As casas do povoado de Muquém, em Mirabela, município do Norte de Minas a 483 quilômetros de Belo Horizonte, recebem água encanada, mas os moradores ainda carregam latas d’água na cabeça. O contraste ocorre porque a água que abastece a localidade, retirada de um córrego e armazenada em poço tubular, é distribuída sem tratamento, é salobra e “tem gosto ruim”, segundo os moradores. Muitos deles recorrem a um minadouro que fica em terreno particular, cujo proprietário liberou o acesso à comunidade.
O movimento de moradores, munidos de latas e garrafas, é intenso na área durante quase todo o dia. Mãe de três filhos, Juvieli Pereira Nunes mora a apenas 100 metros do reservatório de onde sai a água encanada que chega às casas, mas, de dois em dois dias, ela caminha cerca de 600 metros de sua casa até o minadouro para apanhar água. “A água que chega à torneira não dá para a gente tomar. Vem cheia de calcário e tem gosto ruim”, justifica Juvieli. Assim como boa parte da comunidade, ela não se importa com o fato de a água da mina não ser tratada.
“A água encanada vem com gosto de lama”, diz o lavrador José Carlos Cardoso, que também recorre ao minadouro. O pedreiro Paulo Nunes da Silva é outro que reclama. “A água que vem para as casas é tão salobra que não serve nem para fazer café.” A agente do Programa de Saúde da Família Marisa Rodrigues Silva, que mora e trabalha em Muquém, alerta que, nas visitas aos domicílios, já percebe consequências do consumo de água sem nenhum tipo de tratamento. “O índice de verminose é muito elevado, principalmente entre as crianças”, afirma.
O secretário municipal de Agricultura de Mirabela, Denílson Mendes, admite que já houve reclamações e diz que a prefeitura está tomando providências para tentar melhorar o abastecimento do lugar.
Hospitalidade
No semiárido mineiro falta água, mas não hospitalidade. Em todas as casas, sempre há para os visitantes, mesmo os que chegam sem avisar, um café, um bolo, um melado (rapadura derretida) e uma tradição da região: o biscoito “escrevido” . É assim que a população chama um biscoito de polvilho assado em forno de barro, encontrado em todas as residências.
Os três pedidos de Aurino:
‘água, água, água’
Três nós da fitinha de Bom Jesus da Lapa e os mesmos pedidos: água, água e água. É o que deseja Aurino Ferreira dos Santos, 83 anos, morador de Lajinha, na zona rural de Araçuaí, a 678 quilômetros de Belo Horizonte. Um parente fez romaria ao santuário, no interior da Bahia, ponto de peregrinação de muitos mineiros do Norte do estado, e trouxe a fitinha para a família. Sem se fazer de rogado, seu Aurino pediu de uma só vez o que toda a região do semiárido deseja: água boa para beber e produzir. Sua esposa, Alzira Gomes dos Santos, 68 anos, também ganhou a fitinha, mas a deixou na gaveta. Católica fervorosa, dona Alzira aposta mais na reza para tentar garantir água para a família.
Lá, eles vivem da chuva coletada em cisternas e de um minadouro (pequena nascente) salgado. Até as netas do casal, conta dona Alzira, juntaram um punhado de pedras, amarraram dois gravetos em forma de cruz e quiseram começar uma penitência para chover. “Mas não deixei que elas fizessem. É que quem começa uma penitência não pode parar. Tem de arrematar a penitência, senão acontece o contrário do que você pediu. E crianças não levam isso direito como tem que ser.” Para dona Alzira, a falta de reza é motivo para escassez de água. Seu Aurino discorda. “Que falta de reza nada. O povo está é desmatando tudo e acabando com as nascentes. Aqui nunca faltou água no rio”, diz.
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/08/13/interna_gerais,244919/muquem-recebe-agua-encanada-mas-moradores-ainda-carregam-latas-d-agua-na-cabeca.shtml