Marcio Sotelo Felippe
Reinaldo Azevedo postou em seu blog violento ataque à Associação Juízes para a Democracia. O motivo foi a nota em que a entidade de juízes fez críticas à conduta da reitoria da USP e das autoridades nos recentes episódios envolvendo aquela Universidade. A nota da AJD também motivou materia da Veja. Ilustrada com uma foto da suástica nazista. Inacreditável.
No texto de Reinaldo Azevedo há dois aspectos que merecem atenção das pessoas razoáveis e lúcidas do país. O primeiro – que foi também o mote da Veja – é a desonesta manipulação de um conceito básico das democracias contemporâneas.
A nota da AJD diz, em certa passagem, que a lei, seja em si mesma, seja na sua aplicação, deve ser recusada se contrariar princípios constitucionais.
Acontece todos os dias nas sociedades democráticas. Nas decisões dos tribunais, juízes ou administradores públicos. Do ponto de vista dos cidadãos, relaciona-se com o conceito de desobediência civil, tal como praticado por Gandhi e Martin Luther King, filosoficamente consolidado, ainda que de escassa repercussão prática. No conflito entre uma regra positiva e a moralidade, prevalecem a moralidade e os princípios constitucionais.
Mas o colunista pinça a frase para dizer que os juízes estão atacando o Estado de Direito e a idéia de supremacia da lei. Os juízes da AJD fizeram rigorosamente o contrário. Defenderam o Estado de Direito, a ordem constitucional e a moralidade.
Isto se chama delinquência intelectual. Mostra a inacreditável má-fé e desonestidade do colunista. Podia ser burrice, mas não parece ser o caso de se atribuir burrice a Reinaldo Azevedo. É o porta-voz das trevas, simplesmente.
O segundo aspecto. Após conduzir, maliciosamente, seus leitores à conclusão de que a AJD é uma perigosa entidade subversiva que pretende destruir a democracia, nomina, um a um, os dirigentes da entidade.
Isto se chama delinquência política. Que também atende pelo nome de fascismo.
Neste momento o colunista ingressou na infame galeria em que figuram, entre outros, Joseph McCarthy e o jornalista Claudio Marques.
McCarthy, como os leitores devem lembrar, foi o senador norte-americano responsável pela “caça às bruxas” nos anos 50, que perseguiu e destruiu a vida de milhares de pessoas sob a acusação de esquerdismo, fazendo da delação instrumento de ação política.
Claudio Marques foi o jornalista que denunciou Vladimir Herzog como perigoso esquerdista infiltrado na TV Cultura. Herzog foi preso após a infame campanha movida por Claudio Marques, e o fim do episódio todos conhecemos.
Reinaldo Azevedo vem numa escalada de violência verbal. Perdeu a noção de limites. Embriagado pelo sucesso de sua retórica ultradireitista em certo segmento social, criou um círculo vicioso em que ele e seus leitores alimentam-se reciprocamente de ódio. Sua linguagem incita o ódio dos leitores, e o ódio dos leitores o incita a tornar-se mais violento e permissivo.
Quem lê “A Chegada do III Reich”, do historiador ingles Richard Evans, identifica esse mesmo mecanismo na República de Weimar. Figuras semelhantes a Reinaldo Azevedo pululavam. O conceito clássico de fascismo é o uso da violência como instrumento politico. Nenhuma violência política se viabiliza sem uma etapa anterior anterior de ódio e violência verbal. Este o papel em que Reinaldo Azevedo e Veja se comprazem. O fascismo não surge por geração espontânea. Germina pouco a pouco com semeadores desse tipo.
Conflitos politicos resolvem-se, em uma democracia, por procedimentos antecedidos por diálogos em que os sujeitos agem racionalmente e submetem-se a tais procedimentos independentemente de seu resultado. Quem, como a Veja ou Reinaldo Azevedo, aventura-se no caminho da infâmia e da torpeza recusa esse diálogo racional e recusa os mecanismos democráticos. Não se importa mais com a política democrática, fazendo falsas profissões de fé na democracia. Vislumbra apenas o ódio como meio de ação política. Se o ódio não for suficiente, vai recorrer a outro tipo de violência.
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