Mais de 5 mil pessoas serão diretamente prejudicadas pela construção do porto
Patrícia Benvenuti
Um projeto “surreal”, que servirá para o interesse de grandes empresas e deixará como saldo diversos impactos sociais e ambientais. É assim que o diretor do Instituto Floresta Viva e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Rui Rocha, classifica o Complexo Intermodal Porto Sul, em Ilhéus. Orçado em 2,4 bilhões de reais, o empreendimento deverá se localizar no distrito de Aritaguá – uma área onde vivem diversas comunidades de pescadores e agricultores.
O porto será conectado à Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que já está em construção, e sairá de Figueirópolis (TO), percorrendo 1.527 quilômetros. A estrutura logística é a grande obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Bahia.
Segundo Rocha, mais de cinco mil pessoas serão diretamente prejudicadas pela construção do porto. As consequências ambientais e sociais, porém, não deverão ficar restritas à área do empreendimento, espalhando prejuízos para as cidades do entorno.
Em entrevista ao Brasil ao Fato, Rocha fala mais sobre os impactos do projeto e defende o incentivo a atividades econômicas que não prejudiquem as comunidades da região. Confira a entrevista.
Qual tua avaliação a respeito do Porto Sul?
O Porto Sul é um projeto surreal, desenhado pelo governo da Bahia, que afeta sistêmica e negativamente a região escolhida para abrigá-lo e fere princípios democráticos porque foi desenhado sem nenhum tipo de consulta pública que contribuísse no planejamento territorial. É um desperdício de dinheiro público para beneficiar uma empresa internacional que vai criar problemas muito sérios para a área urbana e rural de Ilhéus atingida por esse complexo logístico. Eu considero o Porto Sul uma caricatura emblemática de modelo equivocado de desenvolvimento que ainda adotamos no Brasil em pleno século 21.
O Relatório de Impacto Ambiental cita diversos impactos que ocorrerão caso o porto seja instalado. Tu poderias comentar alguns desses impactos?
Não vou me ater à grande diversidade de impactos, mas me concentrar em alguns que chamam muito a atenção. Na área social, cinco mil pessoas que estão na área atingida pelo Porto Sul vão sofrer diretamente algum tipo de reassentamento ou de mudança profunda no modo de vida. Além disso, Ilhéus sofrerá conseqüências muito sérias por conta de demandas que o projeto pode trazer e que vai ampliar os problemas públicos que a cidade já enfrenta na área de saneamento básico, sistema viário, saúde, educação etc.
Na área econômica, a gente vê que o projeto já está criando uma série de ‘deseconomias’ porque afeta economias locais, como turismo, pesca, agricultura, e o potencial de conservação da região, que está conectado com essas economias. Inclusive são economias hoje ativadas por políticas públicas e que envolvem dezenas de milhares de pessoas. O porto é um investimento de vulto, na ordem de bilhões, mas que tem um viés econômico restrito ao setor de mineração, ligada a uma empresa internacional, do Cazaquistão, mas que desagrega e destrói as oportunidades econômicas reais que existem hoje ali.
Na área ambiental, o impacto do projeto é muito alto. Ele interrompe um corredor ecológico, afronta uma Área de Proteção Ambiental porque ele está exatamente dentro de uma, e adentra uma área de altíssima biodiversidade, com muitas espécies ameaçadas de extinção. Além disso, afeta as condições de vida da população que tem na natureza e tem nesses ambientes naturais sua fonte de sobrevivência.
O Estudo de Impacto Ambiental também afirma que a maioria desses impactos poderá ser mitigado. Tu concordas com essa avaliação?
Não, porque a capacidade de mitigação e diminuição desses impactos não foi comprovada no estudo de impacto. Por exemplo, quando o estudo aponta necessidade de reassentamento, não tem mitigação disso. Quando se fala em erosão costeira, não tem projeto de mitigação. Os projetos apontados são inconsistentes, não são tecnologias seguras de mitigação.
Quantas pessoas deverão ser impactadas na região de Ilhéus pelo porto?
