CE – Barragem do Figueiredo soma rombo de R$ 13,5 mi

Superfaturamento e possível corrupção passiva de servidores do Dnocs comprometem andamento das obras

Potiretama – Passados dez anos desde o início dos cadastros para remoção das casas, dezenas de famílias atingidas pela barragem do Figueiredo continuam aguardando uma solução. Já foram várias promessas em meio a uma das obras mais irregulares do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) na atualidade, segundo a Controladoria Geral da União (CGU), dando conta de que R$ 13,5 milhões podem ter sido desviados por meio do superfaturamento na obra. O Ministério Público Federal investiga possível corrupção passiva de servidores do Dnocs no processo indenizatório. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre MPF e governos estadual e federal dava dezembro de 2010 como último prazo para tudo ter sido resolvido. Ainda hoje sem receber indenização nem novas casas e também não poderem receber financiamento público para trabalhar (porque a área será inundada), moradores de comunidades dos Municípios de Iracema e Potiretama passam fome e sede.

A Barragem do Figueiredo é uma obra do Dnocs dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Está parada há dois anos deste que a Justiça Federal determinou que só vão continuar a obra quando as famílias que estão dentro da área que será inundada forem devidamente removidas e indenizadas. Não foram até hoje. Com exceção dos proprietários das terras maiores, as famílias mais pobres, que historicamente habitam benfeitorias, seguem num impasse que já vai completar dez anos.

Era final de 2003 quando seu Osmar Francisco Moura recebeu a visita do Dnocs para iniciar o cadastro que organizaria a sua saída da comunidade de Lapa, em Potiretama, que será inundada quando a parede da barragem for fechada. De lá para cá foram várias visitas, mas até hoje nada. Vai fazer uma década que o agricultor aguarda a indenização de R$ 5 mil para deixar a casa onde vive, perto de onde plantava e criava. “Um dinheiro desse hoje não dá pra comprar nem um pedaço de chão”, reclama ele. Não bastasse a demora para receber a “micharia”, ele e outras dezenas de famílias das comunidades de Boa Esperança e Lapa (em Potiretama) e São José (em Iracema) não podem mais produzir na terra porque “agora é do Dnocs”. Nem financiamento bancário é possível fazer. “Nem tiram a gente, indenizam, colocam noutro lugar, nem deixam a gente trabalhar. É um absurdo isso. Nós fomos esquecidos”, conta a agricultora Maria Alves de Oliveira, presidente da Associação de Moradores da Lapa. Essa situação (incluindo a promessa de concluir tudo em dezembro de 2010) já foi conferida de perto em matérias neste jornal.

Mais pobres

Curiosamente, quem tem mais terras já foi indenizado, portanto a situação atinge principalmente os mais pobres. Mesmo assim, a Justiça Federal recebeu denúncia sobre subvalorização das áreas indenizadas. É o caso de Francisco de Paulo Holanda, conhecido por “Paulo Horácio” (era esse o nome do pai): por uma área de 375 hectares, constituída de um açude, quatro grandes poços subterrâneos, cinco casas, dois armazéns, onde era processado milho e feijão que lá mesmo se produzia em sequeiro, o homem recebeu uma indenização de R$ 240 mil. O vizinho dele, Agostinho Fernandes Holanda, com quase a mesma quantidade de terra, não recebeu ainda a indenização, mesmo tendo todos os documentos da terra.

Parte das famílias atingidas pela barragem do Figueiredo deve ser removida para agrovilas, que são espaços construídos em áreas próximas às que serão as margens do açude. Essa parte é da responsabilidade do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), em convênio firmado com o Dnocs.

Mas além de a obra estar parada (o Idace aguarda segunda parcela do Dnocs), também foram encontradas irregularidades: o material utilizado teria sido de baixa qualidade, e mesmo antes de receber as famílias, algumas casas precisam ter portas e vigas de madeira trocadas.

