Falta precisão nos registros de queixas por discriminação

Os agentes policiais ainda têm muita dificuldade em discernir o que é preconceito e o que é “brincadeira”. Segundo uma pesquisa da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFLCH) da USP, palavras ou termos racistas utilizados pelos acusados devem ser relatadas com exatidão pela vítima para caracterizar o crime de racismo e para convencer o agente policial de que realmente houve uma situação ofensiva e racista.

O sociólogo  Artur Antônio dos Santos Araújo, que defendeu sua dissertação de mestrado sobre o tema, afirma que não é estranho afirmar que designações como “cabelo ruim”, “preto safado”, “negro sujo”, “chita” e “macaco”, entre outros adjetivos e expressões correntes tais como “se negro não suja na entrada suja na saída”, “lugar de negro é…” ou “só podia ser preto…” mesmo quando utilizadas em uma “aparente brincadeira” correspondem a uma visão preconceituosa, há muito tempo, incorporada à sociedade.

Entre os anos de 2000 e 2009, Araújo analisou 51 Boletins de Ocorrência (BO) registrados na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo (Decradi/SP), e no Departamento de Atividades Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal (Depate/DF), a fim de determinar como um agente policial classifica uma situação como crime de preconceito racial. Esta análise serviu de base, também, para verificar quanto o uso de estereótipos e expressões idiomáticas estão relacionados às complexas relações raciais no Brasil.

Dos dados extraídos dos boletins buscou-se a caracterização tanto das vítimas quanto dos autores dos conflitos, a fim de identificar a situação social, política, educacional e econômica. A intenção foi tentar entender o perfil dos envolvidos nos fatos.

Ademais, o boletim de ocorrência é muitas vezes a única forma de se manifestar contra o preconceito. Além de ser a porta de entrada para a formalização da denúncia para o Ministério Público, órgão responsável por dar continuidade a uma futura ação criminal.

Políticas públicas
Araújo observa que em delegacias não especializadas “não são poucas as vezes que um agente recusa-se a registrar o boletim de ocorrência por não entender a ofensa como discriminação racial”.

Ele ressalta a necessidade de implementação de políticas públicas não só de formação e capacitação continuada dos agentes de polícia nas questões de direitos humanos e combate ao racismo, mas também, que desenvolvam a  consciência das relações raciais no País.

A inferioridade do negro
O pesquisador somou o estudo de verbetes em diferentes dicionários à análise dos dados coletados nos boletins e se colocou criticamente frente a teorias como as de Donald Pierson (1971), Octávio Ianni (1978), Florestan Fernandes (2007) e Gilberto Freyre (1936).

O sociólogo explica que “Pierson assinalava que expressões usadas perderam a função de estereótipo porque são utilizadas como brincadeiras por brancos e negros. Já Ianni entendia que o uso dessas expressões traduzem a intenção do branco em colocar o negro e o pardo no extremo mais baixo de qualquer escala de valores sociais. Florestan Fernandes acreditava que grande parte dos provérbios referentes à condição social do preto são parte do ‘padre-nosso do negro’”.

A conclusão a que o pesquisador chegou foi que “a inferioridade do negro é fartamente expressa em várias situações das nossas práticas discursivas e sociais há vários séculos”. “Os atos da vida social dos negros são naturalmente expressos como deprimentes e pejorativos, cabendo a ele o mais baixostatus da hierarquia social”, constata o sociólogo. “Isso é reflexo da permanência de uma cultura de dominação sobre o negro e do desenvolvimento de uma falsa tese da democracia racial no Brasil.”

Para Araújo “os resultados deste estudo apontam para o fato de que há inúmeros adjetivos, expressões e provérbios,  que se cristalizaram no discurso cotidiano, dão continuidade à prática discursiva e social do racismo”.

A pesquisa Esterótipos: constituição, legitimação e perpetuação no discurso sobre o negro foi desenvolvida por Araújo, sob orientação da professora Zilda Aquino, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH) da USP.

 

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