Trabalhadores resgatados recebem qualificação e se tornam operários na construção de estádio em Cuiabá (MT), que receberá jogos da Copa de 2014
Texto e fotos Daniel Santini
Cuiabá (MT) – “Eu era muito triste naquele tempo, abandonado no mato. Não tinha como ir embora, a vida era só catar algodão mesmo”, conta Nivaldo Inácio da Silva, de 44 anos, um dos 25 trabalhadores que desde maio deste ano vêm recebendo treinamento para trabalhar na construção da Arena Pantanal, estádio previsto para sediar jogos da Copa do Mundo em Cuiabá, no Mato Grosso. Beneficiado pelo Projeto Integração-Ação, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MT), ele conseguiu, nesta segunda-feira, 12 de dezembro, completar o ensino básico e em janeiro deve concluir junto com os demais o curso profissionalizante de pedreiro.
“Não tinha comida, não tinha água, não tinha nada. A fazenda era lá pelos lados de Primavera do Leste (MT), distante e isolada. Tudo era difícil. Tinha que arrumar o que comer, beber água suja, catar o algodão e esperar”, conta. Assim como os outros contratados para trabalhar na obra da Copa, Nivaldo é migrante. Ele trocou Alagoas pelo Mato Grosso em 2002 atraído pela notícia de abertura de vagas de trabalho. Deixou a mulher e os três filhos na cidade e, quando percebeu, estava preso em condições análogas às de trabalho escravo, sem ter como ir embora ou pedir ajuda.
“A gente só conseguiu escapar porque um dos que trabalhavam lá fugiu em uma carreta que levava soja. Ele foi avisar a fiscalização. O gerente desconfiou e, para não ter problemas, levou todo mundo embora. Se não fosse isso, ainda estaríamos lá”, lembra, sem saudade daquela época. “Agora é só alegria, a sensação é que a gente tem futuro de novo”, explica, com o diploma da formatura na mão.
A formatura de Nivaldo e dos outros 24 trabalhadores rurais que chegaram a trabalhar em condições análogas à escravidão contemporânea só foi possível graças ao programa de parcerias que a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MT) vem fazendo com empresas da região para promover a reinserção e a prevenção à reincidência da exploração. Desde que o programa foi criado, 302 pessoas foram beneficiadas, incluindo os 25 contratados para erguer a Arena Pantanal.
Ouvidos pela Repórter Brasil, os trabalhadores mostraram-se satisfeitos com as condições oferecidas pelo consórcio Santa Bárbara Engenharia e Mendes Júnior. Trata-se de um caso raro em meio às denúncias de superexploração de mão-de-obra na construção dos estádios da Copa, de greves e paralisações por baixos salários e más-condições de trabalho. Nesta semana, foi lançado em 12 cidades-sede o Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa – Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, documento no qual casos específicos de problemas nas construções são detalhados.
Entre os motivos que levaram o consórcio a participar do projeto em Cuiabá estão a falta de mão de obra especializada em função do aquecimento do mercado da construção civil no Brasil. Para diminuir custos e resolver o problema, as empresas já haviam optado por trabalhar com estruturas pré-moldadas metálicas. Com isso, Cláudio Marques de Souza, gerente de engenharia do consórcio, calcula que, em vez da contratação de 3 mil operários, poderão ser contratados apenas 1 mil. “As oportunidades nascem desses desafios”, afirma. “Vimos essa parceria como uma grande oportunidade e hoje confesso que estou surpreso com os resultados. Estamos propiciando a formação básica e o que o consórcio espera é que eles sejam inseridos, continuem nesse grande projeto que é a arena. Toda ação só foi bem sucedida”.
Questionado a respeito do impacto social da obra em Cuiabá, Valdiney Arruda, superintendente da SRTE/MT e responsável pela parceria com a empresa, diz que acredita que no estado o modelo é de inclusão social. “Mas isso a gente só consegue com ação afirmativa. Se deixar a economia por si só, sem regulação, não adianta. As empresas vão sempre querer minimizar os custos”, explica. “Aqui mesmo poderiam ser 3 mil empregos em vez de 1 mil. É preciso criar motivação, reconhecer e incentivar essa prática”, argumenta.
Ele defende isenções fiscais para as empresas que contratarem trabalhadores resgatados e faz planos não só para ampliar o projeto para outros estados como também aprimorá-lo. “A idéia surgiu em 2008 e o plano era justamente fazer um trabalho de forma integrada. Construímos esse conjunto, fizemos parcerias com as empresas, com a Universidade Federal do Mato Grosso, com diferentes frentes. Agora a idéia é criar mecanismos para monitorar os programas e um selo para as empresas. E também de fazer projetos de fixação do homem no campo”, relata, contando que já está prevista a qualificação de 60 trabalhadores rurais assentados, que devem receber educação básica e orientações profissionais para trabalhar a terra.
Na parceria com o consórcio, de 26 contratados, 25 permaneceram e apenas um desistiu, decidindo retornar para o Nordeste. “No início, a adaptação foi difícil, nenhum tinha experiência em canteiro de obras. Mas depois esse projeto traz uma alegria para gente, é um reconhecimento muito bonito”, descreve Crispim Shakespeare do Couto Filho, gerente administrativo da obra. “Se 70% das empresas se preocupassem em dar uma chance para quem já foi escravo ou está em uma situação vulnerável, talvez a gente conseguisse acabar com a escravidão”, pondera.
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