Polícia Civil marca depoimento das testemunhas que teriam presenciado insultos racistas contra menina de 4 anos em escola de Contagem. Crimes do tipo têm aumento no estado
Pedro Ferreira
A batalha por Justiça da atendente de telemarketing Fátima Adriana Viana da Silva de Souza, de 41 anos, que denunciou racismo contra a filha de 4 anos, começa a ter resultados. Às 9h de segunda-feira, a Polícia Civil interroga testemunhas no inquérito que apura o crime. Uma delas é a professora Denise Cristina Pereira Aragão, de 34, que no dia 10 presenciou uma mulher identificada por Mariinha invadir o Centro de Educação Infantil Emília, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e aos gritos chamar a menina de “negra e preta horrorosa e feia”. A atitude da acusada, avó de um dos alunos, teria sido motivada pela escolha de uma criança negra para dançar quadrilha com o neto. Indignada com a atitude da dona e diretora da escola, que não tomou qualquer providência para defender a aluna e tentou abafar o caso, Denise Cristina pediu demissão. Além dela e da mãe da criança, o delegado Juarez Gomes vai ouvir a diretora, Joana Reis Belvino, e a acusada, que não teve o nome completo divulgado. Uma quinta testemunha será ouvida terça-feira, quando o inquérito será concluído e encaminhado à Justiça.
Em Minas, denúncias de racismo aumentaram 9,3% de janeiro a junho deste ano, com registro de 129 boletins de ocorrência, contra 118 casos no mesmo período do ano passado. Em todo o ano de 2011 foram registradas 244 ocorrências. De acordo com a coordenadora de Promoção da Igualdade Racial de Contagem, Maria Goreth Costa Heredia Luz, esse tipo de crime acontece quase todos os dias, mas as pessoas se calam e não denunciam por medo de represália ou vergonha. “Sofrem caladas”, disse Maria Goreth, que está reforçando a campanha “Por uma infância sem racismo” nas escolas públicas, particulares e movimentos negros de Contagem. “Sou educadora e percebo que isso acontece a toda hora entre os alunos na sala de aula, mas os professores não sabem como agir”, disse.
Delegacia
O coordenador do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, Cléver Machado, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), lamenta a extinção em Belo Horizonte da Delegacia Especializada em Crimes Raciais. Ela foi criada por meio de portaria em 1996, segundo ele, e extinta por falta de demanda. No mês passado, a reativação da repartição foi pauta em reunião plenária do conselho e a proposta será levada à Secretaria de Estado de Defesa Social e à Polícia Civil. “O conselho está pleiteando que a divisão seja criada novamente, para receber não apenas crimes raciais, como também de homofobia, preconceito religioso, xenofobia e crimes relacionados a torcidas organizadas”, disse Cléver. O secretário adjunto de Defesa Social, Denilson Feitoza, disse que não há uma proposta formal para isso, mas que considera a ideia interessante, sobretudo com o advento da Copa do Mundo de 2014.
Segundo Cléver Machado, muitos casos de racismo não são levados adiante. “As pessoas têm medo de denunciar, outras não o fazem por vergonha ou desconhecimento sobre onde procurar seus direitos”, disse. Ele lamenta que o episódio de Contagem envolva denúncia em um espaço escolar, onde as crinças deveriam ser protegidas. “As coordenadorias estadual e municipal de Promoção da Igualdade Racial estão se preparando para capacitar professores. A própria Lei Federal 10.639/2003 prevê que as culturas africana e afrobrasileira sejam incluídas no currículo das escolas. Essa seria uma das medidas para que se evite o racismo e se faça com que as crianças tenham uma atitude diferente dos adultos atuais, que são racistas, intolerantes e homofóbicos”, disse Cléver. “É preciso que o profissional da educação esteja preparado para repassar às crianças esses valores humanistas e promover a paz, tolerância e respeito”, disse Cléver, lembrado duas campanhas lançadas em Minas em maio, por uma infância sem racismo, em parceria com a Unicef, e contra a intolerância religiosa.