Geógrafo aponta: prefeitura de S.Paulo fecha escolas no centro e amplia segregação social, para alimentar especulação imobiliária
Por Bianca Cruz e Janaína Neres*
Morar no centro da cidade ou na periferia faz diferença na hora da prova ou do exame vestibular? A distância entre casa, trabalho e escola afeta nos estudos? As escolas que se situam próximas a museus, cinemas, bibliotecas e teatros estão em vantagem quando comparadas àquelas em que os únicos equipamentos culturais são elas mesmas? A especulação imobiliária na cidade afeta os direitos educativos de crianças e jovens?
Estas e outras questões são assuntos que mobilizam Gilberto Cunha Franca, doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). O pesquisador tem se dedicado a estudos que avaliam os impactos das lógicas de ocupação da cidade e seus efeitos na satisfação dos direitos educativos. Confira a entrevista na íntegra:
Em seus trabalhos, você tem defendido que o direito à educação vai além do direito de acessar escola. Explique melhor seu ponto de vista.
O acesso à escola é condição básica e que não foi realmente resolvida (principalmente no caso da pré-escola e do ensino superior). A escola é locus central da educação e do acesso ao conhecimento, é pressuposto para construir uma sociedade democrática, justa e igualitária. Mas o direito a educação vai muito além. A conquista do direito a educação de fato requer transformações internas e externas ao ambiente escolar. A questão interna mais importante refere-se à condição de trabalho do professor. Externamente, passa por diminuir a segregação e a exclusão das crianças, dos jovens e de suas famílias do espaço da cidade. O local da escola, o lugar onde os estudantes e suas famílias vivem e circulam tem muita relação com a qualidade da educação e com o direito à educação. Quanto mais o estudante acessa a cidade, os equipamentos de cultura, e conhece o universo que o cerca, mais entendimento ele tem inclusive sobre a importância da aprendizagem.
Então educação e cidade se relacionam? Há uma relação entre urbanização e direito educacional?
A urbanização envolve a concentração de pessoas, atividades econômicas, serviços, trabalho. Ela possibilita o convívio na diversidade. Por outro lado, falar de urbanização também é falar de processos de exclusão, segregação e remoção constante de pessoas para as chamadas “frentes de expansão da cidade” – que formam as periferias, a exemplo de São Paulo. As pessoas são colocadas em lugares onde os aspectos positivos da cidade estão distantes, ou seja, são deslocadas para onde é rarefeita a diversidade, a rede de serviços e as oportunidades econômicas, culturais. E isso impacta seguramente nas desigualdades sociais e na desigualdade educacional.
No caso de São Paulo, a cidade oferece as mesmas condições educativas para todos os jovens? Se não, quais são as diferenças ou desigualdades?
Certamente não. São Paulo oferece condições adversas e completamente opostas para diferentes jovens. Os indicadores da Secretaria da Educação de fluxo escolar mostram que as chances de um estudante da escola pública da periferia terminar o ensino médio é duas ou três vezes menor do que a chances de um estudante de escola pública de área central da cidade. O mesmo se nota nos indicadores de desempenho. E quando se compara o fluxo e o desempenho médio da escola pública da periferia com o conjunto da escola particular da cidade, a diferença é absurda. Isso implicará em desigualdade de oportunidades no acesso à universidade e ao mercado de trabalho.
Nessa situação, a especulação imobiliária tem a ver com a falta de direito à educação?
O dinheiro que poderia ser destinado para educação, urbanização, cultura, é investido na especulação imobiliária, hoje, base mais importante da acumulação de riqueza no Brasil. O país paga mensalmente juros da dívida pública para bancos, fundos de investimento e pensão, que são justamente aqueles que mais investem no setor imobiliário na construção de shoppings, prédios residenciais e comerciais, imóveis com valorização altíssima. Por exemplo: no bairro de Perdizes a valorização foi de 50% em dois anos. Quem pode morar nesses lugares são as classes de renda mais elevada. Outra consequência é a manutenção de espaços vazios, pois muitas vezes nem mesmo a classe média consegue pagar essa moradia. Para a especulação imobiliária é melhor mantê-los vazios do que alugá-los por um preço mais baixo e desvalorizar seus ativos.
Quais as consequências desse poder da especulação imobiliária para a escola?
A consequência mais geral é a remoção e deslocamento constante das populações trabalhadoras de baixa renda. As escolas também são removidas, desde os anos 1990, e cada vez mais estão na lista de desapropriação e venda para o setor imobiliário. O prefeito Kassab, por exemplo, pretende vender um quarteirão inteiro onde há duas escolas e outros equipamentos públicos no Itaim Bibi.
Mas as escolas que fecham em São Paulo não estão situadas em bairros ricos?
Não exatamente, estão no eixo de valorização imobiliária. Por exemplo, a Escola Estadual Oswaldo Catalano, no Tatuapé, área que foi de moradia de operários, depois de classe média e nos anos 1990, entrou no eixo de valorização. Hoje, sofre pressão para sair dali por estar próxima a um shopping e a um metrô Tatuapé. Assim ocorreu com escolas da Lapa que foram fechadas. A escola Martim Francisco está num bairro de classe de renda mais alta, possui o metro quadrado mais caro de São Paulo. Lá, houve resistência de professores e estudantes, que eram de periferias próximas e não queriam abrir mão da escola. Como acontece em escolas de Pinheiros, Vila Madalena e Lapa, onde muitas mães e pais de alunos trabalham e trazem seus filhos para a escola do bairro do trabalho. O fechamento dessas escolas gera problemas para essas pessoas.
Você acha que a pressão que essas escolas sofrem abre possibilidade para que o governo invista mais na periferia?
A lógica de vender o terreno das escolas para investir na periferia fomenta a lógica da segregação, pois não entende o quanto o processo de urbanização atual está na base da desigualdade da cidade e das oportunidades. Acho a permanência dessas escolas é muito importante. As lutas pela melhoria da qualidade da educação e pela urbanização não estão separadas. As pessoas sabem o quanto sua vida pode ficar melhor quando ela consegue combinar o trabalho com a proximidade da escola, dos locais de lazer e as possibilidades de mobilidade.
O que é possível fazer para mudar essa situação de desigualdade de falta de acesso ao direito educacional? O que um jovem pode fazer?
Os jovens e a sociedade em geral tentam soluções. Por exemplo, a luta pelo passe livre, que foi muito forte no passado e ainda hoje resiste, é um exemplo. Circular na cidade custa caro e leva tempo, principalmente para quem mora longe. Mas, a mobilidade é fundamental e é um direito social. Há também o acesso aos cursinhos populares, geralmente procurados pelo jovem que está batalhando para melhor sua condição de vida. Mas o mais importante é que essa juventude conheça conexões que a una aos outros jovens da cidade e do país, que partilham da situação de exclusão e estão elaborando suas respostas para esse mundo desigual. Há jovens na periferia da França, que se rebelam porque são imigrantes e vivem em condições desiguais; no mundo árabe, há jovens que lutam por democracia e trabalho, em Nova York, no ocupe Wall Street, moças e rapazes se rebelam contra a concentração financeira e seu impacto restritivo nos gastos sociais. O conhecimento de que existem manifestações globais na sociedade protagonizada pela juventude alimenta a esperança de tranformação.
*To no rumo
http://ponto.outraspalavras.net/2011/12/15/em-vez-de-ensino-shoppings-especulacao/