O VII Encontro e Feira dos Povos do Cerrado reuniu cerca de mil pessoas dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado, além dos participantes de Brasília, para discutir não só a destruição dos territórios da região, mas também propôr alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico. Foram realizadas desde diversas atividades culturais e uma feira até audiências públicas e com o governo. Para entender melhor as especificidades do bioma e as reivindicações dos movimentos locais, a ANA conversou com Braulino Caetano, coordenador geral da Rede Cerrado, principal entidade que promoveu o evento. Na entrevista ele conta quais os principais problemas da região e alternativas para um modelo mais sustentável para o Cerrado. Segundo ele, é preciso resistir à pressão desencadeada pelas grandes empresas que devastam a biodiversidade.
Quais são as principais reivindicações para o Cerrado?
O que a gente mais quer hoje é que o Cerrado vire patrimônio nacional, uma lei como as que existem para os outros biomas. Porque se você tem uma legislação própria para o cerrado consegue pegar fundos internacionais para fazer as reivindicações para o nosso povo. Para a Amazônia, por exemplo, vai milhões porque ela tem uma legislação própria. Assim você tem condições de manter o cerrado sustentável, porque se você não tiver preservação da cultura dos povos do cerrado e uma legislação a favor fica só com a sobra de projetinhos. Eu acho que o primeiro ponto é a nossa luta para ser aprovada a PEC 51/03 e virar um patrimônio. O projeto está no Congresso para ser votado, só que na verdade quando ele vai ser votado a bancada ruralista trava. Há 6 anos que ela está lá, e agora acho que saiu da gaveta mas só depois do Código Florestal.
Outra coisa é a questão dos territórios das populações tradicionais, não parque florestal, mas sustentável pelo menos. Essas áreas de reserva permanente e as Resex (Reservas Extrativistas), as populações têm seus territórios que eles cuidam, preservam e podem lucrar com o que a natureza lhes oferece. A nossa biodiversidade, o extrativismo, tudo o que você tem no cerrado e não saiu uma Resex ainda em nenhum território das populações tradicionais. Os quilombolas lá do Gurutuba, a Dilma aprovou para o território deles com a pressão mas não desapropriou nada das fazendas. O conflito está do mesmo jeito. Então nós gostaríamos muito que fosse regularizado nessas áreas, além dos territórios e das populações tradicionais, os quilombolas, os indígenas, e as áreas de preservação permanente. As reservas dos rios, essa questão da preservação dos recursos hidrícos, eles desmatam as áreas e infelizmente você vê que mata as nascentes e estão acabando com as nossas águas.
Vocês têm destacado a importância do cerrado para o Brasil, você pode nos relatar suas características nos territórios?
Para nós os territórios são muito importantes, porque volto a falar que eles são um patrimônio das suas populações tradicionais. O cerrado era uma área sem limites, sem cerca, ai o pessoal usava para o extrativismo tirando sua lenha, colhendo suas frutas, criando o seu gado. Você trabalha, por exemplo, fabricando rapadura e farinha e hoje o cara não tem um pau de lenha porque não pode tirar porque as empresas tomam conta. No cerrado as grandes empresas foram encurralando o povo. No oeste baiano, inclusive, eles pegaram a planície do cerrado todinha, onde é a caixa d’água, que tem a filtração para abastecer o lençol freático. Desmatou tudo e plantou soja, e agora está comprando as áreas de reservas na beira dos córregos onde as populações tradicionais vivem. Eles tiram o pessoal do cerrado de sua terra, acabando com a produção da agricultura familiar. Estão acabando com o cerrado, que é um dos biomas mais importantes que nós temos. Falam que 60% das águas brasileiras nascem no cerrado, que abastece o nosso país e até o exterior. E isso está morrendo e acabando, se não tivermos uma preservação daqui a 30 anos você vai ter que buscar o mar para tratar a água para o povo beber. Esses pequenos rios, principalmente na área do semi árido, estão acabando.
O agronegócio, pelo o que você fala, tem pricipalmente a soja e o gado nessa região.
A soja, o gado, as reflorestadoras e a questão do minério estão acabando com o nosso patrimônio. Muitas das populalções pelo menos estão lutando pelo território. Tinha área que estava ocupada pelo eucalipto e eles entraram e demarcaram o território por conta própria, e estão recuperando essas áreas que estavam perdidas e eram das reflorestadoras. você tira o eucalipto e ele faz sua regeneração com pelo menos 5 anos. Você tem piqui, mangaba, banana, tudo isso brotado já dá fruto outra vez. O cerrado é um bioma valente demais, então sua restruturação só quando desmata mesmo com herbicida que não tem como recuperar de novo.
O tema agrotóxico está presente na programação, como é isso?
Nós temos nossas sementes criolas, nossas populações tradicionais plantam. E além dos transgênicos tem a pulverização. A comunidade está aqui com a sua lavoura,e às vezes tem uma cidadezinha no meio e eles banham tudo. Aquele cara que está fazendo tem uma máscara, mas quem está lá debaixo tampa tudo e mata os peixes, tudo. E essa questão do transgênico também acaba com as nossas sementes criolas todas. Nós temos bancos de sementes, até a Embrapa está fazendo pesquisa de sementes criolas para segurar elas. Várias comunidades têm a semente há 300 anos, que vem dos ancestrais até hoje. Temos uma variedade muito grande, é a semente sustentável. Você tem que vender 10 sacos de milho para comprar um semente transgênica.
E esse encontro da Rede Cerrado, sua diversidade estava bem representada?
Temos hoje aqui uma diversidade muito interessante, deve ter mais ou menos 10 estados representados na Rede Cerrado. Além da comissão das populações tradicionais, que tem mais ou menos uns 10 estados de populações de outros biomas. A expectativa é muito boa, agora vamos ver se a gente tira uma carta de princípios para poder lutar em cima disso junto. Não individualizar, mas juntos lutar por um projeto sustentável do cerrado. Esse documento será entregue não só para o governo, mas também internacionalmente.
Compartilhada por Sonia Mariza Martuscelli e Fórum Carajás.