O duro cotidiano de trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos foi trazido à tona pelo documentário “Carne, Osso“, aqui da Repórter Brasil. Ao longo de dois anos, os diretores Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros percorreram as regiões Sul e Centro-Oeste à procura de histórias de vida que pudessem ilustrar os impactos do ritmo frenético de produção junto aos trabalhadores.
Leonardo Sakamoto
A Brasil Foods foi multada em R$ 4,7 milhões por descumprir decisão judicial que a obrigava a conceder pausas para recuperação de seus empregados em Capinzal (SC). Essa unidade abate cerca de 450 mil frangos/dia e emprega 4,5 mil pessoas. O Ministério Público do Trabalho estima que 20% dos empregados tem algum tipo de doença ocupacional com base em perícias realizadas.
A BRF Brasil Foods é uma das maiores empresas de alimentos do mundo, vendendo para 140 países e operando 61 fábricas em 11 Estados, além de indústrias na Argentina, Reino Unido e Holanda. Resultado da fusão da Perdigão e da Sadia, possui cerca de 115 mil trabalhadores em seu quadro de empregados.
Em fevereiro deste ano, a juíza da Vara do Trabalho de Joaçaba, Lisiane Vieira, havia obrigado a empresa a conceder pausas de recuperação de fadiga de 8 a cada 52 minutos de atividades repetitivas e notificar doenças ocupacionais comprovadas ou em suspeita. Na mesma tutela antecipada, proibiu a Brasil Foods de promover jornadas extras para minimizar os efeitos nocivos do trabalho a seus funcionários. Então, o Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, em favor da empresa, cassou a tutela antecipada. Por fim, o Ministério Público do Trabalho recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, por unanimidade, restabeleceu a decisão da Vara do Trabalho de Joaçaba.
O descumprimento dessa decisão está gerando a execução de multa no valor de R$ 10 mil/dia, contando a partir de 28 de junho – além de outros R$ 20 mil/dia em razão da Brasil Foods não emitir Comunicações de Acidentes de Trabalho. Somadas, representam mais de R$ 4,7 milhões. De acordo com o MPT, cabe recurso, mas a empresa deverá depositar o valor em dinheiro para poder recorrer. A decisão sobre o valor foi tomada pela Justiça do Trabalho em Santa Catarina na semana passada e divulgada, agora, pelo MPT.
Quem trabalha em um frigorífico se depara com uma série de riscos que a maior parte das pessoas sequer imagina. Por mais que a exposição a instrumentos cortantes seja o óbvio a se pensar, a realização de movimentos repetitivos – que podem gerar graves lesões e doenças, inutilizando o trabalhador – e a pressão psicológica para dar conta do intenso ritmo de produção são os principais problemas.
Em coletiva na tarde desta segunda (12), em Florianópolis, o procurador do Trabalho Sandro Sardá afirmou que a empresa investiu cerca de R$ 50 milhões em automação de seus processos industriais em Capinzal, mas “os empregados continuam submetidos a um ritmo de trabalho intenso e incompatível com a saúde física e mental, com a realização de 70 a 120 movimentos por minuto, quando estudos apontam que o limite de 30 a 35 movimentos por minuto não deve ser excedido”. Segundo ele, “trata-se de grave desrespeito ao Poder Judiciário Trabalhista, ao Ministério Público, aos trabalhadores e a toda a sociedade” por conta do descumprimento da decisão do TST.
De acordo com o MPT, estudos realizados pelo Programa de Reabilitação Ampliado da própria BRF Brasil Foods, em outra unidade, a de Videira, mostram:
- 68,1% dos empregados do setor de aves sentem dores causados pelo trabalho;
- 65,31% dos empregados do setor de suínos sentem dores causados pelo trabalho;
- 61,79% dos empregados estabelecem relação entre a dor e o trabalho desenvolvido na área de aves?;
- 60,34% dos empregados estabelecem relação entre a dor e o trabalho desenvolvido na área de aves;
- 70,89% dos postos precisam de intervenção ergonômicas no setor de aves;
- 95,5% dos postos precisam de intervenção ergonômicas no setor de suínos;
- 30,24% dos empregados manifestaram dormir mal no setor de aves e 33,18% no setor de suínos;
- 49,64% dos empregados manifestaram se sentir nervosos, tensos ou preocupados no setor de aves e 50,43% no setor de suínos;
- 12,26% dos empregados manifestaram que alguma vez pensou em acabar com a sua vida no setor de aves;
- 13,46% dos empregados manifestaram que alguma vez pensou em acabar com a sua vida no setor de suínos.;
- Cerca de 20% de toda a mão de obra em frigoríficos vem sendo acometida de doenças ocupacionais.
O duro cotidiano de trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos foi trazido à tona pelo documentário “Carne, Osso“, aqui da Repórter Brasil.
Ao longo de dois anos, os diretores Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros percorreram as regiões Sul e Centro-Oeste à procura de histórias de vida que pudessem ilustrar os impactos do ritmo frenético de produção junto aos trabalhadores. Trago – abaixo – alguns exemplos descritos no doc:
Danos físicos e psicológicos
“Cerca de 80% do público atendido aqui na região é de frigoríficos. Ainda é um pouco difícil porque o círculo vicioso já foi criado. O trabalhador adoece e vem pro INSS. Ele não consegue retornar, ele fica aqui. E as empresas vão contratando outras pessoas. Então já se criou um círculo que agora para desfazer não é tão rápido e fácil” – Juliana Varandas, terapeuta ocupacional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de Chapecó (SC).
Ritmo frenético
“A gente começou desossando três coxas e meia. Depois, nos 11 anos que eu fique lá, cada vez eles exigiam mais. Quando saí, eu já desossava sete coxas por minuto” – Valdirene Gonçalves da Silva, ex-funcionária de frigorífico
Reclamações curiosas
“Tu não tem liberdade pra tu ir no banheiro. Tu não pode ir sem pedir ordem pro supervisor teu, pro encarregado teu. Isso aí é cruel lá dentro. Tanto que tem gente que até louco fica” – Adelar Putton, ex-funcionário de frigorífico
Problemas com a Justiça
“O trabalho é o local em que o empregado vai encontrar a vida, não é o local para encontrar a morte, doenças e mutilações. E isso no Brasil, infelizmente, continua sendo uma questão séria” – Sebastião Geraldo de Oliveira, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região (TRT-3)
Melhorar é possível
“Basicamente, é conscientizar essas empresas para reprojetar essas tarefas. Introduzir pausas, para que exista uma recomposição dos tecidos dos membros superiores, da coluna. Em algumas vai ter que ter diminuição de ritmo de produção. Nós estamos hoje chegando só no diagnóstico do setor. Mas as empresas ainda refratárias a esse diagnóstico” – Paulo Cervo, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
Com informações do Ministério Público do Trabalho.
http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/12/13/salsichas-nuggets-e-o-direito-do-trabalhador-ao-descanso/