Contratação de trabalhadores resgatados da escravidão é debatida no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23), na capital Cuiabá (MT)
Texto e fotos Daniel Santini
Cuiabá (MT) – Empresários foram convocados a apoiar programas de inserção de trabalhadores resgatados da escravidão durante evento realizado nesta segunda-feira, 12 de dezembro, no auditório do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23), em Cuiabá, no Mato Grosso. Representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de associações civis e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), além de desembargadores e procuradores, defenderam a importância da adoção de boas práticas para prevenir o trabalho escravo e integrar suas vítimas à sociedade. O evento foi organizado pela Superintendência Regional de Trabalho e Emprego (SRTE/MT), em parceria com o Comitê de Coordenação do Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo e do Projeto Qualificação-Ação Integrada.
“Precisamos discutir maneiras para acabar com a vulnerabilidade dessas pessoas [que são vítimas da exploração no trabalho escravo], e a inserção é uma delas. Não basta a repressão”, defende o coordenador do Programa de Erradicação de Trabalho Escravo da OIT, Luiz Antonio Machado. O Mato Grosso é pioneiro na criação de um programa específico com apoio do poder público voltado para a qualificação e criação de vagas para trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão contemporânea.
Segundo o superintendente regional do Trabalho do Mato Grosso, Valdiney Arruda, o projeto foi estruturado com base em parcerias com grupos empresariais beneficiando trabalhadores libertados. “Sem diálogo, não teremos um desenvolvimento adequado no estado. É preciso criar condições para que o trabalho escravo não se repita e se propor alternativas. Impedir a reincidência depende de eliminar os fatores que levaram às pessoas à escravidão”, explica, destacando que é comum que trabalhadores resgatados voltem à condição de trabalho escravo. “88% deles estão na informalidade ou desempregados. Os demais estão no mercado, mas em funções que não exigem qualificação. Se não dermos alternativas, elas não sairão da pobreza”, completa.
Até agora, 302 trabalhadores já participaram do programa de requalificação, que contou também com apoio da Universidade Federal do Mato Grosso. “Qualificados, eles são excelentes profissionais. Não é caridade porque a empresa ganha com a qualificação deste trabalhador”, afirma Valdiney. Para organizar o programa, a superintendência utilizou como fonte de dados o cadastro de seguro desemprego dos trabalhadores resgatados, traçou o perfil dos possíveis beneficiados e, então, buscou as parcerias mais adequadas para tentar favorecer a inserção de tais profissionais. Entre os resultados deste projeto estão o encaminhamento de ex-escravos para a construção da Arena Pantanal, prevista para a Copa do Mundo.
A criação de programas de inserção está prevista no II Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. “A inserção é um dos pontos mais difíceis do Pacto [Nacional contra a Escravidão]. Não é só reintegrá-lo ao mercado, mas sim qualificá-lo. E é isso que garante a manutenção dos trabalhadores nas vagas”, diz Luiz, da OIT, que defende que este tipo de parceria seja extendida para outros estados e que mais empresas participem. “A demanda não é só do Mato Grosso. Várias empresas nos abordam em todo o Brasil sobre esse ponto específico. Queremos ir além. Estamos falando de promoção, de trabalho decente. Temos uma grande preocupação de desenvolvimento econômico. Precisamos de mais gente nesta causa”.
Ainda não há ações especificas para a ampliação desse tipo de programa para outros estados. Quem acompanha as ações no Mato Grosso, recomenda que sejam consideradas as especifidades locais ao se debater novas parcerias. “Que seja feito com sensibilidade em relação às demandas locais. É importante que esse modelo seja flexível e não imutável”, defende o professor Vitale Joanoni Neto, da Universidade Federal do Mato Grosso. O desembargador Edson Bueno, vice-presidente do TRT local, defendeu a importância de se lutar pela abolição da escravidão no século XXI e da realização do evento. “Essa função do tribunal deverá ser mais presente”, afirmou.
Escravidão contemporânea
“Infelizmente o trabalho escravo segue inserido na economia brasileira e ainda existe. Faz parte e causa danos à imagem dos produtos brasileiros no exterior”, defende o coordenador da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, que, durante o evento, procurou delinear as vantagens para o empresariado em aderir à luta contra a escravidão. “O Pacto é uma oportunidade de ouro para o setor empresarial brasileiro. Hoje, todos os países do mundo usam escravos, todo mundo usa. Quem chegar na frente e puder garantir que exporta um produto livre de trabalho escravo, vai ter vantagem em relação aos seus concorrentes”, afirma. “Tem muitos lugares que bloqueiam as importações com base no trabalho escravo. Não por preocupação social, porque são bonzinhos, mas para motivos econômicos, reserva de mercado mesmo. Eliminar o trabalho escravo é ter um motivo a menos para bloqueios econômicos”.
Apesar do incentivo a inserção estar previsto tanto no II Plano Nacional, quanto no Pacto Nacional, ainda são poucos os grupos que criaram programas específicos. No encontro, mais empresas se comprometeram a estabelecer parcerias para contratar trabalhadores libertados. É o caso grupo André Maggi, um dos principais na produção e comercialização de soja do estado. “As empresas precisam dar exemplo”, afirma a gerente de sustentabilidade da empresa Juliana de Lavor Lopes, após se comprometer a trabalhar no tema.
A procuradora Marcela Monteiro Doria, ao destacar a responsabilidade social das empresas e a importância de comprometimento, lembrou que o trabalho escravo contemporâneo pode ser mais grave que o trabalho escravo do passado. “Não é o mesmo trabalho escravo que talvez esteja no imaginário das pessoas. As amarras hoje muitas vezes são invisíveis, o que torna essa prática muito mais cruel. É escravidão tanto pode ser pela jornada exaustiva, quando da escravidão por dívida. Prática muito comum, que foi se modernizando e hoje é uma prática atual, que deve ser combatida não só pela sociedade, mas também pelas empresas”, afirmou, destacando que é preciso pensar na reinserção.“Com base em um exemplo bem sucedido que esse projeto seja replicado em outros estados, até que não seja mais necessário por não haver mais escravos.”
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