A todas as mães e crianças abandonadas pelo poder público e por nossa indiferença
Por José Carlos Costa
Imagine que você descubra-se grávida.
Você é pobre, mora em Buritizeiro-MG, a vida pouco lhe deu e sempre exigiu muito de você.
Em meio à alegria de, em pleno dezembro, dar à luz uma criança, sentindo dores e contrações, de madrugada arranjam um carro para levá-la ao hospital.
Aos solavancos (o momento exige pressa), o motorista pisa no acelerador e o carro avança pelas ruas esburacadas.
Mesmo acossada pelos trancos provocados pelos buracos das ruas, pelas contrações e dores, você pensa que todos os sacrifícios que lhe foram impostos ao longo desses nove meses terão valido a pena quando apertar o filho contra si, ofertando-lhe os seios fartos de leite. Nem a lembrança do pré-natal malfeito (raramente havia médico no posto do bairro) lhe tira o ânimo. Tudo vai dar certo, falta pouco, pensa você.
Feito o parto, imersa em dores, você ouve alguém dizer que a criança necessita de oxigênio. Percebe também uma voz, quase um sussurro: doutor, não temos oxigênio. Ouve a resposta nervosa do médico: esta criança tem de ser levada urgentemente para o hospital de Pirapora.
Horas mais tarde, alguém lhe diz: lamento, o seu filho está morto.
Agora, de volta para o seu barracão na periferia da cidade, num bairro triste e abandonado, segue você, coração e alma partidos, comprimindo contra o peito o filhinho morto.
No caminho, cruza com uma caminhonete prateada, com alegres passageiros entupidos de cerveja. Ao volante, um senhor sorri efusivamente e lhe acena com a mão… Ainda comemora a soberana decisão de um distante Tribunal de Justiça, mantendo-o no cargo de prefeito, ele que fora cassado pela Câmara. É dezembro, suas lágrimas molham o rosto do seu filho morto, e vagamente você se lembra desse senhor celebrando missas natalinas, rendendo graças ao nascimento de outro menino, Jesus, que veio ao mundo para que todos tivessem vida.
Alguém lhe diz: é o carro do prefeito.
Mais adiante, cruza com outro veículo oficial, recentemente comprado por 80 mil reais. Mais sorrisos, mais acenos de mão em direção ao carro em que você está.
Alguém lhe diz: é o carro do secretário de saúde e do diretor do hospital. Como parecem felizes!
Surge outro carro oficial, com passageiros igualmente felizes e que lhe acenam com as mãos.
Alguém lhe diz: é o carro da Câmara, levando vereadores, que têm o fraco prefeito sob o seu jugo, tornaram-no refém de seus caprichos e sede de poder.
Muito bem remunerados, todos estão muito felizes com a decisão dos desembargadores e provavelmente dirigem-se para uma casa ou sítio, onde a festa continuará sem hora para terminar.
O carro que leva você e o seu filho morto segue, agora já sem pressa, pelas ruas esburacadas. Com o corpo transpassado por punhais, você mal consegue pensar a qual político recorrerá para que lhe compre um caixão para o seu filho.
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*Crônica baseada num fato real, ocorrido esta semana em Buritizeiro, Minas Gerais.
Querido Professor,
É muito triste ver uma crônica, retratando uma realidade, e principalmente porque esta realidade é nossa, e o que temos feito para mudá-la? não tem muita razão de ser indignamos e não agirmos.
Que bom que existem as palavras para externar o sentimento de abandono que as pessoas pobres sofrem. Entre uma denúncia de corrupção e outra , vamos ficando “enojados” e indignados com tanta falta de amor ao próximo. Daí surge uma indagação, para quê serve os políticos que hoje estão aí?
“Falta de Cultura Pra Cuspir Na Estrutura” Já nos dizia Raul Seixas
Amigo José Carlos,
vc soube, em uma narrativa magistralmente poética, colocar uma situação cruel e permanente nesse pedaço do mundo, onde o velho coronelismo, clientelismo e, por consequencia, as vidas secas parecem não findar. Fico me perguntando quando estaremos livres desse carma de políticos psicopatas. Desse descaso com a poulação carente e o desvio de dinheiro público sem nemhuma punição. Foi a primeira vez que vi vc soltar o verbo… e o que é mais importante: com sensibilidade – parece que quando indignados, os éticos seres providos de compaixão, se acanham, se fecham em suas dores. Ainda bem que a sua hombridade não o deixou calar.
Se me permite aconselhá-lo, dedique-se mais ao ato de escrever. Não dá pra guardar o sentir, o pensar, a injustiça presenciada somente pra si. Enquanto tais atos forem denunciados, alguma esperança teremos.
Copiei e postei no Facebook com recomendações de leitura. Tenho muitos conhecidos desta região e, certamente irão se manifestar.
Não somos amigos por acaso. Sabemos o que dói e não podemos ficar calados.
Adorei! Você está de parabéns!
Sinta-se profudamente abraçado!
Maria Célia
Zé, que pena que e é assim que muitos vão celebrando a chegada do “Menino”…, se fartando em cima das misérias humanas. Parabéns pela crônica.
Prezado José Carlos,
Suas palavras retratam a realidade brasileira: a responsabilidade dos governantes e a santa proteção da “justiça” que lhes garante impunidade.
Professora Guiomar Damasio
prabens meu amigo por essa cronica, me sinto impotente triste
diante deste quadro, so peço a Deus quie um dia esses politicos paguem por tudo que estão fazendo.
Zé, adorei a crônica!
Discordo de duas palavras que o Marco Antônio postou, essa pessoa não é Padre, muito menos Prefeito. É um oportunista que usou da confiança de um povo carente de melhorias. Mas, que perdeu definitivamente a confiança de muitos.
