The New York Times*
O governo Brasileiro sancionou uma das leis de ação afirmativa mais abrangentes do hemisfério ocidental, exigindo que as universidades públicas reservem metade de suas vagas para alunos das escolas públicas e aumentando amplamente o número de estudantes universitários de ascendência africana por todo o país.
A lei, assinada na quarta-feira pela presidente Dilma Rousseff, busca reverter a desigualdade racial e de renda que há muito caracteriza o Brasil, um pais com mais pessoas de herança africana do que qualquer país fora da África. Apesar de ter dado grandes passos durante a última década para retirar milhões de pessoas da pobreza, o Brasil continua sendo uma das sociedades mais desiguais do mundo.
“O Brasil tem uma dívida história com uma grande parte de sua população”, diz Jorge Werthein, que dirige o Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos. “A democratização da educação superior, que sempre foi um sonho para os estudantes mais negligenciados das escolas públicas, é uma forma de pagar esta dívida.”
Como nos Estados Unidos, a ação afirmativa gerou controvérsia e oposição, mesmo em algumas universidades estatais que estão isentas da nova lei e têm seus próprios programas para ingresso de estudantes desprivilegiados. Críticos argumentam que cumprir a expansão das cotas prejudicará a qualidade dos sistema universitário público do Brasil, uma vez que o ensino fundamental e médio são relativamente fracos no país.
“Você não cria pessoas capazes e criativas por decreto”, disse Leandro Tessler, coordenador de relações institucionais na Universidade de Campinas.
Mas enquanto a ação afirmativa está ameaçada nos Estados Unidos, está se enraizando mais profundamente no Brasil, o maior país da América Latina. Embora a nova legislação, chamada de Lei das Cotas Sociais, deva enfrentar alguns desafios legais, já atraiu um amplo apoio entre os legisladores.
Dos 81 senadores do Brasil, apenas um votou contra a lei. Outras esferas do governo também apoiaram medidas de ação afirmativa. Numa decisão observada de perto em abril, o Supremo Tribunal sustentou as cotas raciais implantadas em 2004 pela Universidade de Brasília, que reservou 20% de seus lugares para estudantes negros e mestiços.
Dezenas de outras universidades brasileiras, tanto públicas quanto privadas, também adotaram suas próprias políticas de ação afirmativa nos últimos anos, tentando impedir que as instituições sejam dominadas por estudantes de classe média e alta educados em escolas particulares de primeiro e segundo grau. As universidades públicas no Brasil são em grande parte gratuitas e geralmente têm qualidade melhor, com algumas exceções, do que as universidades privadas.
Ainda assim, alguns especialistas em educação já estão prevendo uma transição para as melhores universidades privadas entre alguns estudantes.
“Com essas cotas, os brasileiros ricos que ficavam com as vagas não serão abandonados”, argumenta Frei David Santos, 60, um frei franciscano em São Paulo que dirige a Educafro, uma organização que prepara alunos negros e de baixa renda para os vestibulares. “Os pais deles têm dinheiro guardado, gastarão” em universidades privadas de elite.
A Lei de Cotas Sociais leva as antigas políticas de ação afirmativa a outro nível, dando às 59 universidades federais brasileiras apenas quatro anos para garantir que metade das vagas de admissão ano venham de escolas públicas. Luiza Bairros, ministra encarregada da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, disse que os funcionários esperam que o número de estudantes negros que ingressam nessas universidades aumente de 8.700 para 56 mil.
A lei obriga as universidades públicas a designarem suas vagas de acordo com a formação racial de cada um dos 26 estados brasileiras e da capital, Brasília. Nos Estados com um grande número de negros ou populações mestiças, como a Bahia no nordeste, isso poderia levar a um aumento de alunos negros nas universidades, enquanto que em Estados do sul do Brasil, como Santa Catarina, que têm maioria branca, poderiam ter relativamente poucos alunos negros.
A nova lei reconhece que o Brasil continua longe do ideal de “democracia racial” defendido pelo influente sociólogo Gilberto Freyre, que argumentou que o Brasil escapou da maior parte do preconceito e discriminação que ele testemunhou enquanto estudou nos Estados Unidos na época da segregação.
O ex-presidente do Brasil, Luiz Inacio Lula da Silva, disse numa entrevista que ele era “totalmente a favor” das cotas. “Tente encontrar um médico negro, um dentista negro, um gerente de banco negro, e você vai achar dificuldade”, disse Lula. “É importante, pelo menos por algum tempo, garantir que os negros na sociedade brasileira possam ser recompensados pelo tempo perdido.”
O censo de 2010 do Brasil mostrou que uma pequena maioria dos 196 milhões de pessoas do país se define como negra ou mestiça, uma mudança em relação às décadas anteriores nas quais a maioria dos brasileiros se denominava branca.
Ainda assim, alguns brasileiros influentes expressaram preocupação quanto à abrangência das cotas. “É importante indenizar as pessoas, mas a maneira de fazer isso não pode ser uma cópia do que foi feito num momento nos EUA”, disse Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Lula na presidência, numa entrevista. “Acho que é melhor deixar mais liberdade para que as universidades mostrem como ajustar.”
Apesar dessas reservas, autoridades brasileiras disseram que a lei significa uma mudança importante na visão de como o Brasil oferece oportunidades para grandes parcelas da população.
“O Brasil está passando por um momento extremamente positivo”, disse Bairros, ministra da Promoção da Igualdade Racial. “O próximo passo é estender esse conceito para outras áreas, como a cultura e o emprego.”
*Tradutor: Eloise De Vylder/Uol
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http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2012/09/como-nos-eua-cotas-em-universidades-brasileiras-geram-controversia-e-oposicao