Carta Aberta ao povo do Norte de Minas Gerais

Nós,  entidades  populares,  povos  e  comunidades  tradicionais, organizações sociais do Norte de Minas Gerais, viemos por meio desta carta aberta, alertar a população de Riacho dos Machados, Porteirinha, Rio  Pardo  de  Minas  e  demais  localidades  próximas  às  áreas  de implantação de novos projetos de mineração, nesta região, acerca dos grandes e insustentáveis impactos sociais e ambientais provocados por estes empreendimentos no mundo. Estamos falando de um modelo de desenvolvimento predatório, que esgota os recursos naturais carregando nossas riquezas e deixando para trás um enorme passivo ambiental.

Historicamente, vimos o  tal do  “progresso” chegar: vieram as grandes empresas  liberadas do pagamento de  impostos, pela SUDENE, vieram os maciços  florestais  derrubando  o  cerrado  e  a  caatinga  e  encurralando comunidades,  vieram as barragens e  tantos outros empreendimentos que aprofundaram ainda mais as desigualdades sociais na região.

Nossa riqueza foi sendo explorada, carregada para os grandes centros com promessas de emprego, diminuição da pobreza e desenvolvimento para as cidades. Este discurso enganou e vem enganando muita gente. Mas não nos engana.

Quanta promessa! Quanta enganação! Quem vem ganhando com tanta exploração  dos  nossos  recursos  naturais?  As  pessoas  do  lugar?  As empresas? Os políticos interesseiros?

Os  meios  de  comunicação  –  jornais,  rádios  e  TVs  –  concordam  e reproduzem  o  falso  discurso  das  empresas.  O  povo  acredita  nas possibilidades e, ansioso por empregos, espera uma chance de conseguir um registro pela carteira azul – direito que deveria atender a  todo  trabalhador. A impressão que se  tem é que a solução para  tudo está chegando. Mas é importante que se saiba algumas questões sobre o Projeto Mineração iniciado em  Riacho dos Machados e que deve atingir outras regiões:

1 – Em uma escala de 1 a 6, que classifica o potencial poluidor de um empreendimento, o Projeto de Mineração Riacho dos Machados Ltda. é classificado como um empreendimento classe 6, nível máximo, sendo assim, reconhecido como de alto risco de contaminação.

2 – Em 1978/1981, quando se descobriu a  jazida de ouro na  região,  foi descoberta  junto,  uma  grande  jazida  de  arsênio.  Material  químico altamente venenoso, o arsênio é liberado a partir da exploração do ouro, e contamina ar e água.

Diversos estudos  científicos e da área de saúde  constatam que, onde  há  exploração  de  ouro, muitas  pessoas  são  contaminadas  pelas diferentes formas de disseminação do arsênio, pela água, pela poeira no ar, e pelo consumo de folhas e frutos que possam ter sido alcançados pela poeira com arsênio, ou pelo consumo de carne de animais ou peixes, que tenham ingerido substâncias com estes elementos.

O arsênio é acumulado no organismo ao longo da vida, fazendo com que muitas pessoas sejam envenenadas aos poucos, podendo chegar a morrer ou serem acometidas por muitas doenças como o câncer, sem descobrirem a causa da sua intoxicação. Outra consequência pode ser a mal formação de fetos durante a gravidez.

Até  hoje,  consta  nas  análises  das  águas  de  Riacho  dos  Machados  quantidades  de  arsênio, provavelmente da época da exploração da Vale do Rio Doce. Recentemente, um grupo da  região  foi a Paracatu e conheceu os enormes problemas trazidos pela mineração do ouro.

Para a exploração do ouro na região, vai se usar também o cianeto, outro composto químico altamente venenoso e,  como o arsênio, muito  solúvel em água – podendo, por essa  característica e sem adequada disposição e medidas de segurança, contaminar com muita facilidade rios e lençóis freáticos.

Apesar de ter abrigado durante muitos anos um grande projeto de mineração neste mesmo lugar, o município de Riacho dos Machados, não tem sequer um hospital. Até em casos de parto normal, a grande maioria é realizado no município vizinho de Porteirinha. O que as pessoas do lugar ganharam nestes anos de exploração de seus recursos?

Os impostos pagos pelas mineradoras, de 2 a 3% do faturamento líquido,  são  irrisórios  e,  na  maioria  das  vezes,  não  chegam  aos municípios.  O Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) estima um valor superior a dois bilhões de reais, dos impostos devidos pelas mineradoras, somente em Minas Gerais.

3 – Antes mesmo de concedida a Licença Prévia para o empreendimento  –  pelo  Conselho  Estadual  de  Política  Ambiental (Copam)  –  a  empresa  já  adquiriu  propriedades  das  famílias agricultoras, que venderam a preços insignificantes suas terras, com toda a riqueza escondida sob o chão.

4 – É sabido que a migração de pessoas para o município aumentará de forma significativa. Isto acarretará problemas  sociais graves, causados pela  chegada massiva de  trabalhadores,  concorrentes diretos dos habitantes  do  município  às  vagas  de  emprego.  Como  todo  empreendimento  de  mineração  que  atrai trabalhadores de  fora às cidades pequenas, a violência aumentará, da mesma  forma que a exploração sexual de crianças e adolescentes, causando gravidez precoce e não planejada.

5 – O período de obras e da implementação do projeto, época onde será contratado o maior número de pessoas,  será  de  apenas  15 meses. Depois  disso,  a maior  parte  do  pessoal  será  despedida  e  serão contratadas outras pessoas para o período de exploração da mineração que, conforme o projeto, será de apenas 8 anos. De acordo com o estudo do Relatório de Impacto Ambiental (Rima), nesse curto período de tempo a mineradora extrairá cerca de 15 milhões de toneladas de minério aurífero, riqueza inquestionável, sendo que, para isso, produzirá cerca de 144 milhões de toneladas de rejeitos, um lixo que ficará para todos os que permanecerem na região – possivelmente, aterrando nascentes, vegetação natural e áreas produtivas para a  agricultura  e  a  pecuária,  com  riscos  enormes  de  ocorrer  catástrofes  ambientais,  como  vemos frequentemente nos meios de comunicação.

Quando a Empresa vai embora carregando os lucros, tudo o que fica, são os filhos do alcoolismo, a terra esburacada e sem condições de outros usos, a oferta de água diminui e sua contaminação matará muitos de nossos irmãos, principalmente de câncer. A terra degradada será desvalorizada.

NÃO É ESTE O DESENVOLVIMENTO QUE QUEREMOS E ACREDITAMOS. QUEREMOS SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E SOCIAL ALIADA À VIDA DIGNA DAS PESSOAS QUE SEMPRE VIVERAM AQUI. POR ISSO, ESTAMOS ATENTOS E VAMOS CONTINUAR RESISTINDO E CONSTRUINDO O NOSSO PROJETO POPULAR.

FÓRUM DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO NORTE DE MINAS

O Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas é um espaço de articulação política criado em 1994 pela sociedade civil com o objetivo de promover o debate sobre projetos e programas de desenvolvimento, apontando alternativas sustentáveis para a região. Ele é composto por diversas entidades populares e organizações sociais como associações, entidades de classe, organizações não governamentais, pastorais sociais, entre outros.

No Fórum, as entidades e organizações civis discutem a conjuntura, planejam lutas e definem estratégias para a construção de um projeto popular para o Norte de Minas. O Fórum do Norte compõe, junto ao Fórum do Vale do Jequitinhonha, a Articulação no Semiárido Mineiro (ASAMinas).

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