As casas foram construídas em regime de mutirão como acontece em áreas urbanas, sem obedecer orientações normativas que entende ali serem pessoas do campo, e que a distância entre as casas deve considerar o espaço para plantio ou criação.

O desembargador Gercino José, da Ouvidoria Agrária Nacional, está pedindo esclarecimentos ao Dnocs e ao Idace sobre o processo de regularização fundiária nos atingidos pela Barragem do Figueiredo.

Enquanto isso, a casa de seu Osmar está literalmente caindo sobre sua cabeça, “porque eu não vou tentar fazer uma reforma numa coisa que vai ser demolida”. E mesmo que quisesse, o homem não podia.

A situação em casa está “braba”. Não pode mexer na terra em que nasceu, nem sabe se quem chega primeiro a sua casa: a indenização ou as águas do Açude Figueiredo.

Mais informações

Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs)
Telefone: (85) 3391.5105
Defensoria Pública da União
Telefone: (85) 3474.8750

Retomada das obras deveria ter ocorrido desde 2010

Famílias ainda aguardam indenizações. Curiosamente, os proprietários com menor poder aquisitivo são os que ainda esperam por definição. Não podem reformar as casas e não sabem quando serão transferidos

Após auditoria em obras públicas do Dnocs no País, a Controladoria Geral da União encaminhou à presidência da república relatório apontando uma série de irregularidades na obra da Barragem do Figueiredo. Em valores, ao menos R$ 13,5 milhões de prejuízo direto. Quando o relatório ficou pronto, o então diretor do Dnocs, Elias Fernandes, negou irregularidades, mas demitiu a direção da comissão que acompanhava a obra. Depois o próprio Elias Fernandes foi demitido pelo Ministro da Integração Nacional, por orientação da presidente Dilma. O canteiro de obras da barragem está abandonado. Dnocs diz que a obra deve ser retomada ainda neste ano. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Federal é desobedecido há um ano e oito meses. Previa multa diária de R$ 1 mil.

A Barragem do Figueiredo foi uma das primeiras obras do Dnocs avaliadas na mais recente auditoria realizada no órgão. O primeiro questionamento dos auditores foi a falta de informações referentes a desapropriações, cadastro e reassentamentos de terra no relatório da Procuradoria do Dnocs. Depois foi verificado que o relatório da empresa de consultoria tinha sido em parte copiada do próprio relatório de supervisão do Dnocs. O relatório também aponta pagamento indevido de equipamentos por inobservância dos critérios de medição, inclusive nas escavações, com erros nas explosões com dinamite. O pagamento indevido decorrente das medições teriam totalizado R$ 1,7 milhão. O Dnocs chegou a reconhecer falhas apontadas pelo relatório, mas que situações de sobrepreço não chegaram a ser pagas à empresa construtora.

No ano de 2010, diante da ação de fechamento da barragem e com as famílias ainda morando na área a ser inundada, esses moradores ocuparam o canteiro de obras, como forma de pressionar o Dnocs a concluir as indenizações e suas casas. As obras sofreram um mês de paralisação e a Queiroz Galvão pediu indenização de R$ 3,4 milhões.

A auditoria considerou o pagamento irregular, uma vez que no contrato da obra já são previstos custos “eventuais”. Os auditores apontaram ainda “inércia do diretor geral do Dnocs” (à época, Elias Fernandes) quanto a definição de contratação dos serviços de desmatamento na barragem, “gerando incerteza física e financeira para a conclusão do empreendimento, além de existência de superestimativa e sobrepreço no projeto básico de desmatamento no valor de R$ 13 milhões. Essa e outras denúncias totalizariam um pagamento indevido de ao menos R$ 17 milhões. Hoje no Dnocs pouco se fala sobre o problema. Nem mesmo os diretores de departamento quiseram falar com a reportagem. “Esse assunto é só com o nosso diretor-geral”, afirmou um deles. O diretor-geral, Emerson Fernandes, não foi encontrado pela reportagem.

MELQUÍADES JÚNIOR – REPÓRTER

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1144151. Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva.

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