Queria escrever um balanço de 2011 dedicado aos leitores e leitoras deste blog. Às pessoas que o visitam eventualmente; àquelas que dialogam com ele, fazendo comentários públicos ou particulares; às que assinam seus boletins; às que os recebem compulsoriamente, por fazerem parte de listas para as quais eles são enviados; às que também colaboram enviando denúncias, artigos, textos e informações. Acima de tudo, entretanto, queria escrever algo para aquelas que, quando se torna necessário apoiar ou protestar, não se fazem de rogadas, sejam ou não parte do GT Combate ao Racismo Ambiental. E muitas, inclusive, assumem como suas as tarefas de repassar o pedido e de colher ainda outras assinaturas, dos seus universos particulares.
2011 foi um ano duro, em minha opinião. Um ano de muita luta e de algumas vitórias, mas muito abaixo do que esperávamos e necessitávamos.
Belo Monte continua a ser construída, enquanto outros rios da Amazônia são agraciados com promessas do mesmo destino reservado ao Xingu. O São Francisco luta para não apodrecer, entre obras inconclusas e uma prometida recuperação que nunca se faz presente. O eucalipto, a soja e a cana cada vez mais uniformizam a “paisagem”, num verde indesejável que tenta encobrir do agrotóxico ao trabalho escravo, sem sequer esconder as expulsões e o desmatamento do passado.
Mato Grosso do Sul mantém seu orgulhoso troféu de recordista em genocídio indígena, agora transformado em “desaparecimentos”. Com ou sem UPPs, as favelas continuam a acolher um outro genocídio: o de jovens negros, principalmente. Nos embates pelo território, quilombolas, extravistas e sem terras são também alvos para jagunços e fazendeiros, nesses casos com destaque para o Pará.
Enquanto isso, no chamado Congresso Nacional a bancada ruralista comemora vitórias ante nossos retrocessos, começando pelo Código Florestal. As conquistas quilombolas continuam sob ameaça. Os evangélicos fundamentalistas ganham cada vez mais poder, com votos que chegam a buscar legitimar até mesmo atentados aos direitos humanos e crimes como a homofobia.
A Justiça escarnece não só de nós, míseros mortais, mas mesmo daqueles e daquelas que, dentro do próprio Sistema e como seus operadores, buscam democratizar seus aparelhos e fazer face ao corporativismo e à impunidade que grassam nos tribunais e nas vidas de boa parte dos “meritíssimos”. São “ladrões escondidos sob as togas”, como expressou Eliana Calmon, capazes de “socializar” a impunidade para diferentes colarinhos bancos, empresas contaminadoras e assassinas, fazendeiros e seus jagunços. Lutar pela decência e pelo direito, na atribuição de seu cargo de Corregedora do CNJ, está lhe custando caro. Quase tanto quanto a Felício Pontes, outro que leva a sério seu papel no Ministério Público.
Enquanto ministros entram e saem num Executivo esquizofrenizante, na mistura de pessoas dignas do maior respeito com pilantras que devem seus cargos exclusivamente aos arranjos partidários, fica cada vez mais difícil balançar positivo e negativo e ter claro qual o prato que pesa mais. Nos livramos do Tucano, mas continuamos a ter, na chamada Defesa, um ministro que não consegue dizer à gloriosa Marinha de Guerra que a escravidão acabou. Assim, ela mantém como reféns duas comunidades quilombolas: uma na Marambaia, Rio de Janeiro, e outra nas cercanias de Salvador, na Base de Aratu, onde a Presidenta passa seus dias de merecido descanso.
Um descanso pertinho da comunidade de Rio do Macaco, que tem pouco mais de dois meses ainda para encaminhar seu processo de titulação e evitar a expulsão do território onde nasceram pessoas hoje com 104 anos! Curiosamente, nem mesmo os funcionários do INCRA responsáveis pela medição e delimitação do território quilombola foram autorizados até agora a iniciar seu trabalho, embora estejam tentando fazê-lo desde o dia 6 de dezembro. E quem impede que um órgão público federal cumpra com os seus deveres e faça o serviço público para o qual foi criado? A gloriosa Marinha, que parece levar ao pé da letra os versos “navegar é preciso, viver não é preciso”. Exceto, claro, quando se trata de expandir o perímetro reservado para a construção das casas e melhorar a qualidade de vida de seus oficiais e praças.
E é ao lado de tudo isso, é convivendo diariamente com essas pessoas da chama Base Naval de Aratu, que a Presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher eleita para o cargo no País e com um compromisso público e crível de ter como alvo acabar com a miséria, está passando suas férias…
A utopia nos move; a esperança nos dá alento.
Se estamos longe de conseguir tudo o que queremos, algumas vitórias foram conquistadas. A mobilização que, em menos de uma semana, culminou na criação do Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul (CONDEPI), por dezenas de entidades locais, estaduais e nacionais, mostrou a capacidade de articulação e de resposta da sociedade civil organizada. E vale mencionar, nesse caso específico, a parceria da Defensoria Pública na defesa dos Guarani-Kaiwá.
No campo da academia, ressaltemos a corajosa postura de pesquisadores da Fiocruz e da UERJ na defesa das comunidades de Santa Cruz e contra a TKCSA. Deles, como sabemos inclusive pelos abaixo-assinados que apoiamos, três estão sendo processados pela empresa que trouxe para nós a contaminação que não poderia fazer na Alemanha: Hermano de Castro, do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador da ENSP; Alexandre Dias Pessoa, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; e Mônica Lima, da UERJ.
Finalmente, um exemplo emblemático nos foi dado pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, na sua parceira com quilombolas, vazanteiros, geraizeiros e povo indígena Xacriabá. Na “retomada” da RDS de Pau Preto (hoje Arraial do Meio), que havia sido transformada num parque estadual intocável e inabitável, Luciano, filho de Carlinhos Dayrell, filmou o momento em que a primeira estaca foi fincada. Com ela, um grito partiu do rosto negro que a enterrava no chão: “Quilombolas e Vazanteiros unidos jamais serão vencidos”! Foi também a partir da ação do CAA, agora com a ajuda do Observatório de Favelas, que surgiu o blog Vazanteiros em Movimento, mostrando a preparação e a “retomada”. No blog, vemos também o que aconteceu depois, incluindo a visita da Defensora Pública e do Supervisor regional do Instituto Estadual de Florestas, reconhecendo que havia sido o estado de Minas o invasor do território.
É essa solidariedade que nos dá alento, que nos realimenta, que nos diz que é possível mudar comportamentos e realidades. E é com ela que faço meus votos de que 2012 seja um ano muito mais amoroso conosco, em todos os sentidos. Quem sabe na estadia de Dilma entre os marinheiros de Aratu o espírito da jovem dos anos de chumbo consiga estabelecer algo de novo entre eles e os quilombolas de Rio do Macaco, em termos de respeito e, até, de solidariedade… Sonhar é de graça!
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MEUS PARABENS PARA VCS QUE COM ESSE TRABALHO TENTAM MUDAR ALGUMA COISA NESTE PAIZ.
ESPERANDO QUE O ANO DE 2012 LUZES NOVAS E MAIS BRILHANTES SE ACENDAM NA NOSSA TERRA.