom negócio. Interessa tanto às empresas do setor de celulose quanto ao FSC.  Sem compromisso com a justiça social e ambiental, ambos buscam reforçar sua legitimidade, sua hegemonia e aumentar seus negócios com base na exploração da natureza, no envenenamento humano e ambiental, no desrespeito às comunidades locais e à vida do Planeta! Lucro e mais negócios a qualquer custo!

Por tudo isso, somos contra o que é chamado pelo IMAFLORA e o FSC de “manejo florestal” da Fibria, lembrando que as plantações de eucalipto não são florestas e que não existe um manejo “florestal” de monocultivos de eucalipto! Emitimos aqui nosso PROTESTO e INDIGNAÇÃO profundos contra mais este engano dos consumidores e da sociedade em geral, essa “lavagem verde” promovida por FSC e seus Sócios.

Assinam:

Entidades/Movimentos sociais:

  • ARES – Associação para o Resgate Social
  • Associação dos Professores Licenciados do Estado da Bahia – Delegacia de Eunápolis
  • Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais – AATR
  • Associação dos Geógrafos Brasileiros GT Ambiente AGB
  • Bicuda Ecológica
  • CUT – Bahia – Regional Extremo Sul
  • Centro de Estudos e Ação Social – CEAS
  • CIMI
  • Cine Clube Deserto Verde
  • Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul da Bahia – TERRA VIVA
  • CEPEDES
  • CETA – Movimento de Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas da Bahia
  • Comissão Quilombola Sapê do Norte
  • Coordenação Estadual de Quilombos do Estado do ES – Zacimba Gaba
  • CPT – Comissão Pastoral da Terra
  • Espaço Cultural da Paz
  • FUNPAJ – Fundação Padre José Koopmans
  • FASE
  • MLT – Movimento de Luta pela Terra
  • Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itanhém
  • Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ibirapuã
  • SINTOSTEB – Sindicato os Trabalhadores de Hotéis, Bares e restaurante do Extremo Sul
  • Sindicato dos Bancários do Extremo Sul da Bahia
  • WRM

Assinaturas individuais:

  • Ricardo Salles de Sá – Cinegrafista
  • Marilda Telles Maracci – Geógrafa
  • João Batista da Silva
  • Maria Paula de Oliveira Bonatto – Fundação Oswaldo Cruz
  • Marina de Castro Schwab

1 – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

2 – HARDELL, Lennart; ERIKSSON, Miikael. A case-control study of non-Hodgkin lymphoma and exposure to pesticides. Cancer, Lund, N.º 85, p. 1353-1360, 15 de março de 1999. http://www.espacoacademico.com.br/051/51andrioli.htm

3 – Documento Técnico Sobre os Impactos da Sulfluramida e do Sulfonato de Perfluorooctano (PFOS) sobre a Saúde Humana e Ambiental – Fundação Osvaldo Cruz http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/capadr/audiencias-2009/rap140409zuleica.pdf

4 – Se a história tiver alguma importância para o FSC e o IMAFLORA, não faltarão testemunhos para serem ouvidos, nem bibliografia para ser consultada, por exemplo, o “Estudo e Relatório de Impactos em Direitos Humanos de grandes projetos (EIDH/RIDH): o caso do monocultivo de eucalipto em larga escala no Norte do Espírito Santo”, produzido em 2010 pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra.  Outra publicação recente é o livro “Aracruz Credo: 40 anos de violações e resistência no ES”, produzido pela Rede Alerta e a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais em 2011. Também sobre o assunto, o livro Além do Eucalipto: O papel do Extremo Sul, produzido em 2005 pelo Padre José Koopmans, e a Cartilha “Dez Respostas a Dez Mentiras”, produzida a partir do texto de Ricardo Carrere, do WRM-Uruguai, pela Fundação Padre José Koopmans em 2010, disponíveis no site do CEPEDES, Eunápolis e na FUNPAJ, em Teixeira de Freitas – Bahia. E ainda os dois Relatórios sobre Violação de Direitos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais, a publicação “H2O para celulose, água para muitas línguas”, publicados pela FASE e Rede Deserto Verde, o Relatório da Missão Quilombola, da Comissão do Direito Humano à Alimentação Adequada, vinculada ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar. E ainda, muitos artigos, teses de doutorado e dissertações de mestrado produzidos em várias academias e programas de pós-graduação em várias universidades.

5 – Através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Instituto de Defesa Agropecuária (IDAF).

6 – Terras que pertencem ao Estado e não podem ser apropriadas por empresas privadas.

7 – Organização ultraconservadora, formada por grandes proprietários com um histórico de uso de violência contra os movimentos que lutam pela reforma agrária no Brasil

8 – Termo de Ajustamento de Conduta.

9 – Pela Promotoria Regional Costa das Baleias.

10 – Vários dos quais descritos na publicação “Violações socioambientais promovidas pela Veracel Celulose, propriedade da Stora Enso e Aracruz Celulose (atual Fibria)”, produzido pelo CEPEDES em 2008.

11 – São aqueles que plantam eucalipto para a empresa com base em um contrato que os obriga a vender o eucalipto para a Veracel, ou seja, trata-se de uma área da Veracel na qual ela terceirizou a produção.

12 – Segundo um estudo da Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia, 60% das áreas vistoriadas em 2009 não possuíam Reserva Legal, sendo que 15% não possuíam nem área para este fim.  Prova das irregularidades é que um dos municípios onde haverá o processo de certificação, Itabela, cancelou todas as licenças ambientais em 2011 através de Decreto Municipal. Também existem ações de fomentados contra a Veracel Celulose, com decisão de 1ª e 2ª instâncias da Justiça Brasileira contrária à empresa.

http://wrm.org.uy/plantaciones/21_set/2012/Accion_Brasil_port.html

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