Um homem ameçado de morte. Entrevista especial com Javier Giraldo

O padre jesuíta Javier Giraldo trabalha, há 30 anos, apoiando as vítimas dos paramilitares, do exército nacional e da guerrilha colombiana. Por denunciar os crimes e assassinatos cometidos por estes grupos, está sendo ameaçado de morte, por meio de pichações pelas ruas de Bogotá, onde vive. Essa é a quarta vez que Pe. Giraldo passa por essa situação. “Aconteceram em 1996, 1998, 2006 e 2010. As ocasiões, sobretudo as anteriores, vinham diretamente de membros do Exército ou membros da segurança do Estado. Neste ano, descobri que há também grupos paramilitares vinculados às empresas de palma africana que expulsou muita gente de comunidades de afro-descendentes da Costa Pacífica colombiana”, relatou ele durante a entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line.

Ele fala sobre as ameaças de morte, mas também relata os crimes que vem sendo cometidos contra as comunidades camponesas e pobres da Colômbia. Além disso, Giraldo traça um perfil do presidente recém eleito Juan Manuel Santos e fala das perspectivas desse novo governo. “Eu não sou otimista. Eu não creio que a relação deste presidente com as políticas do anterior, ou seja, Juan Manuel Santos e Álvaro Uribe, nos traga alguma política que respeite os direitos humanos. Santos, quando era ministro da Defesa, fez uma incursão armada no Equador para assassinar um dirigente das FARC que estava na fronteira, mas não somente fez isso como assassinou muitas outras pessoas que estavam ali, entre elas alguns estudantes equatorianos e mexicanos”, contou.

Javier Giraldo é pesquisador do Centro de Pesquisa e Educação Popular – CINEP, com sede em Bogotá. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quem está o ameaçando de morte?

Javier Giraldo  – As ameaças de morte não começaram neste ano, faz muitos anos que as recebo. Aconteceram em 1996, 1998, 2006 e 2010. As ocasiões, sobretudo as anteriores, vinham diretamente de membros do Exército ou membros da segurança do Estado. Neste ano, descobri que há também grupos paramilitares vinculados às empresas de palma africana que expulsou muita gente de comunidades de afro-descendentes da Costa Pacífica colombiana.

Agora, estão me castigando pelo apoio que tenho dado a essas comunidades. A linguagem que utilizam nas pichações que fazem contra mim é muito similar às utilizadas nas páginas da internet dos grupos paramilitares que apoiam essa empresa. Por isso, creio que as ameaças estão relacionadas a esse conflito.

Juan Manuel Santos

IHU On-Line – Quem é Juan Manuel Santos? Que denúncias o senhor fez contra ele?

Javier Giraldo – Ele foi o Ministro da Defesa e este perído foi a época da maior intensidade de assassinatos de civis. As vítimas foram apresentadas à opinião pública como guerrilheiros mortos em combate. Esse é um fenômeno muito conhecido na Colômbia, que é chamado de “Os falsos positivos”, ou seja, são comunicados dos militares como ações positivas, mas que são falsas, porque eram camponeses que foram vestidos de guerrilheiros depois de mortos.

Os militares chamam essas ações de resultados positivos contra a insurgência. O governo queria passar uma imagem de que está vencendo a batalha com tantos mortos da guerrilha, mas são pessoas civis que, em sua grande maioria, são muito pobres, camponeses ou jovens da periferia. Os militares chegam até essas pessoas fazendo promessas de trabalho em lugares longe de onde vivem. Então, os matam e apresentam seus cadáveres como mortos num combate com o Exército.

Juan Manuel Santos, quando era Ministro da Defesa, disse que combateu esse fenômeno. No entanto, para mim, ele deveria ter renunciado ao ministério quando descobriu a magnitude desse fenômeno, mas não o fez. Apenas destituiu alguns militares com o intuito de limpar a imagem do governo. Por isso, seu pensamento econômico e social é o de impor a economia transnacional e apresentar facilidades de investimento de capitais estrangeiros na economia colombiana, o que vai fazer com que a pobreza aumente ainda mais.

A Colômbia já abriu muito suas portas para empresas de minérios que destroem as pequenas empresas de setores pobres que exploram as minas. Além disso, estão entrando as gananciosas empresas petroleiras que fomentam a corrupção. Esse é o tipo de economia que ele tem apoiado.

