A comunidade quilombola do Rio dos Macacos, em razão da Nota de Esclarecimento emitida pela Marinha do Brasil, datada de 13 de junho de 2012, deliberadamente omissa aos fatos que reiteradamente vem acontecendo na comunidade, vem a público prestar os seguintes esclarecimentos:
1. No termo de doação datado de 1954, apresentado pela MB, fica compromissado que a União indenizaria os eventuais posseiros que residiam no território. Desafiamos a Marinha do Brasil a apresentar os documentos referentes aos processos de indenização das 60 famílias quilombolas expulsas do seu território, à época, para construção do condomínio da Vila Naval.
2. No mesmo termo de doação, há condicionante para a construção da barragem. A MB, deliberadamente, esconde do público que a barragem deve obrigatoriamente servir para o abastecimento de água para os bairros de Paripe, Tubarão e São Tomé de Paripe, e não somente para o condomínio da Vila Naval. Desafiamos a MB a comprovar que cumpriu a referida condicionante, sem a qual, a doação se torna inválida.
3. A referida Ação Reivindicatória indica como “réus invasores” diversos moradores que nasceram e se criaram no território do quilombo; por outro lado, como seria possível haver “ocupação não consentida” em uma área que a própria MB alega tratar-se de “Segurança Nacional”, fortemente patrulhada por fuzileiros, conforme comprovado pela imprensa e diversas autoridades que estiveram presentes ao local? Rio do Macaco é uma comunidade tradicional e secular, que viveu durante muito tempo em seu território de forma a preservar a sua identidade. Nós não somos invasores!
4. A Marinha do Brasil acusa a nossa comunidade, impedida de plantar e colher em seu próprio território, de degradação ambiental; não apresenta, entretanto, provas concretas, além de um relatório apresentado pela própria MB, no qual ignora que a degradação ambiental do Rio dos Macacos fica por conta dos dejetos oriundos do condomínio da Vila Naval, devidamente registrado em vídeos e fotografias por moradores da comunidade.
5. A MB afirma que a área “é estratégica para a Defesa Nacional”, sem especificar qual interesse público está envolvido, além de se contradizer ao atribuir à comunidade, de forma irresponsável e caluniosa, autoria de dano ambiental nos mananciais, sendo que ao mesmo tempo demonstra interesse em incluir o território em seu plano de expansão das unidades militares. Há de se questionar o que tem mais potencial de causar degradação ambiental: a construção de unidades militares (prédios e outras estruturas residenciais) para abrigar as famílias dos militares ou uma comunidade quilombola que sobrevive basicamente do extrativismo sustentável e da agricultura familiar de subsistência?
6. A MB afirma “colaborar para uma solução pacífica e célere que atendesse aos interesses de ambas as partes”, informando que colocou à disposição da comunidade um terreno a 01 km do local. No entanto, além de não levar em consideração o nosso desejo e nosso direito de permanecer em nossa terra, em nenhum momento este projeto foi apresentado de forma oficial, o que reitera a prática da Marinha do Brasil de não cumprir os acordos “informais” até então firmados, como o não uso da violência e o fim do patrulhamento ostensivo no território do quilombo.
7. O relatório apresentado pelo IBAMA repete os mesmos termos dos relatórios internos na Marinha, tratando comunidade quilombola por “invasores”, o território tradicional como “área de segurança nacional”. Surpreende que um órgão cujas atividades de tão relevante interesse público se submeta a uma versão deturpada pela MB; da mesma forma, a EMBASA (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), forneceu relatório para a MB informando que não haveria possibilidade de ter água encanada no território quilombola, em razão da rede de água estar a 3000m da comunidade. Na verdade, a comunidade encontra-se a poucas dezenas de metros do condomínio da Vila Militar, que possui saneamento básico, água encanada e energia elétrica. Além disso, se não é viável a construção de uma estrutura de rede de esgoto e água encanada, como é possível explicar a pretensão da Marinha em expandir, para o território quilombola, a Vila Militar com o intuito de abrigar famílias de Oficiais?
8. No dia 28 de maio, a MB mobilizou dezenas de fuzileiros navais para derrubar a casa de um dos moradores do quilombo, que reformava sua casa que havia desabado em razão das chuvas, e que residia na casa de um vizinho, juntamente com a família. O fato foi fartamente registrado pela imprensa, inclusive com fotografias, além da presença na referida data de autoridades, movimentos sociais e defensores que puderam confirmar a veracidade das denúncias de violência contra crianças, adultos e idosos. O Comando da MB tomou uma decisão ilegal e imoral ao utilizar-se dos fuzileiros navais contra civis, sem autorização judicial, já que na própria Nota afirma que somente no dia 31 de maio houve manifestação oficial da Justiça Federal.
9. As denúncias de sistemática violência, ao longo de quatro décadas, estão presentes nos relatos de idosos, crianças e adultos que nasceram e se criaram no local. Nos últimos meses, foram fartamente registradas por fotografias, documentos, assim como pelas autoridades que estiveram presentes ao local, como a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Além disso, todas as situações de violação de direitos humanos foram denunciadas ao Ministério Público Federal, que instaurou Inquérito Civil Público para apurar as irregularidades e elaborou Recomendação para que o Comando do 2º Distrito Naval da Marinha do Brasil deixasse de adotar medidas de coação física ou moral ilícitas em detrimento dos moradores. Para apurar as denúncias, a MB abriu diversos Inquéritos Policiais Militares (IPM), presididos por prepostos da própria Marinha, que os utilizou para intimidar os membros da comunidade que denunciaram os abusos, sendo que foram todos arquivados.
10. A Marinha do Brasil, até o lançamento da referida Nota, ao contrário do que afirma, manteve-se em absoluto silêncio sobre esta grave situação. O Governo Federal, por sua vez, tem se recusado a atuar no sentido de coibir as freqüentes violações de direitos humanos pela MB, nas diversas reuniões entre a comunidade quilombola e representantes do governo, seja em Brasília, seja no próprio território do quilombo. Ainda assim, houve compromisso de representantes da Secretaria Geral da Presidência da República de que não haveria remoção da comunidade, declarações que estão gravadas e registradas em matérias na imprensa.
A comunidade quilombola do Rio dos Macacos, que luta há 40 anos pela permanência em seu território tradicional, conta com o apoio de diversas entidades, movimentos sociais, a nível nacional e internacional. É dever do Estado Brasileiro, que até o momento se mantém omisso na apuração isenta das violências sistemáticas contra a comunidade, identificar e tomar as providências necessárias em relação aos responsáveis por elas, além de garantir a titulação do território da comunidade, conforme art. 68 do ADCT da Constituição Federal e Decreto 4.887/2003.
Simões Filho, 25 de junho de 2012
ASSOCIAÇÃO DOS REMANESCENTES DO QUILOMBO DO RIO DOS MACACOS
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