A comunicação é uma das mais eficientes armas que o homem possue e feliz aquele que sabe usa-la com maestria.
Zé Carlos, como fico lisongeado com suas sábias palavras!!
A situação descrita por vc é de fato muito deplorável e indignável, nos coloca a pensar de forma mais autruista.Nesta situção não há condições de esperança no sentido de espéra, mas de atitudes, pois fere meu princípio, ver um desprovido de capacidade de raciocínio reinar absoluto em um contexto de extremas fragilidades, assim penso!! PARABENS !!!
Estou retornamdo com meu comentário,complementando o anterior e vendo os comentários também dos meus ilustríssimos colegas e conterrânios.Como somos pessoais com livre pensamentos e opiniões por sermos cidadãos dentro de uma democracia,gostaria que as opiniões não sejam diretamente ligados a opiniões de preferenças partidárias mais uma cobrança de uma política mais eficaz e humanitária,é por esse motivo que a cidade tomou esse rumo triste,relatado pela crônica fielmente,mais que não foi só essa administração,mais sucessivas administrações que ja passaram e levaram o município a este patamá negativo…
Zé Carlos, vc. retrata a história com um realismo imprecionante, infelizmente Buritizeiro esta passando por tantas dificuldades que poderiam ser sanadas com um bom governo voltado para a população, imaginem o Lula que passou por ai e deixou otima impressão, levou no coração o carinho do povo de Buritizeiro, porque não recorre ao Governo Federal em busca de recursos, de ajuda, porque ??? porque ignoram buscar ajuda nos altos escalões do governo, governado pelo PT o próprio partido deste prefeito ??? me perdoe, acho que esta faltando alguma coisa
QUE TRISTE REALIDADE!!!
Zé, tudo que você escreveu está dentro de uma realidade de Buritizeiro e e até em outras cidades vizinhas. Mas não podemos nos esquecer que essa situação hoje existente veio de uma decisão que o povo tomou. O POVO votou nesse prefeito que está AÍ. Infelizmente, cavaram seu próprio buraco. Todos sabiam em quem estava votando. O passado dele não ja não era dos melhores e isso foi divulgado. Assim como tem outro candidato ja sendo cotado como próximo prefeito de Buritizeiro, cujo passado é mais sujo do que pau de galinheiro.
Os IGNORANTES, ESTÚPIDOS ELEITORES vão votar nele em maioria. Isso é fato.
Me comovi com a historia que li acima.
Mas quando me lembro FIDELIDADE daquele povo, acompanhando aquele cínico candidato, em passeatas de bicicletas pelas ruas da nossa “Buri”, ja pensava comigo: Isso não vai dar nada que preste. Lembro de um lema traiçoeiro que se ouvia em meio a risos…”VERDES POR FORA E VERMELHOS POR DENTRO”
Infelismente a maioria decidiu por isso ai.
Ah… não posso deixar de comentar também: O tribunal que o mantevém no cargo jamais faria isso, sem que o os eleitores o tivessem colocado lá!
Obrigado pela materia.
Meus respeitos a ti pelo homem que é!
Grande abraço!
Parabéns, Zé Carlos! Esta crônica retrata a realidade vivida pelas pessoas que mais precisam do serviço público: a maioria da população. Infelizmente, o mundo hoje premia a desonestidade, incentiva a corrupção e trata a verdade como uma mercadoria negociável. A vida política partidária está deterioando-se em um ritmo alarmante e tem servido aos interesses econômicos de poucos em nome do “progresso”. A ganância, a safadeza, a negligência e o materialismo são onipresentes. Deus possa confortar o coração dessa mãe que sofre.
Se for possível fazer um retrato da realidade em palavras, eis aqui o nosso “Munch”
Parabéns José Carlos pela crônica.Eu fiquei até arrepiada quando lí,ainda mais quando se trata da cidade que a gente nasceu e viveu,sabendo que nada ou quase nada foi mudado graças a parte do poder público que na maioria não dão valor a vida e sim as coisas materiais e pessoais como vi ao longo do tempo que vivi na cidade.Amo onde nasci e fico triste por ela continuar assim, entra políticos e saem politicos.Só peço a população que ainda reside aí e não foi buscar vida melhor em outro lugar,voces podem mudar a sua realidade cobrando e participando da política do seu municipionas ações e prestações de conta.
José Carlos, parabéns pela crônica. Infelizmente você retrata através da literatura a mais pura verdade. Vidas têm sido seifadas por negligência, nesse caso, não dos médicos, mas sim de uma gestão que brinca com a vida das pessoas, enquanto isso usam a máquina pública para benefício próprio.Buritizeiro está em luto!
Companheiro José Carlos… este um resultado da fatídica e desinteressante opressão em que vive a população de Buritizeiro, município este encravado no cerrado do norte de Minas. Região há muito esquecida por aqueles que se dignam gestores e instrumento da esperteza e do poder pelo poder, abandonada à mercê de um prefeito padre corrupto, insensato e algoz. Esta [in]justiça praticada pelos “homens de toga”, que por vezes no afã de atenderem seus próprios interesses terminam por valorizar quem não merece. Parabéns e que Deus nos abençoe a todos.
Parabens, Zé Carlos! realmente é uma vergonha, mais o carro não custou R$ 80, 000 o pior é que foi R$ 110,000 e dinheiro do PAB que pertence aos PSF para comprar Remedios, pagar os medicos e agentes, e materiais como bancos para que os pacientes não fiquem em pe esperando o medico como acontece.
Parabéns, meu amigo Zé Carlos!!!! A conscientização de nossa geração traz frutos até hoje! Importante denúncia!!! Beleza de crônica!