Por Observatório de Favelas
“As chacinas ainda poderão acontecer porque não superamos as condições sociais que as permitiram”. Dizíamos isso num texto de opinião, em 2011, a respeito do sexto ano da chacina da Baixada, que vitimou 29 pessoas, entre elas oito crianças e sete adolescentes. Desta vez, em mais uma chacina, seis jovens entre 16 e 19 anos perderam suas vidas. O crime, por seu grau de brutalidade, mais uma vez é apresentado de modo a reforçar sua característica episódica, destacando-o do contexto de violência do local onde aconteceu.
Os homicídios difusos, infelizmente, não tem o poder de gerar perplexidade e mobilização, mesmo que temporariamente. O dado mais atual revela que somente em julho deste ano, a Baixada Fluminense teve 3 mortos por 100 mil habitantes, quase o triplo da capital. A informação não comove.
A história se repete, foi o que também dissemos no último editorial do N&A. A forma de narração das chacinas — principalmente a jornalística, aquela com a qual mais lidamos –, de tanta repetição, mais que uma tendência, parece ter criado uma espécie de rito. Um rito daqueles que surgem para devolver as coisas ao mesmo lugar de antes. A busca por respostas pouco politiza o fato. As vítimas, como em todas as outras chacinas, ficam reféns da representação binária: “bandidos” (esta tende a justificar a aniquilação das pessoas) ou “trabalhadores” (que, em geral, quer dizer que os moradores de favelas e espaços populares tem de apresentar um desempenho moral impecável para que seus direitos sejam considerados).
Na recente chacina, as vítimas não tinham envolvimento com crimes, nem passagem pela polícia. Esta informação parece vir antes de tudo (e também condiciona de certa forma o modo como passamos a apreender este tipo de fato). No rito que parece reger grande parte dos relatos midiáticos, a descrição das vítimas — como algo que a psicologia deve explicar — mesmo na tentativa de atribuir a elas características positivas, parece legitimar a violência. “Ele não era bandido, mas um trabalhador”, destaca uma matéria (o fato de ser criminoso justifica a tortura e morte?). “Brindava, mas de taça vazia. Não bebia”, destaca uma reportagem sobre uma das vítimas (se bebesse ou fosse usuário de outras drogas, a tortura e morte se justificariam?). “Era estudioso” (se não fosse?). “Não tinha passagem” (se tivesse?). Era trabalhador (e se não…).
O estudo “Juventude, desigualdades e o futuro do Rio de Janeiro”, divulgado semana passada, mostra que são 5,3 milhões de brasileiros entre 18 e 25 anos fora da educação formal e do mercado de trabalho. Quantos destes terão suas mortes justificadas por essa espécie de “contraluz” do discurso que, mesmo positivando a biografia das vítimas, legitima a violência? Os moradores de favelas e espaços populares precisam viver como “santos” para terem seus direitos respeitados?
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