Para a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a decisão da Corte Especial do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região, que negou três pedidos de suspensão da licença ambiental prévia dada à hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), menospreza os danos em terras indígenas da região.
No último dia 20, o Tribunal manteve decisão anterior da Presidência da Corte, em favor dos empreendedores do projeto, por entender que, ao contrário das alegações dos autores dos recursos, a licença prévia não é inválida devido à falta de uma lei que estabeleça condições para o aproveitamento de energia elétrica em terras indígenas.
O desembargador presidente Olindo Menezes considerou que, de acordo com os estudos de impactos ambientais de Belo Monte, o trecho afetado diretamente pela construção da usina não inclui as terras indígenas. Com isso, ele argumentou que tais áreas apenas sofrerão impactos do projeto e que a Constituição Federal exige a lei específica somente para atividades desenvolvidas em terras indígenas, e não para as realizadas fora delas, com efeitos ou repercussão ambiental.
Porém, segundo a pesquisadora da Kanindé, Telma Monteiro, o magistrado se esqueceu de que a Terra Indígena (TI) Paquiçamba, por exemplo, vai ser diretamente afetada pela vazão reduzida que decorrerá da construção da barragem. Ela afirma que as alterações causadas pela usina não vão permitir a manutenção das características naturais do trecho de 100 quilômetros da Volta Grande do rio Xingu, onde se localiza a TI.
“Embora os reservatórios e os barramentos de Belo Monte não estejam no interior da TI, a vazão reduzida estaria lá sim, como parte da obra de desvio das águas através de canais de adução para geração de energia. Então a TI Paquiçamba, que depende da vazão natural, viraria uma ‘ilha’ isolada e sem acesso à cidade de Altamira [PA], devido ao reservatório dos canais, além da restrição da navegação”, explica Telma.
Menezes entendeu que o impacto de Belo Monte às Tis não é negado pelos empreendedores, já que os mapas constantes do processo de licenciamento preveem medidas compensatórias para as populações indígenas afetadas pela obra, ainda que essas vivam fora da área a ser alagada com a construção da usina.
Telma da Kanindé diz que medidas compensatórias não resolveriam os impactos definitivos e não mitigáveis da hidrelétrica aos indígenas. “A pesca é muito importante para os Juruna da TI Paquiçamba. Com o desvio das águas nesse trecho da Volta Grande, ela será uma das atividades mais impactadas se Belo Monte for construída. Com o regime hidrológico alterado, toda a cadeia alimentar e econômica sofrerá o impacto diretamente”.
Indefinição quanto ao reservatório da usina
Os autores de ações contra Belo Monte também alegam que a dimensão da área do reservatório, prevista no Estudo de Impactos Ambientais (EIA) do projeto, é diferente da estimada por foto de satélite que integrou o edital do leilão da hidrelétrica.
Um dos anexos do edital do leilão de Belo Monte indica que a área dos reservatórios da usina seria de 668,10Km2, enquanto o EIA, com base no qual foi dada licença prévia ao empreendimento, prevê uma dimensão de 516 km2.
Quanto a esse ponto, o desembargador Menezes afirma que o número correto é aquele previsto no Estudo de Impacto Ambiental, sendo mera projeção o valor apontado pela imagem de satélite. “Ademais, a formação do reservatório só se efetivará com a finalização da obra”, acrescentou o magistrado.
No entanto, Telma lembra que o documento do edital do leilão de Belo Monte mostra uma imagem registrada por satélite, e não uma estimativa. “Não há erros em fotos de satélite – e está bastante clara a medida dos reservatórios: 668,10 km². É preciso que fique claro que o edital não pode ter discrepância de informações em relação aos estudos analisados no EIA. Se a área só seria efetivada na finalização da obra, então para que o projeto?”, argumenta.
Histórico
O Ministério Público Federal, a OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e a Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé ajuizaram três ações na Vara Federal de Altamira (PA), buscando suspender os efeitos da licença ambiental prévia concedida à usina de Belo Monte pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
As alegações usadas para fundamentar esses pedidos foram as seguintes: não poderia ser emitida a licença enquanto não fosse editada a lei referida no § 1.º do art. 176 da Constituição Federal, a qual estabeleceria as condições específicas para o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica em terras indígenas; a licença prévia foi expedida sem análise das contribuições arrecadadas nas audiências públicas; haveria divergência entre a dimensão da área do reservatório, prevista no EIA, e aquela estimada por foto de satélite que integrava o edital de licitação da hidrelétrica.
Decisões liminares da Justiça de Altamira chegaram a suspender os efeitos da licença prévia de Belo Monte, ordenando que não fosse expedida outra até o julgamento do mérito das ações. Mas, a União e a Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pediram a suspensão dessas tutelas antecipadas.
Na ocasião, o então presidente, desembargador federal Jirair Aram Meguerian, reverteu as decisões de 1.º grau, sobrevindo a interposição de agravos regimentais por Ministério Público, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e Kanindé. Com isso, coube ao presidente atual do TRF-1° Região, desembargador federal Olindo Menezes, o julgamento desses pedidos.
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