IHU On-Line – O que o senhor espera do novo governo colombiano?

Javier Giraldo – Eu não sou otimista. Eu não creio que a relação deste presidente com as políticas do anterior, ou seja, Juan Manuel Santos e Álvaro Uribe, nos traga algum projeto que respeite os direitos humanos. Santos, quando era ministro da Defesa, fez uma incursão armada ao Equador para assassinar um dirigente das FARC que estava na fronteira, mas não somente fez isso como assassinou muitas outras pessoas que estavam ali, entre elas alguns estudantes equatorianos e mexicanos.
Essa foi uma violação muito grave aos direitos internacionais e provocou um conflito com o governo do Equador. Por isso, Juan Manuel Santos tem ordem de captura pela Justiça daquele país. Nessa mesma época, ele agrediu verbalmente, de uma maneira muito forte, o governo da Venezuela e criou outro grande conflito internacional. A negociação dos armamentos, aviões e helicópteros de guerra com a Espanha foi feita por um preço muito baixo à Colômbia, de modo que os aparelhos fossem colocados na fronteira com a Venezuela, agredindo militarmente o país vizinho.

Ele negociou também a inserção das bases militares norte-americanas na Colômbia, e, nos documentos que temos conhecimento, há artigos que mostram claramente que um dos objetivos dessas bases é atacar governos estrangeiros, principalmente o governo da Venezuela. Por isso, não podemos esperar bons tempos em relação à política internacional, nem no que diz respeito aos direitos humanos.

IHU On-Line – Em sua opinião, o que está realmente em jogo na Comunidade de Paz de San José de Apartadó? Como começou o conflito que existe nessa região?

Javier Giraldo – Essa é uma comunidade de camponeses que vivem numa região que, há muitos anos, vive o terror da luta armada. Ali estão presentes também as guerrilhas e os paramilitares. O Exército oficial tem feito operações muito grandes do que chamamos aqui de Terra Arrasada. Eles fazem deslocamentos da população e entregam o poder local aos paramilitares.

Em 1994, o bispo católico Isaías Duarte Cancino [1] foi o primeiro a se reunir com os camponeses e propôs que fizessem uma frente de resistência às expulsões. Ele sugeriu que a comunidade deveria fazer um anúncio público afirmando que eram uma população neutra nessa guerra para ver se assim era possível que respeitassem seus direitos conforme a Convenção de Genebra e todos os documentos de direitos humanos internacionais.

Os camponeses se entusiasmaram com a proposta e começaram a organizar reuniões para compor uma declaração que se tornou pública no dia 23 de março de 1997. Ali nasceu a Comunidade de Paz. Isso foi num domingo de Ramos. Nessa mesma semana, o Exército reagiu muito brutalmente, bombardeando quase todos os assentamentos rurais que pertenciam à San José de Apartado e provocaram uma fuga massiva, além de terem matado muitas pessoas para obrigar a população a abandonar a região.

Ação paramilitar na Colômbia

Contudo, os que organizaram a declaração fugiram para outras regiões e começaram a resistência. Eles se reuniram num pequeno núcleo urbano que havia na área e ocuparam todas as casas, com o acompanhamento da Igreja. Nossa Comissão de Justiça e Paz começou a apoiá-los 24 horas por dia. Eles resistiram e não se deixaram expulsar, apesar de os paramilitares terem colocado postos de controle na estrada, e ali assassinaram muita gente entre 1997 e 1999. Enquanto isso, fizemos muitas denúncias ao presidente, ao setor judicial e à Comissão Interamericana de Justiça e Paz, que exigiu medidas cautelares do governo em favor da comunidade. Depois, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assumiu a proteção da comunidade. Apesar de tudo isso, não há semana em que não haja violação de direitos humanos nessa região.

A Comunidade de Paz é composta por dez pequenos núcleos de população, porque a zona rural onde habitam é muito ampla. Esses núcleos são coordenados por um conselho. E, desde 2004, vendo que a Justiça não atuava sobre todos os crimes que aconteciam na região, os camponeses romperam com o órgão e se negam a dar declarações. Suas denúncias, para a Justiça, nunca serviu para nada, a não ser para matar as testemunhas e denunciantes. Então, a ruptura fez com que eles tivessem uma relação muito distante com o Estado, as prefeituras e os paramilitares.

