Prevalência de anemia entre crianças com idade pré-escolar no município é de 57,3%, um valor quase três vezes acima da média nacional (20,9%). O índice é ainda cinco vezes superior à média observada no Norte brasileiro
Evandro Ferreira (*)
RIO BRANCO – A anemia é a carência nutricional mais prevalente no mundo, afetando 24,8% da população mundial, especialmente crianças (47,4%), gestantes (41,8%) e mulheres em idade fértil (30,2%), sobretudo em países em desenvolvimento. No Brasil ela ainda é considerada um grave problema de saúde pública entre crianças com idade pré-escolar (até 5 anos). Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher realizada em 2006 mostram que a prevalência da anemia no país era de 20,9%, com a região Norte apresentando o menor índice (10,4%) entre as macrorregiões pesquisadas. Em populações indígenas, entretanto, as prevalências de anemia ainda são muito elevadas, com proporções superiores a 60%.
As mudanças favoráveis dos indicadores de saúde e nutrição infantil observadas no Brasil nos últimos anos não se deram de forma homogênea entre as regiões e a prevalência da desnutrição infantil ainda permanece alta na Região Norte (14,7%). Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) na Região Norte é bem mais baixo (0,56) que o observado nas regiões Sul (0,75) e Sudeste (0,78). No Estado do Acre, a grande maioria dos municípios possui estimativas muito altas de prevalência de desnutrição infantil, destacando-se o Município de Jordão com as piores estimativas de prevalência de desnutrição segundo o indicador de déficit de estatura para idade (44,6%).
Foi em razão da escassez de estudos sobre a prevalência e fatores associados a distúrbios nutricionais na Região Norte do país, sobretudo em áreas de difícil acesso, que pesquisadores da Universidade Federal do Acre e da Universidade de São Paulo resolveram analisar a prevalência de anemia e fatores associados no Município de Jordão, um dos mais pobres e isolados do Acre.
O resultado do estudo mostrou que a prevalência geral de anemia foi de 57,3%. Considerando-se a população de crianças com ascendência indígena residente na área urbana, a prevalência de anemia foi de 37,5%, valor que aumenta consideravelmente na zona rural, onde 64,3% das crianças com ascendência indígena eram anêmicas.
Falta de esgotos sanitários
Em relação às características ambientais, não havia esgotamento sanitário no município em 2005: 75% dos dejetos eram desprezados em fossa ou vala a céu aberto, 30% das crianças consumiam água sem nenhum tipo de tratamento e cerca de 60% eram provenientes de famílias com renda inferior a R$ 288,00. A respeito das condições de acesso ao serviço básico de saúde, observou-se que 62,6% das crianças nasceram no próprio domicílio e somente 17,5% referiram acompanhamento regular em serviços de atenção básica (predominantemente em caso de adoecimento). Somente 17,8% das crianças estudadas apresentavam esquema vacinal em dia.
A prevalência de anemia, considerando as condições sócio demográficas da população avaliada, foi semelhante entre os sexos, predominando em crianças de 6 a 23,9 meses (75%), que residiam na área rural (62,1%), em moradias de paxiúba ou barraco (62,9%) e com alta aglomeração intradomiciliar (64%). Observou-se que as crianças não inscritas em algum programa social (60,9%), pertencentes às famílias mais pobres (62,7%) e cujas mães não trabalhavam fora (63,1%) tiveram maior risco de apresentar anemia.
Houve maior prevalência de anemia entre crianças cujas mães eram anêmicas (67,3%), adolescentes (73,1%), ou que fumaram durante a gravidez (66,5%). A utilização de remédio para verme nos últimos doze meses mostrou diferença estatisticamente significante na prevalência de anemia, com risco 23% maior para as crianças que não fizeram uso do medicamento. Dezessete por cento das mães não sabiam ler ou nunca freqüentaram a escola.
Prevalência é maior que média nacional
Foi observada associação positiva e estatisticamente significante entre anemia e tempo de aleitamento materno total (AMT) inferior a 120 dias. O aleitamento materno foi iniciado para a maioria das crianças (92,2%), mas a prática de aleitamento materno exclusivo foi precocemente interrompida: 70% das crianças eram amamentadas exclusivamente por menos de 30 dias.
As variáveis associadas à anemia observadas no município foram: local de moradia, número de crianças no domicílio, mãe trabalhar fora, fumo durante a gestação, anemia materna e déficit de Altura/Idade. A variável que apresentou maior associação com o desfecho foi idade da criança, indicando que as crianças de seis a 23,9 meses mantiveram maior risco (40%) de apresentar anemia em comparação às de 24 meses ou mais.
Segundo os autores, a elevada prevalência de anemia encontrada (57,3%) ressalta a magnitude do problema e a precariedade das condições nutricionais das crianças que vivem nessa região da Amazônia, classificando-a segundo os critérios internacionais da OMS como um grave problema de saúde pública. Baseado em estudos anteriores, eles acreditam ainda que os principais causadores da anemia nas crianças avaliadas em Jordão sejam a deficiência de ferro e práticas inadequadas de aleitamento materno. A introdução precoce do leite de vaca é desvantajosa para a nutrição da criança, pois além de diminuir a duração do aleitamento materno, pode interferir na absorção de nutrientes existentes no leite humano, como o ferro.
Apesar de reconhecerem algumas limitações metodológicas do seu estudo, os autores acreditam que o mesmo é uma iniciativa impar para o estabelecimento de um diagnóstico pioneiro sobre saúde e nutrição de crianças que vivem em localidades onde os desafios relativos à organização de serviços de infraestrutura básica – como fomentação da agricultura de subsistência local, geração de renda e qualificação dos serviços de saúde – ainda precisam ser superados. Ao final eles sugerem que o enfrentamento da anemia no município de Jordão requer, dentre outras medidas, maior cobertura das ações básicas de saúde com ênfase na assistência pré-natal e de puericultura.
O artigo “Anemia em crianças de 6 a 59 meses e fatores associados no Município de Jordão, Estado do Acre, Brasil” de Cristieli Sérgio de Menezes Oliveira, Marly Augusto Cardoso, Thiago Santos de Araújo e Pascoal Torres Muniz pode ser lido no site da revista Cadernos de Saúde Pública vol.27, no.5, publicado em maio de 2011.
Link do artigo: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n5/18.pdf
(*) É editor do blog Ambiente Acreano
http://www.agenciaamazonia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1075:anemia-em-cidade-da-amazonia-atinge-446&catid=1:noticias&Itemid=704