Mais de cinco mil pessoas serão atingidas e sofrerão mudança profunda de sua vida como reassentamento e mudança de atividade econômica, inclusive sem cenário de nova atividade. Pessoas que estão na agricultura não têm possibilidade de trabalhar no porto, e não existe nenhuma atividade nova na economia a ser provocada pelo porto que possa absorvê-los. São pessoas que podem ficar realmente marginalizadas, que têm um vínculo com a terra, o rio, o mar, a cultura econômica tradicional e que vão ficar desalojadas física e culturalmente. Na cidade de Ilhéus, a vida das pessoas em geral vai sofrer algum tipo de deterioração por conta de um grande projeto desses – deterioração de serviços públicos, migração desordenada. Você está atingindo, em linhas gerais, mais de 200 mil pessoas nessa região do Porto Sul.
Como tem se dado a participação popular nesse processo de instalação do porto?
Os setores mais críticos, os setores mais sensíveis ao projeto praticamente foram marginalizados e excluídos de qualquer processo de planejamento porque o governo se negou a discutir com comunidades atingidas alternativas, soluções de engenharia efetivas para esse projeto. Houve um processo de marginalização e de exclusão daqueles que seriam protagonistas em um debate mais sério sobre o projeto.
As organizações se baseiam na realidade de outras cidades que receberam portos?
Esse porto que quer se pretende fazer em Ilhéus é no estilo do porto do Itaqui, no Maranhão, vinculado à ferrovia de Carajás, que é para escoamento de minério de ferro. E o impacto que a gente vê nessas regiões é de que os empregos gerados são poucos, é uma estrutura de logística que não agrega à economia local, a interesses sociais locais. É uma coisa concentrada, vinculada a uma corporação que não transforma a economia. Ao contrário, gera impactos à economia como um todo.
Quem deverão ser os principais beneficiados em toda essa estrutura logística?
Na nossa avaliação existe um lobby muito forte do setor de mineração, dessa empresa, a Bahia Mineração, sobre o Estado, demandando essa obra. Compraram a jazida, fizeram esse projeto [Pedra de Ferro, que prevê extração de minério de ferro em Caetité] e agora querem ir até o fim. E tem essa coisa magnânima de grandes obras, que são fascinantes para políticos.
As organizações defendem a reutilização de uma logística já existente no estado hoje. A reativação dessas estruturas chegou a ser cogitada.
[O Porto Sul] É um projeto que não usa estruturas existentes, como a ferrovia Centro Atlântica ou a região portuária de Aratu. Disseram que era inviável, de alto custo, que ia causar impactos ambientais e sociais, ou seja, respostas evasivas e mentirosas. Não apresentaram nenhum estudo técnico comprovando isso.
Nós estamos jogando essas estruturas antigas para a obsolescência, em um raciocínio que temos hoje em uma sociedade de consumo, você usa e descarta. Em vez de melhorar o que você tem, qualificar, restaurar, você deixa de lado e faz uma coisa nova. E ao fazer uma nova estrutura ferroviária e portuária, você está trazendo uma série de problemas que poderiam ser evitados e o recurso que está sendo gasto poderia estar sendo investido nas estruturas produtivas tradicionais.
A escolha da construção do Porto Sul evidencia também a escolha por um modelo de desenvolvimento?
A sociedade civil tem provocado esse debate que é sobre um modelo de desenvolvimento econômico que já se mostrou fracassado na América Latina, que não resulta em melhoria de vida para as populações e gera uma série de problemas de toda ordem. Nós acreditamos que a economia regional baiana tem que valorizar as atividades econômicas das populações tradicionais, buscar o aprimoramento tecnológico das economias existentes como pesca, turismo, agricultura e desenvolver a agroindústria em pequena e média escala.
Você tem um outro arranjo econômico possível para a sociedade hoje, e o mundo inteiro está vendo isso. Os caminhos mais inteligentes apostam nisso, na economia criativa, movida pela cultura regional, por aquilo que é vocação.
O turismo rapidamente envolveu 20 mil pessoas de 2000 para cá só com a valorização da Mata Atlântica da região costeira em Itacaré. O impacto sobre a economia e o emprego é muito expressivo. É claro que você ainda tem que qualificar a atividade turística, melhorar o conceito dela, capacitar mais as comunidades, mas você vê já que o turismo é uma atividade de uso intensivo de mão-de-obra, que envolve muitos agentes econômicos. O que tem aparecido de positivo é ainda em uma escala embrionária, mas você tem números que apontam isso, que são setores de maior interesse socioeconômico e maior resposta.
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