Eles preferem criar um sistema de educação próprio, capacitando os jovens da comunidade para que sirvam como educadores. Criaram também um sistema cooperativo onde buscam a autonomia alimentar. Estão organizando, com isso, grupos de trabalho para produzir na mesma região a alimentação que consomem. Em épocas passadas, os militares e paramilitares faziam cercos para que passassem fome, destruindo todos os cultivos e assassinando os condutores que levavam a comida às comunidades. Esse sistema de autonomia alimentar é ainda muito deficiente, mas é uma comunidade com muitas iniciativas e que têm, sobretudo, um sentido muito grande de dignidade.

Em 2005, ocorreu um dos massacres mais terríveis, quando assassinaram oito pessoas, entre elas um dos fundadores da comunidade e três crianças pequenas, uma delas de apenas 18 meses, que foi desmembrada pelos militares e paramilitares. Depois disso, o presidente Uribe ordenou que a polícia e o Exército ocupassem o território e as casas da comunidade que fugiram dali para viver em outro lugar. Os civis construíram, em uma fazenda privada, um assentamento que já dura cinco anos. Quando chegaram ali, não tinham nada, nem serviço de água, nem casas, nem luz.

Hoje em dia, já têm os serviços fundamentais que eles mesmos construíram com algum apoio de comunidades solidárias de outros países. Ali, eles enterraram os restos das vítimas num lugar que tornaram um monumento à memória dos familiares e amigos assassinados. Eu acabo de regressar de lá há dois dias, e encontramos os restos de uma vítima que estava desaparecida há dois anos e, finalmente, pudemos fazer o funeral. Esse lugar simbólico é como o centro da nova comunidade. Esse povo pode ser qualificado como uma comunidade de resistência heróica.

IHU On-Line – Como o senhor analisa o funcionamento atual e a evolução dos paramilitares na Colômbia?

Javier Giraldo – Os paramilitares existem na Colômbia há muitos e muitos anos. Eu publiquei alguns estudos sobre o fenômeno do paramilitarismo. O governo divulga uma história do paramilitarismo que não é verdadeira, porque sustentam que essa organização nasceu nos anos 1980 e que foi criada por grupos privados para se defenderem da guerrilha.

A verdade é que o paramilitarismo nasceu nos anos 1960 como fruto de uma missão militar dos Estados Unidos na Colômbia. Em 1962, não havia no país um conflito armado. Antes dessa época existiram as guerrilhas liberais, mas que já haviam terminado. Já as guerrilhas de esquerda nasceram em 1965. Os documentos que descobrimos sobre essa missão dos EUA deixam claro que a configuração dos grupos paramilitares respondia a um desejo de atacar o comunismo e os grupos de esquerda. Num dos documentos, fala-se explicitamente sobre organizar atentados terroristas paramilitares.

Nos anos 1980, os paramilitares uniram forças com os narcotraficantes, e o dinheiro do narcotráfico, que é enorme, permite que eles tenham muito poder, possam comprar armas e equipamentos de comunicação modernos e, sobretudo, pagar salários muito altos. Nos estudos sobre o paramilitarismo, descobri que desde 1965 o governo havia legalizado a entrega de armas a grupos civis que foram auxiliares do Exército. Os documentos apresentam muitos artigos em que legalizavam os grupos paramilitares. Então, em 1989, quando houve o genocídio da União Patriótica [2], a Corte Suprema derrubou os fundamentos legais do paramilitarismo.

No entanto, pouco tempo depois, em 1993 e 1994, criaram o estatuto das empresas privadas de segurança que dava um espaço muito propício para criar grupos paramilitares, mas que nesse momento se chamavam cooperativas de segurança. Foram elas que ficaram famosas por sua violência e genocídios os anos 1990. Em 1998, a Corte Constitucional investigou a legalidade dessas cooperativas e declarou-as, infelizmente, constitucionais e só colocou uma restrição quanto ao tipo de armas que podiam manejar.

