Sociedade civil pressiona e cobra combate ao trabalho escravo

Antonio Filho (CDVDH); Tiago Fereira (MPT); Christiane Nogueira (MPT); e Nonato Masson (CDVDH)

Reunidos em seminário, representantes de diferentes entidades uniram forças para reativar o Fórum Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo e cobrar ações mais efetivas da Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo

Bianca Pyl

São Luís (MA) – Entidades da sociedade civil reuniram forças para reativar o Fórum Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão (Forem) e aumentaram a pressão por ações mais efetivas contra o trabalho escravo no estado. A realização do seminário “Efetividade na prevenção e repressão ao trabalho escravo no Maranhão”, no final de novembro, serviu para que organizações e agentes engajados no combate a esse tipo de crime pudessem aumentar o tom das críticas destinadas em especial à atuação até aqui pouco produtiva da Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo no Maranhão (Coetrae-MA), instalada no âmbito do governo estadual.

“Estamos insatisfeitos. Não existe compromisso de nenhuma secretaria estadual, além da Secretaria de Direitos Humanos [e Cidadania]. Isso é reflexo da linha de atuação do governo [estadual], que não prioriza o combate ao trabalho escravo”, aponta Antônio Filho, do Centro de Defesa da Vida e Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH). Ele defende que a rearticulação do Forem, composto apenas por entidades civis, irá fomentar o debate e a pressão para que a Coetrae-MA deixe de ser só uma comissão “para cumprir protocolo”.

De acordo com o regimento interno, a presidência da Coetrae é exercida pela Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. A própria secretária Luiza de Fátima Amorim de Oliveira relatou, durante o evento, que tem encontrado resistência entre seus pares dentro do governo para efetivar a Coetrae. “Ainda se faz necessária uma sensibilização dos outros secretários sobre o tema. Nós temos só política de repressão ao trabalho escravo e não de prevenção”, declarou. Desde que assumiu o cargo, no início do ano, a secretária não conseguiu efetivar avanços práticos e significativos no enfrentamento ao problema, assim como os últimos três secretários que a antecederam na presidência da comissão, criada em 2007 pelo então governador Jackson Lago.

Na semana seguinte ao evento que conferiu novo fôlego ao Forem e deixou evidente o descontentamento de setores da sociedade civil, os secretários das outras pastas que compõem a Coetrae-MA decidiram finalmente participar de uma reunião acerca do tema, no dia 30 de novembro. Diante do quórum inédito durante a sua gestão, a secretária de Direitos Humanos anunciou que pretende constituir um Fundo Estadual de Combate ao Trabalho Escravo em 2012. “Já tenho todas as informações do processo de elaboração do Fundo Estadual no Mato Grosso. No início do ano que vem, vamos começar as articulações com o Legislativo e fazer uma pressão qualificada”, prometeu.

A governadora Roseana Sarney (PMDB) assinou a Carta Compromisso de Combate ao Trabalho Escravo enquanto era candidata ao cargo.

Casa em comunidade quilombola. Regiões empobrecidas são foco de aliciamento de trabalhadores

Escravidão no Maranhão

Virgínia de Azevedo Neves Saldanha, procuradora do trabalho no Maranhão, manifestou surpresa diante do esforço para sensibilizar integrantes do governo. “Espanta-me notar a necessidade de convencer outros políticos sobre a importância do trabalho escravo, sendo esse um dos maiores problemas do nosso estado”. De 2003 a 2011 foram realizadas 56 fiscalizações de combate ao trabalho escravo no Maranhão e o problema tem recebido cobertura especial da Repórter Brasil.

“Ainda há preconceito por parte de alguns magistrados, que acreditam que essa forma de trabalho [em condições análogas à escravidão] é cultural, e que, na casa dos próprios trabalhadores, a situação é pior. Pode até ser pior, mas, nesse último caso, não tem ninguém lucrando em cima disso. Existe uma diferença nítida entre a situação de pobreza da família e a situação de exploração”, explica a procuradora do trabalho Christiane Nogueira, que também atua no estado.

