Thiago Lemos
Não fiz mais do que a minha obrigação. Não entendo como um mérito. Em qualquer outra situação de racismo, eu me posicionaria da mesma forma, fosse na rua, na minha vizinhança ou na escola, como ocorreu. Foi uma obrigação de cidadã, reforçada pela responsabilidade de ser uma educadora.” O posicionamento firme contra o preconceito é da professora ainda em formação Denise Cristina Pereira Aragão, de 34 anos. No dia 10 de julho, ela pediu demissão da escola onde trabalhava em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por considerar que a direção da instituição se omitiu diante de declarações racistas da avó de um aluno contra uma criança negra de 4 anos, também estudante da unidade.
Depois do episódio, Denise Cristina diz que procurou a direção da unidade escolar para saber qual providência seria adotada. A resposta, segundo ela, surpreendeu tanto quanto o ato preconceituoso: “A diretora disse que nada seria feito, que qualquer escola tem casos de preconceito e que, se ela fosse reagir toda vez que isso ocorresse, não teria mais alunos”. A declaração foi o estopim para professora pedir o desligamento da escola e comunicar à família da menina o que havia acontecido.
A decisão de deixar o emprego não foi fácil, revela Denise, que disse ter chorado muito no caminho entre a escola e sua casa. Foi para ela o maior desafio da curta carreira como educadora, iniciada com estágios no início de 2010. Ela ligou para amigos e fez consultas na internet com medo de que, de alguma maneira, tivesse tomado a decisão errada ao deixar a instituição. Ainda se calou por dois dias, à espera de que a própria escola contasse o que havia ocorrido para os pais da menina. Porém, diante do silêncio da instituição, ela resolveu agir.
Atitude que trouxe preocupações. No apartamento simples, de três quartos, onde vive com os três filhos, em um conjunto no Bairro Novo Riacho, em Contagem, ela reúne forças para superar o episódio e traça planos para o futuro profissional. Afinal, era com o salário de pouco mais de R$ 1 mil que ganhava para trabalhar em dois turnos que ela pagava as despesas do curso de graduação em pedagogia, já no sexto período. Há 12 dias, ela divide o tempo entre os cuidados com a família e a preocupação com a renda que deixou de receber.
Apesar das dificuldades financeiras, ela não se arrepende. “Se a escola tem esse pensamento, não é lá que eu quero trabalhar. Vai contra tudo o que eu penso como cidadã e educadora”. Viúva pela segunda vez há nove meses, os gastos com o apartamento e os três filhos, de 8, 14 e 15 anos, não fazem parte da angústia, já que são custeados pelas pensões que recebe do pai da filha mais velha e do ex-marido, com quem teve um menino e uma menina.
Vinda de uma família onde a descendência italiana era dominante no lado paterno e de negros por parte da mãe, Denise é a filha caçula. Durante as mais de três décadas de vida, o tom escuro da sua pele nunca foi alvo de preconceito, garante. Mas já teve de lidar com a questão quando a filha mais nova foi alvo de comentários pejorativos que partiram de uma colega.
Integridade é arma contra o preconceito
A gravidez aos 19 anos impediu que Denise Cristina Pereira Aragão concluísse os estudos no tempo convencional. O segundo grau completo só veio aos 25 anos, por meio do Projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA). A atração pelo magistério veio por influência da irmã mais velha, pedagoga. Já a indignação contra o racismo, para ela, faz parte da educação e do caráter. Denise garante que não é pelo fato de ter descendência negra que se revoltou diante do caso na escola, mas, sim, por entender que todos são iguais.
Se a postura firme sempre fez parte da vida dela, Denise ressalta que, como educadora, tem compromisso fundamental com a formação das crianças, principalmente nos primeiros anos de aprendizado. E defende que a questão racial deve ser debatida com muita clareza na escola e nas famílias, para evitar a intolerância racial.
“Por onde passei, sempre notei a escassez de alunos negros. A garota que foi vítima da intolerância era a única negra da sala. Quando ela chegou, em abril, fui questionada por algumas crianças porque ela era ‘diferente’. Expliquei tudo, sobre a África, como os negros chegaram ao Brasil, a importância deles na construção do país e do respeito, que tem de ser igual para todos. ”
A professora critica a falta de uma disciplina nos cursos de graduação em pedagogia que ensine os educadores a lidar com a questão racial. Ela acredita que a consciência nas crianças deve ser despertada pelos pais, mas que é preciso haver o reforço nas escolas, já que é nesse espaço que elas vão conviver com pessoas de raças diferentes.
Apelo à conscientização
Passadas duas semanas desde que o fato ganhou os noticiários, o delegado Juarez Gomes da 4ª Delegacia de Polícia de Contagem, concluiu na sexta-feira o inquérito sobre as ofensas sofridas pela criança de 4 anos. Ele indiciou por injúria qualificada Maria Pereira da Silva e enviou os documentos à Justiça. A professora Denise Cristina minimiza a importância da punição, dizendo que o mais importante foi o alerta gerado pelo caso, e espera que tudo colabore para a reflexão das pessoas e também para que os ofendidos busquem e defendam seus diretos.
A professora lamenta que o preconceito racial ainda seja comum na sociedade. Um luta que ela acredita estar só no começo. Para a educadora, cada esforço, mesmo que isolado, como o dela, é fundamental para que a intolerância com as diferenças chegue ao fim. “Penso que Deus não colocou essa situação na minha mão sem um propósito. Ele sabia que eu não iria ficar calada. Aquela senhora, já com 54 anos, deve ter humilhado muitas pessoas e agora chegou a hora de pôr um fim nisso.”
Parabéns professora Cristina pela sua atitude. Essa coragem deveria fazer parte de todas as pessoas que não são racistas. Somente assim alguma coisa poderia mudar. Seu feito, com certeza, fez muita diferença.