Dali em diante, o paramilitarismo tem sido uma força permanente. Quando o presidente Uribe foi eleito, aconteceu uma censura mundial muito grande, porque os crimes dos paramilitares estavam inundando os órgãos internacionais de direitos humanos, então ele prometeu desmobilizá-los. Mas, com estratégias muito inteligentes, Uribe estabeleceu um novo paramilitarismo legalizado, uma vez que criou redes de cooperação com o Exército. Assim, hoje temos um país com dois tipos de paramilitarismo: um legalizado, que é auxiliar dos corpos de segurança do Estado, e um não legalizado, que são os antigos paramilitares “reciclados” e que continuam cometendo os crimes mais horrendos, mas se amparam no anonimato e na impunidade. A Colômbia é realmente um país que não vai bem. Creio que o presidente Santos compartilhará das mesmas coisas que Uribe defende. Não acredito que ele vá mudar essa estratégia de manejar dois tipos de grupos paramilitares.

IHU On-Line – O que é a Brigada 17 e qual é o seu papel nas comunidades do interior da Colômbia?

Javier Giraldo – A Brigada 17 e o Exército nacional estão divididos por motivos administrativos. Ela está presente em 17 divisões geográficas e cada uma delas têm várias brigadas – que é uma unidade territorial. A Brigada 17 se ocupa do território onde fica San José de Apartado. Essa brigada cometeu a maioria dos crimes contra a Comunidade de Paz.

IHU On-Line – Qual é o papel do ex-general Rito Alejo del Río em relação aos paramilitares e a guerrilha?

Javier Giraldo – O general Rito Alejo del Rio foi o comandante da Brigada 17 entre 1995 e 1997. Nesse período, ele protegeu os grupos paramilitares mais violentos dessa região. Além disso, organizou operações militares com bombardeios que foram os que mais afetaram não somente a Comunidade de Paz de San José, mas também muitas outras comunidades, porque ela se estende até a Costa Pacífica, onde há um grande rio. Ao redor desse rio, há vários pequenos assentamentos de comunidades afro-descendentes. Todas elas foram afetadas pela Brigada 17 cujas operações mataram violentamente muitas pessoas, assim como outras tantas continuam desaparecidas.

Agora, estão julgando o general por esses crimes, mas já o haviam absolvido antes. Ele foi detido em 2003, mas rapidamente foi libertado, porque os órgãos policiais do país estão contaminados pela corrupção, e todos os fiscais que se ocuparam de seu caso trabalharam muito para libertá-lo. Há alguns meses, a Corte Suprema voltou a abrir seu caso, e agora ele está detido numa guarnição militar, e estão investigando novamente seus crimes. Vários líderes paramilitares de alto nível foram extraditados aos EUA e declararam ante a Justiça sua relação estreita com o general Rito Alejo, por isso voltaram a abrir seu caso.

IHU On-Line – A partir de uma perspectiva cristã, como o senhor analisa esta realidade? É possível ter esperança?

Javier Giraldo – Eu estou convencido, há muitos anos, que ser cristão não é ser imparcial. É preciso tomar partido pelas vítimas. Temos a obrigação de denunciar a injustiça e se colocar ao lado dos menos favorecidos. A Igreja tem muitas falhas e defeitos nesse compromisso com as vítimas. Mas pouco a pouco alguns vão reconhecendo isso.

Mas, do ponto de visto da esperança, eu tenho minha própria leitura. Eu creio que a esperança política, muitas vezes, se apóia em colunas baseadas no êxito e na recompensa. Uma esperança que se apóia nisso não é cristã. Um compromisso com uma estratégia com denúncia e mudança do tipo de sociedade não pode se apoiar apenas naquilo que terá êxito. A cruz de Cristo é um sinal de que precisamos nos comprometer com valores que podem fracassar.

Notas:

[1] Isaías Duarte Cancino foi um clérigo colombiano. Foi um forte crítico das guerrilhas colombianas, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN), e grupos de narcotraficantes. Foi assassinado em 2002 por dois homens armados quando saia de uma cerimônia religiosa na cidade de Cali.
[2] A União Patriótica é uma organização que surgiu no começo da década de 80, fruto dos acordos de paz entre as Farc e o governo conservador do Dr. Belizário Bettancourt. Essa experiência foi muito importante para a história da Colômbia, porque pela primeira vez a esquerda colombiana obteve uma porção de votos significativa: quase 380 mil votos, sendo que, tradicionalmente, a esquerda chegava a 75 mil votos. Mas União Patriótica foi atacada militarmente pela oligarquia a tal ponto que cerca de 2.500 militantes foram assassinados entre 1984 e 1995.

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