Programa de índio

Indígena tem direito aos benefícios sociais e à proteção de suas terras

Christiane Batista*

Sexta-feira, quase dez horas da manhã. Ana Maria Braga recebe em seus estúdios globais impecáveis uma turma indígena gorda e ricamente paramentada, nas mãos violões de fabricação cara-pálida. Trazem como curiosidade uma pajé feminina que abençoa Ana Maria em pajelança ao vivo, mas com relógio no pulso para não perder a hora.

TV Justiça, programa Repórter Justiça, nove de junho. “A cidadania indígena tem base na Constituição, com os mesmos direitos que todo brasileiro tem. Ou seja, o indígena tem direito a ter documentação, título de eleitor e participar das políticas sociais do Brasil”, diz a Funai. Por sua vez, o TSE afiança aos índios isolados o “direito” ao alistamento eleitoral e ao voto.

Na Rio +20 índio também sabe gritar, indígenas participam da Cúpula dos Povos – realizada bem longe da cúpula oficial, a 40 km – e protestam contra a construção da gigantesca represa de Belo Monte, no rio Xingu, de onde vêm aterradoras notícias sobre condições sanitárias e conflituosas de sua população local. A única água de beber dos índios vem do rio Xingu, hoje com duas ensecadeiras barrando e mudando sua cor para marrom estagnado. As matas que protegiam as margens do rio foram arrancadas, sobrando apenas uma grande área nua de terra revolvida em 100 km de impacto ambiental severo e atingindo cerca de dois mil índios do local. Fora desta conta está a população não-índia.

Mais além, relatório divulgado este mês pelo Conselho Indigenista Missionário que é vinculado à CNBB, denuncia grande número de mortes de crianças índias com até 5 anos ocorridas em função de desnutrição, diarréia e pneumonia. De um modo geral, a assistência à saúde dos povos indígenas, de atribuição da Secretaria Especial de Saúde Indígena se encontra em estado precário em todas as regiões, relata o CIMI. “No Amazonas, isso se torna ainda mais grave devido às dificuldades para alcançar as aldeias mais distantes.

No vizinho Mato Grosso do Sul 1.200 famílias indígenas estão hoje acampadas à beira de rodovias à espera da restituição de suas terras na região de conflito. Há anos crianças e idosos são feridos gravemente em reiterados ataques de fazendeiros; caciques são espancados e mortos. Esta situação não tem sensibilizado a opinião pública da mesma forma como a dos indígenas afetados por obras de infraestrutura na Amazônia. É a atitude avestruz do governo federal diante de assuntos difíceis.

Porém, nem tudo está perdido, os índios e índias sobreviventes na região têm garantida sua cidadania, o título de eleitor está na mão, providenciado diligentemente pelo governo federal que leva até às tribos mais remotas a urna para votação. É lindo de se ver, a urna viajando no dia de votação, ora na chalana, ora na canoa, depois no jegue. Estou certa de que você já viu uma imagem assim na televisão.

Segundo o IBGE, são índios só 0,4% de nós brasileiros. Estão por perto desde que nos entendemos por gente, estão por aí desde sempre. E só agora, este mês, foi criado o Comitê de Gestão Integrada de Atenção em Saúde e Segurança Alimentar para a População Indígena. O nome é só glamour e tem o objetivo de reduzir a mortalidade materna e infantil entre os indígenas e acerca dele a presidenta Dilma Rousseff declara: “O que nos move a fazer isso é a certeza de que nós precisamos dar um tratamento especial à questão da saúde indígena”.

É , acho que não contaram isso só para ela, pois já existem tantos comitês, frentes, projetos, políticas, gestões de apoio ao indígena por aí, governamentais ou não… Tem a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, tem o Projeto de Lei (PL 1610/96), que regulamenta a mineração em terra indígena, tem a implementação de um fundo estadual (já criado por lei) destinado a indenizar áreas em MS, tem a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, tem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, tem a Secretaria de Saúde Indígena subordinada ao Ministério da Saúde, tem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que atua na questão… Olhando assim, parece que todo dia é dia de índio mesmo.

A pajelança de Ana Maria me pareceu mais uma esquete sem propósito, onde ela foi a estrela alienada e díspare da real situação do índio no Brasil. Talvez até festa à fantasia. Quanto à TV Justiça, alguém não entendeu a frase “a justiça é cega”. Cega por não querer ver que o índio necessita do acesso ao sanitarismo, noções de higiene, vacinas, educação preventiva séria na área da saúde e proteção de suas terras.

A urna eletrônica e o título de eleitor têm a imagem assim meio nonsense diante de todo o resto, parecem aqueles espelhos trazidos pelos portugueses na colonização.

*Bacharel em Direito e acadêmica de Letras na UFMT

http://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=262&cid=124253

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