Entre as propostas apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), ela destacou a importância de uma articulação maior com outras instituições para aprimorar o combate à escravidão. “Onde tem trabalho escravo, tem crime ambiental também. Precisamos atuar em conjunto”, disse. Para Christiane, além das fiscalizações por conta das denúncias de trabalhadores, é preciso também fazer um trabalho prévio de investigação das condições de trabalho.
Criança em comunidade quilombola. Deputado diz que é mais fácil combater o trabalho infantil

CPI do Trabalho Escravo

Na esfera do Poder Legislativo, a resistência de deputados estaduais dificulta a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo na Assembleia Legislativa do Maranhão. Segundo Bira do Pindaré (PT/MA), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, só há sete adesões – metade das assinaturas necessárias para a instauração da comissão. Além disso, a Consultoria Jurídica da Assembleia Legislativa deu parecer no qual sustenta que a Assembleia Estadual não tem competência para apurar esse tipo de crime.

Mesmo assim, o deputado conseguiu aprovar um projeto de lei que determina a vedação de contratos da administração estadual com empresas flagradas com trabalho infantil. Também está pronta a minuta de um projeto de lei semelhante que proíbe contratos com empresas flagradas com trabalho escravo, que deve ser apresentado em breve. “Há menos resistência com relação às matérias sobre trabalho infantil. Por isso, achamos conveniente apresentar primeiro a que trata desse tema”, colocou Bira. “Há muita dificuldade quanto ao trabalho escravo.”

Ao final do seminário as organizações elaboraram uma carta com 18 recomendações ao governo de Roseana Sarney (PMDB) para avançar a questão.

O mapa da escravidão

Marcelo Sampaio Carneiro, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), defende que o planejamento das políticas públicas de reinserção das vítimas de trabalho escravo precisa levar em consideração as características regionais e o avanço da reforma agrária. “A qualificação é necessária, mas não é suficiente. A terra é utilizada de forma arcaica e economicamente insustentável. Falta vontade política para aumentar estoque de terras do estado e destinar a projetos de assentamento para famílias vulneráveis”, argumenta.

Açailândia, Barreirinhas, Codó, Colinas, Imperatriz, Itapecuru Mirim, Passagem Franca, Pastos Bons, Pio XII, Santa Luzia, São Mateus e Timbiras são os municípios onde se concentram os aliciamentos de trabalhadores para a mão de obra escrava. Por sua vez, Açailândia, Bom Jardim, Bom Jesus das Selvas e Santa Luzia consitutem as localidades campeãs na incidência de trabalho escravo. A exploração normalmente está ligada à pecuária e à produção de carvão vegetal.

Há iniciativas que estão começando a surgir a partir das próprias cidades. O município de Açailândia (MA), por exemplo, está elaborando o primeiro Plano Municipal de Combate ao Trabalho Escravo. A Cooperativa para Dignidade do Maranhão (Codigma) foi apresentada como uma alternativa de renda e inclusão de libertados do trabalho escravo contemporâneo e de pessoas vulneráveis ao aliciamento. A iniciativa do CDVDH conta com mais de 200 trabalhadores envolvidos na produção de carvão ecológico, de objetos feitos com papel reciclado e de móveis e brinquedos de madeira.

Segundo Francisca Regilma de Santana Santos, coordenadora da Codigma, as dificuldades enfrentadas ainda são enormes. Não apenas para conseguir crédito, mas também para facilitar o escoamento. Também são duras as condições de competição comercial com outros produtos. “Isso desestimula muito os cooperados, que vivem principalmente desta produção” relatou Francisca. “Não há nenhum subsídio do poder público. A iniciativa surgiu dos próprios trabalhadores”.

Clique aqui para ver o mapa da incidência trabalho escravo no estado do Maranhão ampliado.

http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1960

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