O novo relatório do Código Florestal torna mais flexíveis as regras de preservação para agricultores, mas pode tirar a credibilidade da agricultura brasileira no exterior, afirma o Superintendente de Conservação da WWF Brasil, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza em entrevista a Dayanne Sousa do Terra Magazine, 30-06-2010.
Eis a entrevista.
A WWF se uniu com várias outras Ongs contestando o relatório do deputado Aldo Rebelo. Qual o principal argumento? A questão da redução do percentual obrigatório de preservação em margens de rios?
Antes de tratar do conteúdo, temos uma crítica a forma como o relatório foi elaborado. Sem assegurar nenhuma participação representativa de todas as partes interessadas. Num levantamento do Greenpeace ficou claro que foram privilegiados uma série de representantes dos governos locais e de agricultores. Nem a comunidade científica foi devidamente ouvida. Estas considerações estão se apoiando muito mais numa pressão política ou numa postura predominantemente eleitoreira dos deputados que estão tratando do assunto.
Mas então essa questão da redução da área preservada não é a maior preocupação ambientalista?
Quanto a matéria, eu não acho que a questão da redução seja o maior problema. O maior problema é remeter aos Estados essas decisões de pra cima ou pra baixo segundo a proposta, caberá aos mesmos definirem quais áreas desmatadas devem ser recuperadas. Claro que o Estado poderia ter um nível de proteção maior do que o piso da legislação federal, mas nunca a legislação federal poderia deixar reduzir o tamanho e ainda mais deixar cada um dos Estados tomarem decisões a respeito influenciados por uma dinâmica política ainda mais míope, ainda mais sujeita a pressões e a interesses de curto prazo. Entendemos, aqui na WWF, que poderíamos ter variações ligadas aos grandes biomas brasileiros. A realidade da Amazônia é muito diferente da dos Pampas, no Rio Grande do Sul. Mas remeter aos diferentes Estados dentro de um mesmo bioma, acho isso um dos pontos mais graves e que mais reforça o predomínio de uma visão política.
Você defende que as mudanças no Código são uma opção eleitoreira, por que?
Acho que as questões mais importantes para a agricultura brasileira são problemas como logística, perdas, questões de armazenamento e transporte – são absurdas, difíceis de serem resolvidas e, por isso, na lógica desses deputados míopes, é preferível atacar um assunto que dá pra render bastante voto do que atacar assuntos estruturais que vão demorar anos para serem resolvidos. Acho que o interesse da agricultura brasileira é continuar com o handicap (vantagem), vamos dizer assim, de ser uma agricultura que pode expandir sua oferta sem desmatar mais nada. Um dos primeiros prejudicados é, a longo prazo, a própria agricultura.
A agenda foi dominada por essas lideranças ruralistas mais extremadas da Câmara. Eles estão jogando para assegurar um capital eleitoral na próxima eleição e também as doações. Eu tenho certeza que o Aldo Rebelo e todos esses deputados asseguraram doações suficientes para fazer uma campanha com bastante recurso.
Por que a agricultura seria prejudicada a longo prazo?
A gente tem que assegurar que em nenhum momento a gente vai ter uma barreira comercial relacionada à questão climática. É por isso que a gente precisa de uma agricultura que expanda sem promover o desmatamento. Uma agricultura que possa atender a demanda e evitar que no futuro a gente possa sofrer alguma sanção comercial baseada na quantidade de carbono ligada a alguma commodity agrícola. É justamente para o crescimento da agricultura em médio e longo prazo que a gente está defendendo uma legislação ambiental forte.
O principal argumento do deputado Aldo Rebelo na maioria das entrevistas que ele deu é que a lei ambiental hoje é impossível de ser cumprida. Você acha que o Código atual era inviável?
E quanto às mudanças para territórios agrícolas de pequeno porte? O porcentual mínimo de 20% de proteção ambiental só seria exigido das parcelas das propriedades que ultrapassarem os quatro módulos rurais do Incra (o módulo em hectares é calculado para cada imóvel). Essa isenção incide mais gravemente nos Estados onde as propriedades já são pequenas, como no Sul do país, onde a devastação é muito grande. Por conta do modelo de colonização, a estrutura agrícola já é fragmentada. Colocar isso pra baixo de quatro módulos causa o efeito perverso de isentar a necessidade de recuperar essas florestas exatamente no lugar que mais precisa disso.
Mas uma das alegações a favor do novo Código é a de que ele favoreceria os pequenos agricultores. Você concorda com isso?
Da forma como foi feito, exatamente para dar conta desse argumento, toda propriedade abaixo dos seus quatro módulos não poderia ter. Mas se você tivesse uma grande propriedade – vamos supor, de mil hectares, e vamos supor que o módulo fosse de 250 hectares – os limites de reserva legal e tudo o mais iria incidir nos 750 hectares e não incidiriam nos 250. Essa forma como está colocado lá anula esse argumento. Seria se fosse aplicado apenas para propriedades menores para quatro módulos. Mesmo o grande proprietário pode estar sendo beneficiado, porque o cara pode ter uma propriedade gigantesca, mas até aquele limiar de quatro módulos não estaria incidindo.
O principal argumento do deputado Aldo Rebelo é que a lei ambiental atual é impossível de ser cumprida. Você acha que o Código é inviável?
Não, eu acho que não. O Código é viável. É claro que ele requer alguns ajustes. Um que é bem patente é a questão das APPs (Áreas de Preservação Permanente – não sofreram alteração na nova proposta). Mas veja que não é a lei. A resolução 330 do Conama não é clara no seu texto suscitando uma série de interpretações sobre como calcular a área onde incidiria a APP. Esse é um dos pontos que poderia ser mexido sem mudar o corpo principal do Código, por meio de resoluções. Essa pressão toda aconteceu porque, com a Lei dos Crimes Ambientais, essas inconformidades passaram a ser objeto dos procuradores e a ser penalizadas. Foi um grande combustível para essa visão eleitoreira, criou a munição para que esses representantes elegessem a questão do Código Florestal como número um da agricultura.
Fonte: IHU